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Pais de Semana: Famílias Portuguesas Separadas Pelo Trabalho e Pela Economia

Em Portugal, milhares de pais só veem os filhos ao fim de semana devido a condições laborais. Uma realidade silenciosa que afecta crianças, relações familiares e equilíbrio emocional.

Mariana Duarte Coelho Mariana Duarte Coelho Jornalista de Viagens, Lifestyle, Entretenimento e Esportes | Porttugal
7 Minutos
2025-05-14 14:35:00
Pais de Semana: Famílias Portuguesas Separadas Pelo Trabalho e Pela Economia

"Pai, até segunda": o novo normal para muitas famílias portuguesas

Na estação ferroviária de Valongo, ao cair da tarde de uma segunda-feira chuvosa, Joana, com apenas 8 anos, aperta com força a mochila cor-de-rosa e os olhos do pai. "Não chores, filha. Domingo já estou de volta", diz-lhe Rui Teixeira, 41 anos, natural de Bragança. Rui trabalha numa unidade hoteleira no Parque das Nações, em Lisboa, e só regressa a casa ao fim de semana. Durante a semana, é apenas um pai por videochamada, entre o jantar no refeitório e o turno da noite.

Este é um retrato que se multiplica de norte a sul do país. Não se trata de pais separados por desentendimentos conjugais, mas sim por um modelo económico que empurra milhares de trabalhadores para longe dos seus lares. Segundo um estudo recente do Instituto de Políticas Públicas da Universidade do Porto, estima-se que mais de 35 mil famílias portuguesas estejam a viver em regime de "parentalidade intermitente" por razões laborais. Um dado que supera largamente os 18 mil casos de guarda alternada registados oficialmente, revelando um fenómeno encoberto pelas estatísticas tradicionais.

Em Viseu, encontramos Sofia Marques, 38 anos, enfermeira hospitalar, e mãe de dois rapazes com 6 e 9 anos. Vive com os filhos em Évora, mas o marido, Paulo, engenheiro civil, trabalha numa empreitada em Albufeira há quase um ano. "Vivemos por chamadas de vídeo. Durante a semana sou mãe e pai. Ao fim de semana, ele tenta compensar tudo, mas não é igual", diz, com os olhos encostados ao vazio do corredor da escola dos filhos.

A psicóloga infantil Clara Bastos, docente convidada na Universidade de Coimbra, tem acompanhado crianças nestas circunstâncias: "Há casos em que os meninos desenvolvem ansiedade de separação, outros ficam revoltados, mas o mais comum é crescerem com um sentimento de ausência afectiva que se normaliza, o que é preocupante". Clara colabora com o Projecto LIG@TE, uma iniciativa do Instituto de Apoio à Criança em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que procura acompanhar famílias em situação de vulnerabilidade emocional.

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Este distanciamento familiar também deixa marcas nos adultos. Ricardo Ferreira, de 52 anos, camionista residente em Chaves, trabalha com uma empresa de transportes em Espanha. "Durante a semana, durmo em parques de serviço. Ao domingo à noite sou sempre eu a sair da mesa do jantar mais cedo. Chega uma altura em que já não sabes se pertences mais à casa ou à estrada", conta.

Joaquim Lemos, socólogo da Universidade do Minho, alerta para o agravamento da tendência: "Com o custo da habitação em Lisboa e Porto a subir 14% só no último ano, muitas famílias vêm-se obrigadas a viver em zonas mais acessíveis como Santarém ou Vila Real, mantendo o trabalho nos grandes centros. Esta mobilidade imposta não é sinal de progresso, é sintoma de uma economia desigual."

A Câmara Municipal de Paredes, através do seu Agrupamento de Escolas de Lordelo, lançou um programa-piloto em 2023, que visa apoiar crianças cujos pais vivem em regime de mobilidade semanal. Ana Varela, diretora do agrupamento, refere que "não são apenas filhos de emigrantes que precisam de apoio emocional. Também temos crianças cujos pais trabalham em Faro e só vão a casa ao fim de semana."

A solução? Ainda incerta. Políticas públicas de apoio à mobilidade familiar, incentivos fiscais para trabalhadores deslocados e, sobretudo, investimento em emprego qualificado no interior do país. Como nota a economista Sérgia Costa, do Observatório das Desigualdades, "não podemos continuar a falar de coesão territorial se fechamos escolas, centros de saúde e tribunais em zonas onde ainda há vida."

Para Rui Teixeira, voltar para Bragança durante a semana ainda é um sonho distante. "Gosto do que faço, mas gostava mais de ver a minha filha adormecer todos os dias."

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