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O Regresso dos Vendedores Porta-a-Porta em Portugal: Uma Profissão que Resiste à Era Digital

Apesar da revolução tecnológica e das vendas online, agentes de proximidade como Manuel Lopes e a empresa Rota Comercial mantêm viva uma tradição centenária em vilas de Braga, Évora e Loulé, conquistando novos clientes à porta de casa.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
5 Minutos
2025-06-13 17:50:00
O Regresso dos Vendedores Porta-a-Porta em Portugal: Uma Profissão que Resiste à Era Digital

Quando o sol se põe sobre as serras de Póvoa de Lanhoso (Braga) e o dia parece esticar-se até ao infinito, ainda ecoa o som inconfundível da campainha de Manuel Lopes — vendedor porta-a-porta há 25 anos. Logo pela manhã, Manuel, de 53 anos, preparou o estojo metálico com catálogos coloridos da AEG e da Bosch, juntamente com folhetos sobre painéis solares distribuídos pela SunEnergy Portugal. Partiu da sua casa em São João de Rei (freguesia próxima), rumo a Calvos (Guimarães), onde tem uma lista de vinte clientes potenciais.

Enquanto muitos portugueses carregam o telemóvel como se fosse uma prótese digital, Manuel continua a apostar no contacto humano. “Já me apelidaram de dinossauro, mas não passo de alguém que acredita no valor de um aperto de mão”, diz, ajeitando o chapéu de palha típico da região. E os números parecem dar-lhe razão: a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) registou um crescimento de 8% no registo de operadores de venda direta em 2023, totalizando 1 350 licenças activas num país onde, há cinco anos, se contavam apenas 1 250 (fonte: ASAE, Relatório 2023).

Raízes centenárias e modernidade em sintonia

A tradição dos feirantes ambulantes em Portugal remonta ao princípio do século XX, quando se deslocavam em carros de bois pelas margens do Tejo e atracavam com barcaças carregadas de têxteis e ferragens. Hoje, o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa assinala que, apesar dos e‑commerces, 62% dos consumidores — segundo estudo coordenado pela professora Ana Rodrigues (Universidade do Minho, 2024) — sentem-se mais seguros com uma demonstração presencial. “Ver com os próprios olhos e poder experimentar antes de comprar faz toda a diferença”, explica a investigadora.

Em Vila Nova de Milfontes (Alentejo), a empresa local SoftSolar instalou uma parceria com os vendedores de bairro para promoção de kits de energia solar doméstica. Há cerca de um ano, o projecto piloto pôs à prova 50 habitações, reduzindo em média 30% a factura de eletricidade das famílias envolvidas. Testemunhos como o de Maria do Céu, de 68 anos, reforçam a ideia de proximidade: “O senhor Pedro veio cá explicar tudo, mediu o telhado e deixou-me um plano financeiro sem letra miúda. Foi meio caminho para eu confiar.”

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Do rancho ao tablet: a era digital bate à porta

Na aldeia de Alte (concelho de Loulé), a startup Rota Comercial, fundada em 2018 pelos farenses Hugo Sousa e Sofia Pinto, reinventou o modelo clássico. Os vendedores circulam em carrinhas elétricas — oferecidas por fundos comunitários da CCDR-Alentejo — e dispõem de tablets com ligação 4G da MEO, onde registam encomendas em tempo real. Essa digitalização permitiu um aumento de 25% no volume de vendas entre 2023 e 2024.

“Somos a ponte entre a tradição e a inovação”, conta Sofia, enquanto mostra num tablet um vídeo de clientes satisfeitos: o bulício da Feira de S. Mateus, em Viseu, tornou-se também palco de captações para campanhas no Instagram. Ao mesmo tempo, o Instituto Politécnico de Évora, através do projecto “Comércio de Proximidade 4.0” (Dr. João Silva), confirmou que 45% dos lares portugueses valorizam a experiência de compra presencial para produtos de média e alta gama.

E nas aldeias transmontanas, onde o sinal de Internet oscila entre aceitável e inexistente, essas deslocações não são apenas comerciais, mas o raro momento de convívio. Em Mêda (Guarda), o vendedor António Carvalho, de 60 anos, confessa que muitos habitantes aguardam a sua visita como evento social: “Se não aparecer, até perguntam pela família.”

Feiras regionais como motor de dinamização local

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O poder de feiras tradicionais — como a Feira dos Frutos em Barcelos ou as Festas dos Tabuleiros em Tomar — mantém-se vivo. A ASAE detectou em 2024 um aumento de 15% na aquisição de produtos durante estes certames, que depois acabam por ser distribuídos porta a porta pelos mesmos vendedores. A demonstração ao vivo de aspiradores ecológicos da Kärcher ou dos sistemas de rega inteligente da IrrigCorp transforma-se num momento de curiosidade genuína.

Na Universidade do Algarve, o Departamento de Sociologia revelou que 70% dos visitantes de feiras regionais consideram a demonstração artística ou técnica decisiva para a compra subsequente. Isto demonstra como a “venda ambulante 2.0” mistura espetáculos de produto com entretenimento local.

Burocracia, form acção e boas práticas

Entretanto, surgem desafios: muitos operadores resistem à burocracia. A ASAE alertou, em Março de 2025, para práticas irregulares — vendas sem fatura ou locais não autorizados. Para combater isto, a Associação Portuguesa de Vendas Diretas (APVD), sediada em Lisboa, lançou em Fevereiro um programa de certificação em parceria com o Instituto Politécnico de Santarém. Até Maio de 2025, 120 profissionais frequentaram formações sobre direitos do consumidor, emissão de recibos e ética comercial.

Em Évora, a Câmara Municipal passou a apoiar a iniciativa “Porta-Abrir”, que incentiva comerciantes locais a acolher demonstrações caseiras de produtos regionais. Em 2024, participaram 40 famílias, gerando um impacto económico estimado em 25 000 euros durante seis meses.

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Pequenos produtores encontram nova montra

Para agricultores de Arouca, como a família Fernandes, que produz compotas artesanais há três gerações, o modelo porta-a-porta abriu novas portas: 30% das vendas realizadas em 2024 vieram de encomendas domiciliárias. Em Barcelos, a Cooperativa Têxtil Cantarinha, fundada em 1975, alcançou um crescimento de 18% nas vendas de rendas e bordados graças a encomendas realizadas por vendedores que visitam residências de Guimarães e Vila do Conde.

Olhar para o futuro com otimismo

Que perspetivas se adivinham? Ana Rodrigues, da Universidade do Minho, afirma que o modelo sustentável será híbrido: “O vendedor porta-a-porta transformará num embaixador local, recolhendo feedback imediato e divulgando marcas nas redes, numa lógica verdadeiramente omnicanal.” Mas, alerta, o equilíbrio entre tradição e tecnologia exige investimento na formação e na modernização das infraestruturas de comunicação rural.

O fenómeno reforça a importância de perceber o valor do toque humano num país onde 35% da população reside em zonas de baixa densidade (dados PORDATA, 2024). Ao bater à nossa porta, este regresso recorda-nos que, numa era saturada de e‑commerces, há quem continue a apostar na conversa real. Por vezes, basta um “boa tarde” bem colocado para reacender profissões que julgávamos esquecidas, mantendo vivas redes sociais — as de carne e osso — que nos ligam uns aos outros.

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