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Fé de Portas Fechadas: O Despovoamento Que Deixa as Igrejas do Interior 'Às Moscas'

Com centenas de templos encerrados ou sem padres residentes, o património religioso enfrenta abandono e reinvenção. Histórias de aldeias, padres e fieis que assistem à lenta transformação da fé em memória.

Mariana Duarte Coelho Mariana Duarte Coelho Jornalista de Viagens, Lifestyle, Entretenimento e Esportes | Porttugal
7 Minutos
2025-05-27 09:34:00
Fé de Portas Fechadas: O Despovoamento Que Deixa as Igrejas do Interior 'Às Moscas'

Igrejas Vazias, Comunidades Silenciadas

Numa curva tranquila entre os montes frios de Trás-os-Montes, em pleno concelho de Vinhais, a pequena aldeia de Vale das Fontes viu fechar, em 2017, a sua Igreja de São Miguel. De granito antigo, como tantas outras no interior profundo de Portugal, a igreja está agora envolta por silvas que sobem pelas paredes, os vitrais estão partidos, e as portas, outrora abertas a todos, já apodrecem. Quem por lá passa, como D. Rosalina Ferreira, de 84 anos, leva no bolso uma chave gasta. “É como se fosse da família. Cresci aqui, fui baptizada aqui, casei aqui. E não deixo que se perca sem luta.”

Não se trata de um caso raro. Segundo um levantamento feito em 2023 pelo Observatório do Património Religioso da Universidade Católica Portuguesa, mais de 1.250 igrejas paroquiais encontram-se, neste momento, sem actividade litúrgica regular. Algumas mantêm-se abertas apenas para ocasional celebração de funerais, outras já nem isso. Distritos como Beja, Portalegre, Guarda ou Bragança são os mais afectados, num país onde o envelhecimento da população e o despovoamento do interior estão a redesenhar o mapa da fé e da prática religiosa.

A diocese de Bragança-Miranda, por exemplo, confirmou à Deep Report News que mais de 60 igrejas nas suas paróquias estão sem celebrações dominicais há mais de dois anos. Em algumas aldeias, como Quintanilha ou Parada, os últimos fiéis reúzem-se apenas em dias santos, como o Corpo de Deus ou a Páscoa.

Padres em Extinção, Fé em Resistência

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É uma realidade que desafia não só a estrutura da Igreja, mas também o imaginário cultural dos portugueses. O padre João Barros, da diocese de Vila Real, percorre semanalmente mais de 200 km pelas curvas e contra-curvas do concelho de Alijó, celebrando missas em cinco comunidades diferentes. "Há locais onde vou apenas no Natal ou na Páscoa. Não por falta de vontade, mas por pura impossibilidade logística."

Este tipo de situação tem gerado soluções comunitárias inusitadas. Em Louçaã, no concelho de Penela, um grupo de fiéis organiza semanalmente momentos de oração com recurso a gravações do Vaticano e leituras da Liturgia das Horas. “É o que nos resta, não podemos deixar que o silêncio tome conta de tudo”, afirma Maria da Luz Peixoto, antiga catequista da aldeia.

Património ao Abandono: Quando a Pedra Perde a Voz

A Universidade do Minho, através do Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo, publicou em 2022 um estudo que aponta para a degradação acelerada de 18% das igrejas inventariadas entre 2010 e 2020, sobretudo nas regiões do Alto Alentejo e do Douro Interior. Entre os factores identificados estão a falta de uso regular, o abandono de rituais comunitários e a ausência de financiamento para manutenção.

Em Reguengos de Monsaraz, a Associação Cultural MonsarArte tem procurado dar novo fôlego a templos fechados. Em 2021, com apoio da Direcção-Geral do Património Cultural e da Câmara Municipal, reabilitaram a Capela de Santa Marta, transformando-a num pequeno centro cultural. “Não queremos apagar a memória religiosa, mas fazer dela ponto de partida para novas formas de encontro”, diz Ana Mocho, coordenadora do projecto.

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Reinventar com Cuidado

A reabilitação dos espaços sagrados tem vindo a gerar debate, especialmente quando não é feita com o devido respeito simbólico. Em Arcos de Valdevez, a antiga Igreja de São Bento foi adaptada para biblioteca municipal, numa intervenção premiada com distinção do Prémio Nacional de Reabilitação Urbana em 2022. O projecto conservou os frescos do tecto, o altar barroco e parte do mobiliário litúrgico, agora convertido em mobiliário de leitura.

Contrastando, em Castro Verde, a população manifestou-se contra a transformação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição num auditório. "Aqui rezaram os nossos pais e avôs. Agora querem fazer dela sala de cinema?", questionava em voz alta Sr. Joaquim Lameiras, durante um protesto local registado pelo jornal A Planície.

A Conferência Episcopal Portuguesa, em nota pastoral de 2020, apelou a que qualquer intervenção em património eclesiástico "respeite o carácter sagrado dos lugares e envolva as comunidades locais no processo de decisão".

O Peso do Tempo e a Urgência do Futuro

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Se não se actuar com celeridade, muitos destes edifícios poderão tornar-se irreparáveis. Segundo dados da Direcção-Geral do Património Cultural, mais de 300 igrejas estão em risco de ruína parcial ou total nos próximos dez anos.

É por isso que projectos como o "Rotas do Sagrado", promovido pela Universidade de Évora em parceria com os municípios do Alto Alentejo, procuram mapear e valorizar estes espaços, não apenas enquanto património religioso, mas também como lugares de memória e identidade.

A questão central é esta: o que significa perder uma igreja numa aldeia onde já tudo falta? Não é apenas a perda de um edifício. É a perda de um ponto de referência emocional, de um lugar de encontro, de partilha e de rito. É o deslaçar de um fio invisível que une gerações.

Portugal está cheio de igrejas silenciosas. Mas o silêncio não pode ser sinónimo de abandono.

A Deep Report News acompanhará, tijolo a tijolo, as histórias que sobrevivem entre paredes que, mesmo frias e vazias, ainda têm muito por dizer.

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