Independência Jornalística: Publique Aqui.
Bitcoin: Loading...
Ethereum: Loading...
Ripple: Loading...
Cardano: Loading...
Solana: Loading...
SPY: Loading...
IVV: Loading...
VOO: Loading...
QQQ: Loading...
VTI: Loading...

Sections

Countries

LinkedIn Telegram E-mail

Ser Pobre Esgota o Corpo, a Alma e a Mente: A Luta Diária Que Nos Deixa de Rastos, por Dentro e por Fora

Em aldeias, bairros e vilas de Portugal, cidadãos lutam contra jornadas intermináveis, falta de apoio e desgaste mental, numa batalha silenciosa que persiste longe dos radares sociais.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
7 Minutos
2025-06-14 17:22:00
Ser Pobre Esgota o Corpo, a Alma e a Mente: A Luta Diária Que Nos Deixa de Rastos, por Dentro e por Fora

Realidade que Consome

Em Mértola, distrito de Beja, mais de 120 famílias subsistem com orçamentos inferiores a 200 euros mensais — um valor que, conforme o relatório da Comissão Nacional de Proteção Civil (CNPC), não abrange sequer as despesas mínimas de água, eletricidade e alimentação (Relatório CNPC 2024). No bairro social das Fontaínhas, em Santo Tirso, vivem cerca de 300 residentes em situação semelhante, enquanto no Alto do Pina, em Lisboa, e no Bairro da Carreira, em Braga, a Cáritas Portuguesa registou um acréscimo de 48% nos pedidos de apoio alimentar no último ano.

Esta realidade empurra pessoas como Sérgio Pinto, 32 anos, natural de Marvão, a percorrer mais de 40 quilómetros diariamente: ao raiar do dia, seta-se nos castanhais de Marvão, colhendo sacos de castanhas a 5 euros cada; após horas de trabalho físico, segue para Lisboa, onde limpa gabinetes e receções por 4 euros cada intervenção. "Quando chego a casa, às 23h, mal aguento de pé", confidencia Serginho, que já foi operário numa fábrica de Portalegre e, hoje, vê-se forçado a desdobrar-se em dois empregos informais.

À mesma hora, em Vila Real, Inês Almeida, de 27 anos, costura peças de vestuário nas traseiras de um prédio antigo até às duas da manhã para garantir um extra de 50 euros mensais. "A máquina de costura é a minha cafeteira: não posso parar senão deixo de comer", diz Inês, que aprendeu o ofício com a mãe, reformada do têxtil.

Em Almodôvar, também no Algarve, vive Jorge Teixeira, de 45 anos, que sobrevive com a prestação social única de 195 euros. Para complementar, apanha camarão na costa algarvia antes de tentar vender souvenirs no centro histórico de Faro. "Visto-me de turista para conseguir uns trocos", assume, entre risos nervosos.

Seu código Adsense aqui

De norte a sul, o denominador comum é o desajuste entre a procura e a oferta de ajuda. Segundo a Associação de Solidariedade Social de Portalegre, os pedidos de apoio cresceram 35% em 2024, mas a verba anual manteve-se nos 150 mil euros. "É um desequilíbrio gritante", frisa Paulo Marques, presidente da associação. "Recebemos mais famílias, mas não temos meios para as apoiar." Esse cenário traduz-se num burnout económico generalizado — dores musculares, insónias, ansiedade crónica — cujos reflexos se estendem ao núcleo familiar.

Histórias que Falam

Em Paçô, freguesia de Felgueiras, Graça Mendes, 68 anos, e o marido José, 70 anos, sobrevivem com uma pensão social conjunta de 185 euros. O diagnóstico de diabetes tipo 2 obriga José a viagens diárias de 15 quilómetros até ao Centro de Saúde de Lixa, pagando 2 euros de transporte por trajeto. "A cápsula de insulina custa 38 euros, e eu recebo 1,50 de comparticipação", lamenta Graça. Para complementar o pequeno rendimento, José trabalha no terreno: planta batatas, feijão e couves, apesar das dores reumáticas que o afligem.

No Alto do Pina, Lisboa, Tiago Ferreira, 28 anos, pai solteiro de duas raparigas de 4 e 6 anos, recorre ao Banco Alimentar Contra a Fome para alimentar a família. Em 2024, a instituição registou um aumento de 22% no número de famílias apoiadas, crescendo de 12 mil para 14,5 mil beneficiários em Portugal Continental. "Levo as miúdas ao Colégio Eça de Queirós com sacos vazios para recolher cabazes", conta, com voz embargada.

Em Gouveia, Serra da Estrela, o casal Ana e Luís Santos gerem a quinta herdada dos avós: a produção artesanal de queijo de cabra rende-lhes 120 euros mensais — insuficiente para cobrir 200 euros de eletricidade e 100 euros de água. "Vivemos num concelho turístico, mas mal nos reconhecem como produtores locais", diz Ana, enquanto Luís lamenta a falta de acesso a programas de apoio agrícola, como o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2023–2027).

Seu código Adsense aqui

Em Évora, a família Ribeiro — mãe, pai e três filhos — vive num T2 arrendado por 300 euros, sustentando-se com um rendimento social de inserção total de 220 euros. A avó, reformada, ajuda com 100 euros mensais, mas a falta de trabalho perto de Redondo obriga o casal a deslocar-se para Montemor-o-Novo, onde compram cestos de lixo por 0,20 euros para revender a recicladores.

Alarmes Institucionais

O Centro Social de Tondela apontou um aumento de 42% nos pedidos de acompanhamento psicossocial em 2024, sobretudo por ansiedade e stress pós-traumático motivados por instabilidade económica. A Dra. Helena Ribeiro, psicóloga voluntária em Beja, alerta: "A insegurança financeira mina a autoestima e deixa marcas profundas no desenvolvimento dos mais novos e na resiliência dos idosos." Em janeiro de 2025, a Direção-Geral da Saúde emitiu um parecer que associa insegurança alimentar a picos de cortisol e a maior incidência de doenças cardiovasculares e autoimunes.

O Observatório das Desigualdades divulgou que 14% da população portuguesa vive abaixo do limiar de risco de pobreza, um aumento de 1,7 pontos percentuais comparativamente a 2023. Nos distritos de Portalegre, Guarda e Bragança, o indicador ultrapassa os 20%, enquanto em Lisboa se mantém estabilizado em 12%.

A Universidade do Algarve reflete, no seu estudo de junho de 2024, que o desemprego de longa duração duplica o risco de depressão clínica, sobretudo entre os 30 e os 50 anos. Simultaneamente, a Universidade do Minho publicou pesquisa em novembro de 2024 defendendo um rendimento mínimo de 350 euros mensais para interromper o ciclo de pobreza e burnout económico.

Seu código Adsense aqui

Sementes de Esperança

No concelho de Miranda do Corvo, Coimbra, o projeto “Horta Solidária” — parceria entre a Universidade de Coimbra, a Câmara Municipal e o Instituto de Empreendedorismo Social — recolhe excedentes de 45 hortas familiares e distribui-os a 200 famílias, promovendo simultaneamente oficinas de jardinagem terapêutica.

Em Vila Nova de Gaia, a startup social Releva-te apoiou 120 microcréditos sem juros em 2024, num total de 42 mil euros, para responder a despesas emergenciais de eletricidade, gás e renda. Cada participante frequentou workshops de literacia orçamental ministrados pela Associação Portuguesa de Estudos Sociais.

Em Moura, distrito de Beja, um banco de tempo solidário, apoiado pela Câmara Municipal e pelo Centro de Empreendedorismo Rural, contabilizou 500 trocas de horas de voluntariado por serviços como babysitting, reparações domésticas e aulas de informática. A iniciativa foi reconhecida pelo Instituto de Empreendedorismo Social como modelo de economia colaborativa.

Em Braga, a Associação Cultural dos Amigos de São João promove feiras de trocas de bens em que os participantes deixam roupas, brinquedos e utensílios domésticos, resgatando-os como forma de reduzir o desperdício e apoiar famílias em situação de vulnerabilidade.

Seu código Adsense aqui

A Visão Urgente

A urgência de uma resposta coordenada é inequívoca. No Parlamento, o Grupo Parlamentar do PS apresentou, em fevereiro de 2025, proposta de reforço das prestações sociais, prevendo o alargamento do Complemento Solidário para Idosos (CSI) e o aumento do rendimento social de inserção (RSI). O PSD contrapôs com sugestão de incentivos fiscais a microempresas rurais e planos de emprego no interior.

Em junho de 2025, a Comissão de Assuntos Sociais da Assembleia da República marcou um debate público que envolveu a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte). O bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Dr. Mário Soares, afirmou: "Não podemos tratar a pobreza apenas como um número — é preciso cuidar da saúde mental e da dignidade humana dos cidadãos mais fragilizados".

É imperativo repensar o sistema de apoios em Portugal — não só para garantir o sustento material de quem hoje mal sobrevive, mas também para proteger a saúde mental, preservar a coesão social e construir oportunidades de futuro.