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Como o Clima Maluco está a Pôr a Nossa Floresta a Arder Mais e Melhor

O aumento das temperaturas, a seca prolongada e fenómenos extremos intensificam a frequência e a severidade dos incêndios no território nacional.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
3 Minutos
2025-08-04 10:41:00
Como o Clima Maluco está a Pôr a Nossa Floresta a Arder Mais e Melhor

Na madrugada de 3 de agosto de 2024, os sinos das sirenes ecoaram nas ruas de Monchique, Algarve, alertando para um fogo que, em poucas horas, consumiu mais de 200 hectares da serra. António Linhares, proprietário de um pequeno olival na encosta, abriu a porta de casa e deparou‑se com labaredas que devoravam os carrascos e o eucalipto como se nada mais existisse à sua volta. “Às quatro da manhã, só se ouvia o crepitar, o vento a soprar e o cheiro acre da fumaça”, recorda.

Este episódio ilustra bem o novo paradigma em que Portugal se encontra. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), entre 2010 e 2024, registou‑se um aumento de 38% nos dias com máximas acima de 40 °C, com picos que ultrapassaram os 45 °C no Alto Alentejo durante a vaga de calor de julho de 2023. A combinação de temperaturas extremas e humidade relativa abaixo de 10% criou em muitas regiões um verdadeiro “gatilho” para a deflagração de incêndios, descreve André Canelas, meteorologista do IPMA.

O impacto das alterações climáticas manifesta‑se ainda na irregularidade das chuvas. Dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) mostram que a Primavera de 2024 foi a segunda mais seca desde 1931, com apenas 220 mm de precipitação — menos 45% do valor médio histórico. Em contrapartida, as precipitações de junho ultrapassaram o dobro do previsto em alguns distritos, provocando escorrências que lixaram o solo e deixaram a vegetação seca, apta a arder com facilidade. “A alternância entre seca intensa e chuvas torrenciais enfraquece o solo e transforma a floresta num barril de pólvora”, explica o professor José Eusébio, da Universidade de Évora.

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) contabilizou 1248 incêndios no Alentejo em 2023, que consumiram 138 700 hectares — um acréscimo de 22% em relação ao ano anterior. No Algarve, os fogos afectaram 45 200 hectares, e na região Centro, onde se ergue Pedrógão Grande, arderam mais de 112 000 hectares. Municípios como Vila de Rei, Mação e Monchique voltam a estar no topo da lista de áreas ardidas por habitante.

No terreno, os bombeiros e sapadores florestais são os primeiros a enfrentar o fumo e o fogo. Miguel Silva, capitão dos Bombeiros Voluntários de Monchique, lembra os dias de agosto de 2023 em que a equipa trabalhou 18 horas seguidas. “O vento de noroeste trazia as chamas até às portas das aldeias a uma velocidade assustadora. Se não atuarmos nas primeiras 20 minutos, o foco transforma‑se num incêndio de grandes proporções.”

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Na luta contra o fogo, surgem também soluções inovadoras. O programa RePlant+, da Associação Floresta Comum em parceria com o Fundo Ambiental, já plantou 1,2 milhões de árvores autóctones em áreas ardidas desde 2022, privilegiando espécies como o sobreiro e o pinheiro bravo. O projeto LifeResQ, cofinanciado pela União Europeia e coordenado pelo ICNF, recorre a satélites para detetar colunas de fumo em tempo real, adiantando em até 15 minutos o alerta às equipas de intervenção.

Em termos de políticas públicas, o Plano Nacional de Gestão de Riscos de Incêndio Florestal (PNGRIF), atualizado em 2023, prevê a criação de 3 000 km de faixas de gestão de combustível até 2026, com um orçamento de 85 milhões de euros. Para além disso, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) destinou 112 milhões de euros ao reforço de meios aéreos e terrestres.

Se a tendência se mantiver, Portugal poderá perder até 10% da área florestal até 2050, segundo estimativas de climatologistas do IPMA. O desafio é tão urgente quanto claro: só com adaptação climática, fortalecimento dos recursos de combate a incêndios e participação activa dos cidadãos será possível travar as chamas que, ano após ano, ameaçam as aldeias e a paisagem nacional.