Em pleno século XXI, Portugal gosta de se ver ao espelho como um país moderno e com uma juventude cada vez mais preparada. E, de facto, não faltam motivos para esse orgulho: o número de jovens com formação superior tem crescido de forma consistente. Em 2023, segundo o Eurostat, cerca de 44,3% dos portugueses entre os 25 e os 34 anos tinham completado o ensino superior. Mas, ao virar da medalha, está uma realidade menos luminosa.
Joana Ribeiro, de 28 anos, natural de Bragança e licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho, está a trabalhar como assistente de loja numa grande superfície comercial no Porto. "Enviei mais de 80 currículos desde que terminei a licenciatura. Fiz estágios não remunerados, participei em formações e cursos extra, mas continuo sem conseguir um trabalho na minha área. Já pensei em emigrar várias vezes."
O caso de Joana não é isolado. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego entre jovens com ensino superior rondava os 4,7% em 2024. À primeira vista, o número parece razoável. Contudo, especialistas como Luís Capucha, sociólogo e investigador no ISCTE, alertam que essa estatística mascara o subemprego. "Temos milhares de jovens licenciados a ocupar funções para as quais não são necessárias habilitações superiores. Estão a trabalhar, sim, mas em empregos que não valorizam as competências que adquiriram."
As áreas mais atingidas continuam a ser as Ciências Sociais e Humanas. Um estudo publicado pela EDULOG em colaboração com a Fundação Belmiro de Azevedo indica que cursos como Filosofia, História e Comunicação apresentam taxas de desemprego superiores a 10%. Por outro lado, formações ligadas às engenharias, à tecnologia e à medicina registam maior integração no mercado.
Face à falta de oportunidades, a solução parece estar, cada vez mais, além-fronteiras. Segundo o Observatório da Emigração, coordenado pela Universidade de Lisboa, mais de 25 mil jovens portugueses com formação superior emigraram em 2023. Os destinos mais procurados continuam a ser o Reino Unido, a Alemanha e os Países Baixos.
Marta Henriques, engenheira do ambiente formada em Coimbra, vive actualmente em Eindhoven, nos Países Baixos. "Trabalhava numa empresa de consultoria ambiental em Lisboa, mas não me renovaram o contrato. Em três meses, arranjei trabalho aqui com um salário três vezes superior. Foi uma mudança radical, mas necessária."
Este êxodo de talentos representa uma perda económica real para o país. De acordo com um estudo da PwC Portugal, cada jovem formado que emigra representa um investimento perdido de cerca de 40 mil euros em formação pública. Numa altura em que o país enfrenta desafios estruturais, este desperdício de capital humano não pode continuar a ser ignorado.
O Governo tem, nos últimos anos, tentado inverter a maré. O programa "+Talento", lançado em 2022 pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), já apoiou mais de 12 mil jovens através de estágios profissionais e incentivos à contratação.
Contudo, as soluções ainda estão longe de ser estruturais. Miguel Monteiro, presidente da Associação Académica de Lisboa, afirma que é necessário repensar a própria arquitectura do ensino superior. "Forma-se em demasia para sectores sem saída e ignora-se a articulação entre universidades e o tecido empresarial."
Projectos-piloto como o "Braga +Tech", apoiado pelo IAPMEI e pela Universidade do Minho, têm mostrado que é possível criar sinergias regionais entre formação e emprego. Em Setúbal, a incubação de startups tecnológicas no BlueBiz Factory tem criado oportunidades reais para jovens licenciados em Engenharia Informática e Design Digital.
A urgência está lá. E, como diz o povo, "não se pode tapar o sol com a peneira". Reconhecer o problema é o primeiro passo. Reposicionar o ensino, reformular as políticas de emprego e, acima de tudo, valorizar o talento jovem é imperativo para evitar que Portugal continue a formar para outros beneficiarem.