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Empreendedores com mais de 70 anos estão a lançar negócios próprios em Portugal

Em várias regiões de Portugal, seniores com mais de 70 anos estão a iniciar negócios próprios, desafiando estereótipos e contribuindo para a economia local.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
5 Minutos
2025-05-08 11:35:00
Empreendedores com mais de 70 anos estão a lançar negócios próprios em Portugal

Em Portugal, o conceito de reforma está, para muitos, a ganhar um novo significado. Longe de ser sinónimo de repouso absoluto ou resignação ao marasmo, a terceira idade está a tornar-se, cada vez mais, uma fase de reinvenção, ousadia e protagonismo. Por todo o país, há seniores com mais de 70 anos que estão a arregaçar as mangas e a lançar negócios próprios, desafiando preconceitos, alimentando sonhos e dando novo fôlego à economia local e às suas próprias vidas.

Segundo dados recentes do estudo "O Empreendedorismo Sénior na Europa", promovido pela Fundação AEP em colaboração com o projecto europeu CENIE, cerca de 8,4% dos novos empreendedores em Portugal têm mais de 60 anos. Este número tem vindo a crescer de forma significativa. Só entre 2019 e 2023, o número de negócios registados por pessoas com mais de 65 anos aumentou em 21%, segundo dados do INE e da PORDATA. E não se trata apenas de necessidade: muitos reformados estão a investir os seus conhecimentos e as suas poupanças em projetos que lhes trazem realização pessoal, propósito e inclusão social.

O programa "Empreender 45-60", com financiamento do Portugal 2020 e dinamizado pela ACEGE e parceiros locais, tem sido essencial neste caminho. Não são apenas os jovens que precisam de apoio para criar empresas: muitos dos mais velhos têm as ideias, o conhecimento, a rede de contactos e a determinação, mas faltava-lhes o enquadramento certo.

Em Viseu, por exemplo, o Centro de Formação Profissional da cidade lançou um ciclo de formações específicas para empreendedores com mais de 65 anos, com módulos de contabilidade, marketing digital e gestão básica. O resultado? Três pequenos negócios abertos por pessoas acima dos 70 só no último ano. Em Leiria, o programa-piloto “+Idade +Valor” ajudou mais de 50 seniores a elaborar planos de negócio em setores como o artesanato, turismo cultural, alimentação saudável e até soluções digitais para o envelhecimento ativo.

A Associação Nacional de Universidades Seniores (RUTIS) tem igualmente incentivado estas práticas, promovendo semanas temáticas de empreendedorismo onde os participantes — com idades entre os 60 e os 85 anos — simulam o lançamento de negócios, muitos dos quais acabam por ganhar forma fora das salas de aula.

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Em Braga, Maria Fernandes, 72 anos, decidiu que não ia passar os seus dias a ver o tempo passar. Inspirada nas receitas de cremes e unguentos da sua avó, começou a produzir cosméticos naturais com ingredientes biológicos da região do Minho. Com a ajuda de alunos do curso de Química da Universidade do Minho, criou a marca "Raiz Verde". Hoje, vende em feiras locais, na plataforma Dott.pt e já exporta pequenas remessas para França, onde tem familiares emigrados que promovem os seus produtos junto da comunidade portuguesa.

Em Évora, Joaquim Silva, 75 anos, reabriu a sua velha oficina de carpintaria, fechada havia mais de 20 anos. Num tempo em que o rápido e barato domina, Joaquim devolve dignidade ao mobiliário antigo, restaurando com paciência e sabedoria peças que contam histórias. O boca-a-boca trouxe-lhe clientes do Alentejo inteiro, e o seu trabalho já foi destaque na revista "Portugal Rural" pela autenticidade dos acabamentos e respeito pela matéria-prima.

E em Lisboa, Ana e Manuel Costa, ambos com 71 anos, juntaram a paixão por história e a experiência acumulada de uma vida em ensino e turismo para criarem a "Lisboa em Memória", uma microempresa que organiza passeios guiados focados na memória oral dos bairros alfacinhas. Os roteiros são dados com humor, afeto e uma nostalgia que encanta quem visita. Receberam, em 2022, uma menção honrosa da Câmara Municipal de Lisboa no âmbito do programa “Bairros com História”.

Na vila transmontana de Torre de Moncorvo, Irene Tavares, 78 anos, criou uma cooperativa de produção de compotas e licores com outras mulheres da mesma faixa etária. A cooperativa “Sabores da Terra Quente” vende os seus produtos em mercados regionais e estabeleceu recentemente parceria com uma cadeia de mercearias biológicas em Vila Real e Bragança.

Claro que nem tudo é um mar de rosas. O acesso ao financiamento é um dos principais entraves. Muitos bancos olham com desconfiança para quem já ultrapassou os 70, mesmo quando o plano de negócios é sólido. A adaptação ao digital também pode ser um obstáculo: gerir redes sociais, criar lojas online ou lidar com sistemas de faturação electrónica exige aprendizagem, persistência e uma boa dose de paciência.

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Mas há resposta. O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) tem, através do Programa Nacional de Microcrédito, ajudado muitos destes novos empreendedores. Em 2023, cerca de 160 candidaturas foram aprovadas para pessoas com mais de 60 anos. Programas como o “INCoDe.2030” têm vindo a incluir módulos específicos para capacitação digital de seniores, o que permite uma maior autonomia na gestão tecnológica dos seus negócios.

Várias autarquias, como a de Vila Nova de Gaia, Braga e Odemira, já têm gabinetes de apoio ao empreendedorismo sénior, que prestam aconselhamento jurídico, fiscal e estratégico para ideias de negócio local.

O impacto destes empreendimentos vai muito para além do que se pode medir em euros. São negócios que resgatam tradições, devolvem dignidade à experiência de vida e criam pontos de contacto entre gerações. Reúnem famílias, preservam saberes ancestrais e combatem o isolamento social.

Em aldeias como Sortelha (Sabugal), ou Midões (Montalegre), pequenos projectos liderados por seniores têm impedido que as portas se fechem de vez. Uma loja de bordados, uma oficina de conservação de linho, uma tasca com receitas de antigamente... cada negócio é também um bastião contra o esquecimento e uma âncora de identidade.

De acordo com a Comissão Europeia, o potencial económico do empreendedorismo sénior é “relevante e crescente” e pode ser um dos pilares do envelhecimento ativo, desde que apoiado por políticas públicas inclusivas e eficazes. A economia prateada (silver economy) poderá representar até 32% do PIB europeu até 2050.

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Mais do que uma curiosidade social, o empreendedorismo sénior é um recurso real, ainda subaproveitado, num país que envelhece rápido. E talvez esteja na hora de olharmos para os nossos mais velhos não como um fardo a manter, mas como um património vivo que ainda tem muito para dar, ensinar e transformar.