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O Último Adeus a Preço de Saldo? Funerárias Low-Cost Crescem e Levantam Questões Séria sobre Regulação e Dignidade

Com preços muito abaixo do mercado e serviços simplificados, funerárias low-cost multiplicam-se em Portugal, mas geram preocupações éticas, legais e familiares em momentos de vulnerabilidade.

Mariana Duarte Coelho Mariana Duarte Coelho Jornalista de Viagens, Lifestyle, Entretenimento e Esportes | Porttugal
6 Minutos
2025-05-20 09:30:00
O Último Adeus a Preço de Saldo? Funerárias Low-Cost Crescem e Levantam Questões Séria sobre Regulação e Dignidade

O negócio do último adeus: funerárias low-cost em expansão silenciosa

Nos últimos cinco anos, Portugal tem assistido a uma silenciosa mas acelerada transformação no sector funerário. O surgimento e proliferação de funerárias low-cost, com preços a partir dos 600 euros, está a atrair famílias em dificuldades económicas, mas também a levantar sérias questões sobre a dignidade das cerimónias, a qualidade dos serviços e a ausência de uma fiscalização efectiva.

Em Setúbal, Braga, Loures e Almada, onde os rendimentos familiares estão entre os mais baixos do país, estas empresas têm conquistado mercado ao oferecerem "pacotes económicos" que incluem o essencial: urna simples, transporte, certificado de óbito e sepultura. Mas muitas vezes à custa de ausência de cerimónias religiosas, salas de velório ou mesmo acompanhamento profissional adequado.

Preços baixos, alto custo emocional

"Senti que o meu pai foi enterrado como um número, não como um ser humano com uma história", conta Emília Gouveia, moradora em Rio Tinto, que recorreu a um serviço fúnebre low-cost após a morte repentina do pai. "Disseram-me que não havia tempo para velório porque tinham outros corpos para transportar."

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Segundo dados da Associação Portuguesa das Empresas de Agentes Funerários (APEAF), o número de empresas funerárias low-cost duplicou entre 2019 e 2023, sendo muitas vezes geridas por empreendedores sem qualquer formação especializada no sector. Em alguns casos, os serviços são subcontratados a outras empresas, sem critérios definidos nem responsabilidade legal clara.

A situação levou o Departamento de Ciências Sociais da Universidade da Beira Interior a iniciar um estudo sociológico, em curso desde 2022, sobre os impactos da precarização dos rituais fúnebres. Segundo a professora Helena Lousada, coordenadora do projecto, "estamos perante uma tendência preocupante de desumanização do momento final da vida, que afecta profundamente o luto familiar".

Regulação desactualizada e fiscalização inexistente

A legislação que regula o sector funerário em Portugal data de 1990, com pequenos ajustes posteriores, mas não acompanha o actual mercado de serviços fúnebres. A Direcção-Geral das Actividades Económicas (DGAE) admite que "não tem meios humanos nem logísticos" para fiscalizar todas as empresas do sector.

O bastonário da Ordem dos Advogados, Fernanda de Oliveira, alerta para a ausência de um quadro legal moderno que proteja os consumidores em momentos de fragilidade emocional. "Temos conhecimento de contratos ambíguos, valores escondidos e famílias coagidas a aceitar condições que, numa outra circunstância, jamais aceitariam".

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A APEAF defende uma reforma urgente da legislação e propõe a criação de um registo nacional de empresas funerárias com certificação obrigatória e formação mínima para os profissionais envolvidos. "Estamos a falar do último acto da vida de uma pessoa. Não pode ser tratado como uma encomenda de supermercado", afirma o presidente da Associação, Joaquim Moura.

A dignidade não devia ser opcional

Em muitas localidades do interior, como Macedo de Cavaleiros ou Mértola, a única opção viável é recorrer a estas empresas económicas, o que está a alterar profundamente os rituais tradicionais de despedida. Paróquias relatam uma quebra acentuada nos pedidos de missas fúrebres e os cemiteiros reportam aumento de sepultamentos com mínima presença familiar.

No entanto, algumas câmaras municipais, como a de Torres Vedras, começaram a estudar modelos de apoio a funerais sociais que garantam um mínimo de dignidade, mesmo em situações de carência económica.

"Não se trata de ser luxuoso ou dispendioso, mas de respeitar o luto e o valor simbólico da despedida. Estamos a desvalorizar algo profundamente humano", conclui a antropóloga Margarida Rosado, do ISCTE.

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