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Ensino Doméstico em Portugal: Famílias Que Teimam Num Braço de Ferro Com a Lei de Portugal

Apesar das restrições legais, um número crescente de pais em Portugal desafia o sistema educativo estatal e opta por ensinar os filhos em casa, longe das salas de aula.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
9 Minutos
2025-05-23 08:32:00
Ensino Doméstico em Portugal: Famílias Que Teimam Num Braço de Ferro Com a Lei de Portugal

O outro lado da escola: Famílias portuguesas que ensinam em casa, fora da lei

No recanto tranquilo de Penamacor, em pleno distrito de Castelo Branco, onde a serra molda o horizonte e a calma do interior ainda dita o ritmo dos dias, Joana Ladeira transformou a sua casa num centro de aprendizagem para os filhos. Aos 37 anos, ex-professora de Inglês num agrupamento de escolas de Covilhã, Joana tomou uma decisão que muitos ainda consideram radical: retirou os filhos do ensino formal e passou a educá-los em casa.

"Durante anos fui vítima da burocracia, da falta de recursos, das turmas sobrelotadas. Os meus alunos mal tinham tempo para pensar. E vi os meus filhos a passarem pelo mesmo", desabafa Joana, enquanto mostra um manual de ciências naturais adaptado ao jardim da sua propriedade, onde as crianças estudam as plantas locais.

O caso de Joana não é único, embora ainda seja raro. Em Portugal, o chamado ensino doméstico é legal, mas carregado de exigências. Requer inscrição numa escola-pólo, apresentação de relatórios, provas anuais obrigatórias, e total alinhamento com os currículos do Ministério da Educação. Para pais como Joana, trata-se de um modelo que permite pouco espaço para pedagogias alternativas ou para a personalização do ensino à medida da criança.

Apesar disso, o número de famílias interessadas nesta via tem vindo a crescer. Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), o número de estudantes inscritos legalmente no ensino doméstico passou de 317 em 2019/2020 para 780 em 2022/2023. Mas para além destes, existe uma franja não oficializada.

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O projecto Raízes Livres, com sede em Viseu, acompanha famílias que educam os filhos fora do sistema. Estimam que haja, actualmente, mais de 150 famílias a praticar homeschooling "não declarado" em Portugal. Nomes como Alto Minho, Sabugal, Redondo e Montalegre surgem com frequência entre os locais onde estas comunidades se instalam, não só pelo custo de vida mais baixo, mas também pelo anonimato e pela tolerância das populações locais.

"Aqui ninguém nos incomoda. A minha filha tem sete anos e já lê fluentemente. Brinca com os vizinhos, ajuda na horta e aprende ao seu ritmo. O que mais podíamos querer?", conta Pedro Martins, 42 anos, residente em Videmonte (Guarda), que deixou um cargo de gestão em Lisboa para criar os filhos junto da natureza.

O Ministério da Educação, contudo, mantém uma posição cautelosa. Num comunicado de Novembro de 2023, sublinhou que "o cumprimento dos planos curriculares é essencial para garantir igualdade de acesso ao conhecimento e à mobilidade educativa". Entidades como a Associação Nacional de Professores (ANP) alertam para o risco de desagregação pedagógica e isolamento social das crianças que crescem sem contacto regular com pares.

Mas o contra-argumento está a ganhar terreno. Ana Margarida Oliveira, do Porto, viu o filho mais velho superar uma ansiedade escolar crónica depois de seis meses fora da escola. "Ele não dormia, vomitava antes de cada aula. Agora organiza o seu próprio horário, estuda ciências com documentários e participa em feiras locais como expositor de projetos científicos", afirma.

Muitas destas famílias organizam-se em redes informais. No Alentejo, o colectivo "Educar na Liberdade" junta semanalmente cerca de 20 crianças em Montemor-o-Novo para actividades conjuntas, desde jardinagem a expressão dramática. Em Viana do Castelo, o "Grupo de Aprendizagem Raiana" reúne mães e pais que trocam materiais, partilham tarefas e organizam saídas culturais.

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Do lado da investigação, a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra lidera um estudo longitudinal sobre o impacto da educação em casa. A professora Mariana Santos, responsável pelo projecto, aponta para resultados preliminares que desafiam preconceitos. "Não só não há indícios de atraso cognitivo, como se regista um vínculo familiar mais forte e maior autonomia nas crianças acompanhadas", afirma.

Ainda assim, falta enquadramento legal mais claro. O actual regime de ensino doméstico, criado em 1949 e revisto em 2012, não contempla as novas realidades pedagógicas, nem protege as famílias que optam por modelos alternativos com convicção, e não por fuga.

Os especialistas insistem: é urgente o debate público. "Não se trata de defender ou condenar, mas de perceber que há um movimento em crescimento que reflecte uma desconfiança crescente na escola tal como ela está estruturada", considera José Carlos Almeida, pedagogo e fundador da plataforma Escola Viva.

O que está em jogo, afinal, é o direito a escolher. Como em tempos se escolheu entre liceu e escola técnica, ou entre ensino público e privado, também hoje a educação em casa pode ser parte desse leque. E num país onde o insucesso escolar continua a afectar 14% dos alunos até ao 3.º ciclo (dados da OCDE, 2023), talvez valha a pena escutar quem ousa fazer diferente.