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As Profissões Portuguesas que Estão a Desaparecer: Os últimos Guardiões de Saberes Ancestrais

Sapateiros, latoeiros e ferreiros estão a desaparecer dos mapas laborais portugueses. O que acontece quando morre uma profissão e o saber não é transmitido?

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
8 Minutos
2025-05-23 12:14:00
As Profissões Portuguesas que Estão a Desaparecer: Os últimos Guardiões de Saberes Ancestrais

Quando o Martelo Silencia: Profissões em Extinção em Portugal

Em pleno século XXI, quando se fala em profissões do futuro, pouco se ouve sobre aquelas que sustentaram o passado. No entanto, no silêncio de muitas oficinas portuguesas, ecoa um som grave e simbólico: o martelo que já não bate. Ferreiros, sapateiros, latoeiros e outros mestres de ofícios manuais tradicionais estão a desaparecer a um ritmo alarmante, levando consigo uma parte insubstituível da história e identidade cultural de Portugal.

De acordo com dados de 2022 do Instituto Nacional de Estatística (INE), apenas 0,2% da população ativa portuguesa exerce hoje alguma profissão classificada como artesanal tradicional. Um número que, em 1980, rondava os 3,7%. É uma queda vertiginosa, silenciosa e, até aqui, amplamente ignorada.

Os últimos artesãos: Histórias de resiliência e despedida

Na vila alentejana de Redondo, em Évora, conhecemos o sr. Manuel Batista, de 82 anos, ferreiro desde a adolescência. “Já fiz ferragens para adegas em Reguengos, portões para quintas em Estremoz, até cruzes de ferro para cemiteiros. Mas agora... olha, ali está a bigorna, calada há meses.”

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O seu neto, João Batista, estudou engenharia mecânica no Instituto Politécnico de Beja. Não herdou o ofício, mas herdou a admiração. “A oficina do meu avô é um santuário. Mas hoje uma ferragem artesanal custa dez vezes mais que uma de fábrica. O mercado não valoriza.”

Mais a norte, em Vale de Cambra, distrito de Aveiro, Joaquim Lopes está de luto. O sapateiro, com mais de meio século de actividade, encerrou a loja no final de 2023. “Foi o couro que me deu de comer a vida toda. Mas hoje os miúdos compram sapatilhas que duram três meses e depois vão para o lixo. Em 1985, tinha quatro aprendizes. Agora estou só eu, e a porta fechada.”

Em Miranda do Douro, na região de Trás-os-Montes, Manuel Moura, 75 anos, latoeiro de profissão e alma, prepara-se para fechar de vez a oficina herdada do pai. “Os alguidares que eu fazia duravam uma geração. Hoje compram-se uns de plástico por três euros. E depois queixam-se de que o mundo está cheio de lixo.”

A cultura nas mãos: património em risco

Não está em causa apenas o desaparecimento de profissões. Está em causa a morte lenta de um património imaterial reconhecido pela UNESCO, mas pouco protegido em território nacional.

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A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) tem identificado cerca de 140 ofícios tradicionais em risco, mas apenas 12 estão atualmente integrados em programas de salvaguarda. Como sublinha Maria Antónia Ribeiro, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra: “O desaparecimento de um ferreiro não é apenas a perda de um serviço. É o fim de uma linguagem, de um saber transmitido oralmente, de uma relação singular com o tempo e a matéria.”

Em 2023, a Associação Portuguesa para a Salvaguarda do Saber Artesanal (APSSA), com sede em Tomar, lançou o programa "Mestre e Aprendiz", apoiado por fundos europeus, para tentar travar esta perda. Em dois anos, apenas 21 jovens aderiram.

António Reis, presidente da APSSA, é claro: “Estamos a tentar construir barcos com as tábuas que já boiam. Se não formos rápidos, daqui a 10 anos não teremos mais mestres vivos para ensinar.”

Algumas câmaras a remar contra a maré

Apesar do panorama sombrio, algumas autarquias têm dado pequenos passos. Em Barcelos, conhecida pelo artesanato do galo, o município criou a "Escola Oficina", onde jovens podem aprender cerâmica, tanoaria e ferraria com mestres locais. O mesmo acontece no Fundão, com o projecto "Mãos de Ofício", financiado pelo PRR.

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Em Loulé, a cooperativa "Loulé Criativo" dinamiza residências artísticas com artesãos da região. No entanto, como refere o latoeiro Pedro Pires, participante no projecto, “isto é bonito para turistas verem, mas não paga contas.”

Economia, preconceito e a lógica do descartável

O abandono dos ofícios tradicionais não se deve apenas à falta de incentivos. Existe um preconceito enraizado contra profissões manuais, vistas muitas vezes como sinónimo de pobreza ou atraso. O sistema educativo também não ajuda: há poucas ofertas de formação profissional nestas áreas, e as existentes têm fraca procura.

Acresce a concorrência de produtos industriais, fabricados em massa e vendidos a preços irrisórios. “Um par de sapatos feito à mão custa 120 euros. Um de marca asiática custa 29, e dura um terço. Mas é esse que vende”, lamenta a sapateira Teresa Matias, de Guimarães.

Segundo a Confederação do Artesanato e Pequenas Empresas de Portugal (CAPE), entre 2010 e 2022 fecharam mais de 4.700 oficinas tradicionais em território nacional.

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Preservar ou assistir ao fim?

A questão que se coloca é clara: queremos viver num país onde tudo é fácil, rápido e barato — mas vazio de significado e memória? Ou queremos preservar o que nos diferencia, o que é feito com vagar, com imperfeição bela, com alma e humanidade?

A resposta não pode ficar apenas nas mãos dos artesãos. Exige uma política cultural agressiva, incentivos fiscais reais, compra pública de peças artesanais, educação para o consumo consciente. E sim, também exige de nós, consumidores, a coragem de pagar o justo preço por um trabalho que dura mais do que uma estação.

Enquanto se anunciam revoluções tecnológicas e inteligências artificiais, há inteligências humanas que estão a extinguir-se — e não haverá robô que as substitua.