A paisagem agrícola portuguesa, outrora dominada por processos manuais e tradições ancestrais, está a sofrer uma revolução silenciosa, mas profunda. Ao contrário do que muitos poderiam pensar, é nas zonas mais interiores, longe dos centros urbanos, que o futuro está a ser desenhado com tecnologia de ponta. Startups portuguesas, formadas muitas vezes por jovens engenheiros, investigadores e filhos de agricultores, estão a introduzir soluções inovadoras que não só aumentam a produtividade no campo, como reduzem drasticamente os desperdícios e o impacto ambiental da actividade agrícola.
Esta transformação é, em parte, potenciada por programas como os "Vouchers para Startups", iniciativa promovida pelo IAPMEI em articulação com a Startup Portugal. Este programa, que disponibiliza financiamentos a fundo perdido de até 30 mil euros por projecto, visa dinamizar sectores estratégicos através da inovação digital. Em 2023, mais de 3 milhões de euros foram alocados a projectos ligados à agricultura, às florestas, às pescas e à aquicultura.
Segundo dados da CCDR Centro, mais de 120 startups candidataram-se aos apoios nos primeiros seis meses da iniciativa, com cerca de 45% delas a operar directamente na fileira agrícola. O impacto destes incentivos começa a ver-se nos campos: sensores que detectam humidade do solo em tempo real, drones que fazem mapeamento das culturas e sistemas que optimizam a irrigação com base em dados meteorológicos. Estas tecnologias estão a ser implementadas em explorações agrícolas de norte a sul do país, com resultados visíveis em termos de eficiência, poupança de recursos e maior previsibilidade na produção.
Em Tomar, por exemplo, a empresa AgrosmartTech colabora com pequenos produtores de hortícolas na aplicação de sensores de solo e sistemas de rega gota-a-gota inteligentes, tendo reduzido em 40% o uso de água e aumentado em 25% o rendimento por hectare. Em Ponte de Lima, a viticultura local tem beneficiado da digitalização através de parcerias com startups especializadas em análise de dados agrícolas, permitindo a antecipação de pragas e a melhoria da qualidade da uva.
No Porto, a Wisecrop é hoje um exemplo paradigmático desta nova geração de empresas tecnológicas com impacto directo no sector primário. A sua plataforma integra dados de sensores, estações meteorológicas e dispositivos móveis para oferecer aos agricultores uma visão completa e em tempo real das suas explorações. Com mais de 500 explorações agrícolas em Portugal a utilizar os seus serviços, a Wisecrop conseguiu reduzir o uso de água em até 35% em culturas como a vinha e o olival. Em declarações ao jornal Público, um agricultor de Torres Vedras afirmou que “a tecnologia permitiu-me poupar quase 4 mil euros por ano em custos de rega e pesticidas”.
Em Vila Real, o Regia Douro Park transformou-se num verdadeiro viveiro de ideias. Acolhe actualmente mais de 40 startups e projectos de investigação, muitos deles em parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Um dos projectos mais relevantes é o SmartHarvest, que usa visão computacional e machine learning para prever o momento ideal da colheita, com base na cor, textura e volume dos frutos. A aplicação desta tecnologia resultou num aumento de 18% na qualidade do produto final e numa redução significativa de perdas por colheita prematura. Agricultores da região relataram melhorias no tempo de resposta a condições climatéricas adversas e melhor gestão da mão-de-obra sazonal.
Mais a sul, na região do Alentejo, a startup Agroinsight, sediada em Évora, está a aplicar tecnologia blockchain para garantir a rastreabilidade dos produtos agrícolas, desde a sementeira até ao consumidor final. Com o selo "Campo Justo", pretende dar mais transparência à cadeia alimentar e valorizar os produtos locais junto de consumidores urbanos cada vez mais conscientes. Esta iniciativa foi recentemente reconhecida com um prémio europeu de inovação em sustentabilidade alimentar.
Outro exemplo digno de destaque é a Beyond Vision, com sede em Santa Maria da Feira. Esta empresa desenvolve drones adaptados à agricultura de precisão, capazes de realizar voos automáticos para análise de solo, detecção de pragas e controlo do estado físico das culturas. Em 2022, os seus drones foram utilizados em mais de 700 explorações em todo o território nacional. A empresa colabora ainda com o Instituto Politecnico de Bragança para o desenvolvimento de novas funcionalidades ligadas à viticultura de montanha.
Segundo um estudo recente da Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), cerca de 94% dos agricultores portugueses manifestaram interesse em investir em soluções de digitalização até 2026. Ainda de acordo com este estudo, a digitalização poderá representar um incremento de 20% na produtividade média por hectare, com redução de custos operacionais que pode atingir os 25%. Um levantamento da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) acrescenta que 70% dos jovens agricultores já utilizam ferramentas digitais na gestão das suas explorações.
Estes avanços não são apenas tecnológicos, mas também sociais. Em freguesias como Videmonte (Guarda) ou Alvito (Beja), vê-se o regresso de jovens ao campo, atraídos não por uma visão romântica da agricultura, mas sim por um sector cada vez mais científico, digital e com futuro. A taxa de envelhecimento dos agricultores, que ultrapassa os 58 anos em média, poderá começar a inverter-se com esta nova dinâmica geracional. Em 2022, foram registadas 1.132 novas candidaturas ao programa de instalação de jovens agricultores, um aumento de 18% face ao ano anterior.
Para além disso, a colaboração entre universidades, centros tecnológicos e empresas privadas está a criar um ecossistema robusto de inovação. A própria Comissão Europeia destaca Portugal como um dos países com maior crescimento em "agritech" nos últimos 5 anos, tendo duplicado o número de startups do sector desde 2018. Lisboa, Braga, Aveiro e Évora começam a despontar como hubs de inovação rural, atraindo inclusive investidores estrangeiros e instituições de financiamento internacionais.
A revolução está em curso, discreta mas determinada. Se outrora se dizia que Portugal era um país de agricultores, hoje podemos afirmar que está a tornar-se também um país de agricultores digitais. A transição está longe de estar concluída, mas cada hectare onde a tecnologia entra é um passo firme rumo a um futuro mais verde, eficiente e inclusivo para o mundo rural português.