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Túneis Abandonados em Minas Portuguesas Podem Esconder Tesouros Históricos e Segredos Esquecidos do Subsolo

De Rio Tinto às minas da Panasqueira, estruturas subterrâneas abandonadas guardam relíquias do passado industrial de Portugal. Investigadores e autarcas pedem inventariação urgente antes que se perca património valioso.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
8 Minutos
2025-05-15 09:30:00
Túneis Abandonados em Minas Portuguesas Podem Esconder Tesouros Históricos e Segredos Esquecidos do Subsolo

O subsolo de Portugal está a desaparecer sem deixar rasto: um silêncio que fala alto

Não há património mais esquecido do que aquele que se esconde debaixo da terra. Em Portugal, o subsolo carrega consigo séculos de história industrial, labuta e engenho. Hoje, contudo, jaz ao abandono. São centenas de quilómetros de túneis mineiros, galerias de extracção e infraestruturas subterrâneas que se desmoronam silenciosamente, longe dos olhos e do cuidado das autoridades. E o mais inquietante é que este património não está perdido por falta de valor, mas sim por falta de vontade.

Um passado cavado a pulso e agora esquecido

Basta rumar à Cova da Beira para encontrar um dos maiores complexos mineiros subterrâneos da Europa: as minas da Panasqueira. Desde 1896, estas minas foram a alma económica da região, dando emprego a mais de 10 mil mineiros ao longo das décadas. Hoje, a Beralt Tin and Wolfram (empresa detida pela canadiana Almonty Industries) continua a operar uma parte do complexo, mas vastas zonas encontram-se lacradas, esquecidas no escuro.

João Matos, engenheiro de minas e consultor para património geológico da Universidade de Évora, defende que “estas galerias são verdadeiros corredores da memória operária e tecnológica. Podiam ser musealizadas, como se fez em Espanha com as minas de El Soplao ou em Inglaterra com a Ironbridge Gorge”.

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Já em Rio Tinto, no concelho de Gondomar, estão os vestígios da antiga exploração de ouro e estanho, activa desde o século XVIII. Os túneis, conhecidos popularmente como "As Furnas", encontram-se em ruínas. Graffiti cobre as paredes, pneus velhos e detritos industriais acumulam-se onde antes se extraía riqueza para a Coroa Portuguesa. A população, em particular os mais velhos, ainda recorda o cheiro do metal e o som dos martelos pneumáticos. Em 2021, arqueólogos do ISMAI propuseram um estudo sistemático das galerias, mas o financiamento nunca chegou.

Subterrâneo é sinónimo de invisível?

Esta ausência de preservação não é apenas negligência cultural. Há também riscos reais e crescentes. Segundo a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), existem pelo menos 230 zonas mineiras desactivadas em Portugal, das quais mais de 60 apresentam risco de instabilidade. Em São Domingos, no concelho de Mértola, jovens têm acedido ilegalmente a galerias abandonadas para captar fotografias, como se de um parque de diversões subterrâneo se tratasse. Em 2023, um desses acessos colapsou parcialmente, obrigando os bombeiros a evacuar dois adolescentes.

No Lousal, concelho de Grândola, os antigos túneis têm sido alvo de intervenção positiva. Ali, em parceria com a Fundação Frada e o Centro Ciência Viva do Lousal, já se recuperou parte das galerias para fins pedagógicos. O resultado é um exemplo do que pode ser feito: em 2022, mais de 15 mil visitantes percorreram as galerias com capacete e guia, num circuito que alia história, ciência e turismo.

Poluição que não se vê, mas contamina

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A preocupação ambiental também é premente. Rita Fonseca, geóloga da Universidade de Coimbra, participou num estudo que identificou contaminação por metais pesados (arsénio, chumbo e mercúrio) nas águas subterrâneas junto às antigas minas de Castromil, em Paredes. "Estamos a falar de concentrações que ultrapassam em 30 a 40 vezes os limites recomendados pela OMS para consumo humano."

Infelizmente, os sistemas de monitorização estão obsoletos ou inexistem. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) admite que a cobertura de vigilância em zonas mineiras desactivadas é deficiente, por falta de recursos técnicos e humanos.

O que se está a fazer, e o que falta fazer

Em Aljustrel, a Câmara Municipal tem desenvolvido desde 2021 o projecto "Memórias da Terra", em colaboração com o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), com fundos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). O objectivo é mapear as galerias inativas e criar uma Rede de Espaços Mineiros de Interesse Cultural. Um primeiro levantamento identificou mais de 9 quilómetros de túneis passíveis de reabilitação.

Contudo, este é ainda um caso isolado. O arqueólogo industrial Manuel Dinis sublinha que “Portugal precisa urgentemente de um inventário nacional e de um programa de salvaguarda com base legal. Sem isso, vamos continuar a perder pedaços da nossa história no silêncio do subsolo.”

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Olhar para baixo, para não esquecermos o que esteve por cima

O património subterrâneo não é apenas um conjunto de túneis. É memória viva da engenharia portuguesa, do labor dos nossos avós e da riqueza que moldou regiões inteiras. Enquanto se debate a falta de habitação, desertificação do interior e revitalização económica, ignora-se uma peça chave do puzzle.

Portugal tem de decidir: vai deixar ruir o que construiu com tanto sacrifício, ou vai finalmente iluminar o que, por enquanto, está na sombra?