No coração do distrito de Castelo Branco, na freguesia de Salgueiro, concelho do Fundão, resiste uma pequena escola onde apenas três crianças ocupam as cadeiras de madeira envernizada, alinhadas diante de um quadro de ardósia que viu passar várias gerações. A Escola Básica de Salgueiro é hoje o símbolo silencioso de um país que encolhe pelo interior. Com o encerramento agendado para Março de 2024, esta escola junta-se a uma longa lista de estabelecimentos de ensino rural que desapareceram nas últimas duas décadas.
Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), mais de 5.200 escolas do 1.º ciclo encerraram em Portugal entre 2000 e 2020, sendo que a maioria estava localizada em freguesias com menos de 500 habitantes. Um estudo promovido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), divulgado em 2023, revela que 40% das escolas do continente têm menos de 15 alunos. A percentagem agrava-se no 3.º ciclo, particularmente em distritos como Guarda, Bragança e Portalegre, onde o fenómeno do envelhecimento e da migração interna se acentua.
Na sala de aula da professora Susana Infante, o silêncio é quebrado apenas pelo som das folhas de papel a serem viradas. "Se fossem agora para aquelas turmas de 25 ou 26 alunos, iam ficar como um peixinho fora de água", diz, com um olhar preocupado. A relação próxima entre docente e aluno, tão valorizada nas zonas de baixa densidade, contrasta com a realidade das grandes escolas urbanas, onde a atenção personalizada se torna um luxo.
As escolas rurais não são apenas lugares de aprendizagem formal — são, em muitos casos, o último serviço público a funcionar nas aldeias. Em localidades como Vale de Prazeres, em Idanha-a-Nova, ou em Gralhas, no concelho de Montalegre, a escola é o único ponto de encontro intergeracional e comunitário. O seu encerramento representa não apenas a perda de acesso à educação básica, mas também a fragmentação da vida social local.
Para os pais, como Ana Rita Lourenço, residente em Meimoa, Penamacor, a escola próxima foi o fator determinante para não abandonar a aldeia. "Enquanto houver escola, há esperança. Mal a fechem, não sei como vamos fazer com os miúdos... andar 40 quilómetros por dia não é vida para ninguém".
O impacto na aprendizagem é igualmente preocupante. De acordo com um inquérito realizado pelo Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho, crianças deslocadas para agrupamentos escolares a mais de 15 km de casa demonstraram uma redução média de 15% no aproveitamento nas disciplinas nucleares durante os dois primeiros anos de adaptação.
Perante este cenário, surgem soluções pontuais, mas insuficientes. O Projecto "Escolas Vivas no Interior", promovido pela Associação Terras Dentro em parceria com a CIM do Alentejo Central, tenta revitalizar unidades escolares ameaçadas, envolvendo a comunidade local na sua gestão e programação extracurricular. No entanto, a falta de investimento sistemático e de vontade política tem travado a expansão destas iniciativas.
O ensino multietário, já praticado em escolas da Serra do Açor, tem demonstrado ser uma alternativa viável, mas exige formação especializada e apoio continuado aos docentes. A aposta no ensino híbrido (presencial e à distância), defendida pelo Instituto Politécnico de Bragança, poderá aliviar algumas pressões logísticas, mas não substitui o valor do convívio presencial, sobretudo nos primeiros anos.
É imperativo que o Ministério da Educação, em articulação com as autarquias e a sociedade civil, reconheça que manter uma escola aberta num meio rural é mais do que uma despesa orçamental — é um investimento em coesão territorial, dignidade social e futuro demográfico. As escolas como a do Salgueiro não são relíquias do passado: são baluartes vivos de um país que ainda pode escolher entre o abandono e a regeneração.