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A Duras Penas: Em Portugal, Há Quem Lute Pela Vida com Menos de 200 Euros por Mês na Pobreza Extrema

Enquanto os números oficiais falam em recuperação económica, milhares de portugueses sobrevivem em silêncio absoluto com apoios sociais mínimos e trabalho precário, fora dos holofotes mediáticos.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
6 Minutos
2025-05-26 09:49:00
A Duras Penas: Em Portugal, Há Quem Lute Pela Vida com Menos de 200 Euros por Mês na Pobreza Extrema

Vidas Invisíveis: O Outro Lado da Economia Portuguesa

O retrato que os números pintam é muitas vezes bonito demais para ser verdade. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego em Portugal fixou-se nos 6,5% no primeiro trimestre de 2025. Um indicador que, para muitos, parece motivo de celebração. No entanto, por trás desses dados otimistas, esconde-se uma realidade crua, desconfortável e, sobretudo, invisível: milhares de portugueses continuam a viver no limiar da sobrevivência, com rendimentos que não chegam para um cabaz de supermercado.

Ana Teresa, 63 anos, natural de Vila Real, é um desses rostos. Trabalhou trinta anos numa loja de tecidos, num tempo em que a palavra "reforma" prometia descanso e dignidade. Hoje, com uma pensão mensal de 189,66 euros, diz que sobrevive “a contar moedas”. A renda da pequena casa onde vive consome mais de metade do valor que recebe. “Tenho vergonha de dizer, mas há dias em que janto um pão com água quente e um pouco de sal. E nem sempre tenho pão”, confessa. Recebe apoio do Banco Alimentar de Vila Real e conta com cabazes mensais da Santa Casa da Misericórdia, mas isso não chega.

Segundo o Relatório de Pobreza 2024 da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN Portugal), mais de 2,1 milhões de portugueses vivem em risco de pobreza ou exclusão social. Desses, cerca de 230 mil sobrevivem com menos de 220 euros por mês. Em muitas destas situações, não se trata apenas de falta de dinheiro, mas da perda total de rede de suporte familiar, social e institucional.

No Alandroal, interior profundo do distrito de Évora, Joaquim Lourenço, 58 anos, reside numa rulote estacionada num terreno baldio. Trabalhava como operador numa pedreira desactivada desde 2022. Após um divórcio e a falta de alternativas na região, viu-se forçado a abandonar a sua casa. “Ando no centro de emprego, mas só há ofertas para Lisboa ou Porto. Com que dinheiro me mudo? Nem para o gasóleo tenho.” Sobrevive com 192 euros de RSI e com ajuda da Associação Solidária Alentejana.

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Casos como o de Joaquim multiplicam-se em zonas como Castro Daire, Mértola, Idanha-a-Nova ou Monção. Mesmo nos subúrbios da capital, como na zona de Alfragide ou na freguesia de Camarate, há famílias a viver em quartos alugados sem janela, onde se partilham casas de banho com três ou quatro agregados familiares.

A Realidade Que Escapa aos Relatórios Oficiais

Programas como o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o Complemento Solidário para Idosos (CSI) ajudam, mas estão longe de ser suficientes. Muitos beneficiários relatam dificuldades em renovar documentação, falhas de comunicação com a Segurança Social e demoras de meses em processos administrativos.

Mariana Ramos, assistente social na Porta Solidária, no Porto, afirma: “Recebemos pessoas com 60 ou mais anos que pedem para varrer a rua em troca de comida. São pessoas que trabalharam a vida inteira, mas ficaram para trás. Há um sentimento de desvalorização brutal.”

Na zona de Valença, por exemplo, a Associação Dar Mais Vida organiza acções mensais de entrega de bens essenciais. “A maioria das pessoas que apoiamos não são sem-abrigo. São reformados, cuidadoras informais, pessoas com doenças crónicas que ficaram para trás num sistema que não responde com a devida rapidez”, explica Pedro Oliveira, coordenador do projecto.

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Universidades Começam a Olhar Para Esta Realidade

A Universidade de Coimbra, em colaboração com a EAPN, está a desenvolver um estudo longitudinal sobre a "pobreza estrutural em meios rurais". No ISCTE, a investigadora Sofia Fernandes coordena um grupo que analisa o "efeito cumulativo da pobreza de longo prazo" em adultos que ficaram excluídos do mercado de trabalho após os 45 anos.

“Está a surgir uma nova geração de pobres silenciosos. Têm casa, mas vivem isolados, com contas por pagar, sem acesso a transportes ou a cuidados de saúde regulares”, explica Sofia. Segundo os dados preliminares do estudo, em freguesias do distrito de Bragança, há aldeias onde 80% dos habitantes com mais de 55 anos vivem com menos de 250 euros/mês.

E as Empresas?

Do lado do mercado de trabalho, há um problema evidente: a precariedade. Margarida Silva, do Observatório das Condições de Vida (OCV), critica os baixos salários e contratos a prazo. "Oferecer 800 euros brutos em Lisboa não é inclusão. É pobreza contratual."

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Segundo a PORDATA, o salário mínimo nacional em Portugal está nos 820 euros em 2025, mas em cidades como Lisboa ou Faro, o custo de vida é quase o dobro da média nacional. Resultado: ter um emprego já não é garantia de escapar à pobreza.

O programa europeu "Housing First", já em curso em cidades como Lisboa, Braga e Setúbal, tem mostrado resultados positivos ao proporcionar habitação estável a pessoas em vulnerabilidade extrema. No entanto, segundo dados da Câmara Municipal de Lisboa, ainda faltam mais de 5 mil fogos para colmatar as necessidades de habitação social prioritária.

Conclusão: Ver o Que É Invisível

Os portugueses que vivem com menos de 200 euros por mês não aparecem nos relatórios de crescimento económico nem nas campanhas eleitorais. Mas existem. Têm nomes, rostos, passados e esperanças.

Não basta doar cabazes ou partilhar frases feitas nas redes sociais. A dignidade exige estrutura: habitação, cuidados de saúde acessíveis, transportes, apoio psicológico e um mercado de trabalho que não se resuma a contratos de sobrevivência.

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Portugal não é só feito de crescimento do PIB e turismo recorde. É também feito de quem, todos os meses, conta céntimo a céntimo para pagar a conta da luz. E essas vidas, ainda que invisíveis aos olhos da economia, devem ser o verdadeiro centro de qualquer política pública.