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Regresso Amargo a Portugal: A Desilusão Bateu à Porta de Quem Veio de Fora

Promessas de melhores condições de vida e reencontro com as raízes levaram milhares de portugueses a regressar. Contudo, a realidade revelou-se bem diferente para muitos, marcando uma nova vaga de desilusão e reemigração.

Mariana Duarte Coelho Mariana Duarte Coelho Jornalista de Viagens, Lifestyle, Entretenimento e Esportes | Porttugal
6 Minutos
2025-06-05 13:25:00
Regresso Amargo a Portugal: A Desilusão Bateu à Porta de Quem Veio de Fora

O Regresso que se Tornou Desilusão

Voltar a casa devia ser motivo de celebração. Mas para muitos portugueses que regressaram ao país nos últimos anos, o retorno revelou-se uma travessia amarga, marcada por desilusão, obstáculos e, por vezes, arrependimento.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2019, 16.506 portugueses decidiram regressar à sua terra natal, um número que representa o pico da última década. Contudo, por trás desses números, escondem-se histórias de vidas reconfiguradas, sonhos colapsados e expectativas goradas. A tendência manteve-se nos anos seguintes, com um aumento significativo durante a pandemia de COVID-19, quando milhares regressaram por perda de emprego, encerramento de fronteiras ou razões familiares.

Foi o caso de Ana Faria, de 34 anos, natural de Guimarães, e do seu marido Rui, de 36, que viveram sete anos na cidade de Marly, no cantão de Friburgo, na Suíça. "Sentíamos que já não fazia sentido continuar fora. Queríamos estar perto da família, oferecer um futuro mais português aos nossos filhos", conta Ana. Ela era professora de educação física numa escola privada e Rui trabalhava num ateliê de carpintaria. A decisão foi ponderada, mas a adaptação em Portugal não foi como imaginaram. Ana passou dois anos desempregada. Rui conseguiu emprego numa pequena empresa de construção civil em Fafe, mas com um salário inferior ao que recebia no estrangeiro. “A verdade é que não esperávamos encontrar tudo igual ao que deixámos, mas também não pensávamos que ia ser tão difícil. Foi um choque”, desabafa Ana.

A história de Ludgero Afonso, 41 anos, natural de Castrelos, em Bragança, reforça esse retrato. Viveu mais de dez anos na Suíça como torneiro mecânico. Em 2021, decidiu regressar e investir as poupanças num stand de automóveis em Mirandela. "Achei que fazia sentido apostar no que conhecia. Conhecia carros, conhecia o povo. Mas a burocracia... ninguém nos prepara para isto." Entre licenças camarárias, impostos municipais e exigências da ASAE, Ludgero viu o seu negócio atrasar-se oito meses, consumindo grande parte da verba que tinha amealhado. Hoje, com dificuldades em manter o negócio sustentável, pondera voltar à Suíça.

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E há Joana Martins, enfermeira que viveu em Leicester, no Reino Unido, durante seis anos. Quando regressou a Évora em 2022, pensava poder integrar-se facilmente no SNS. "Esperei sete meses por colocação. Acabei por ir trabalhar para uma clínica privada com um contrato a termo incerto. Não é o que esperava." Joana também refere a falta de reconhecimento da experiência profissional adquirida no estrangeiro: "Lá fora, tratavam-me como profissional valorizada. Cá, parece que regredi na carreira."

Estes não são casos isolados. Em estudo realizado pelo Observatório das Migrações em parceria com o ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, 38% dos emigrantes regressados afirmam ter encontrado "muitos mais obstáculos do que imaginavam". Os principais entraves são burocráticos (licenças, reconhecimento de diplomas), dificuldades no acesso ao mercado de trabalho, e a discrepância entre o custo de vida atual e os salários pagos. Além disso, 45% referem sentir-se desapoiados pelas instituições locais, apontando uma ausência clara de articulação entre ministérios, câmaras municipais e organizações de reintegração.

Apesar de algumas autarquias tentarem colmatar este vazio com programas locais, como o "Regressar à Terra", promovido pela Câmara Municipal do Fundão, ou o "+ Interior", da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, os beneficiários apontam dificuldades no acesso, falta de acompanhamento e apoio técnico insuficiente.

O Governo lançou em 2019 o Programa Regressar, coordenado pelo Alto Comissariado para as Migrações, com um conjunto de medidas que incluem apoios financeiros, isenções fiscais e acesso facilitado a serviços. No entanto, os relatórios da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) apontam que apenas 18% dos potenciais beneficiários acederam ao programa. Muitos emigrantes referem falta de informação nos consulados e dificuldade em compreender os requisitos legais.

"Há uma ideia romântica do regresso, mas a realidade é dura. Portugal tem de criar condições para que o regresso não seja uma punição mas uma escolha digna", afirma Maria Lúcia Reis, socóloga e investigadora do CIES-IUL. Segundo a especialista, é urgente pensar o regresso como uma estratégia nacional de repovoamento e requalificação do território, com planos integrados por distrito.

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Face à frustração, muitos acabam por reemigrar. Em 2022, mais de 4.800 portugueses que haviam regressado voltaram a sair do país, segundo dados do SEF. A tendência repete-se em 2023, com crescimento notável entre os 30 e os 45 anos. É um ciclo que repete a história de um país que ainda não soube acolher os seus de volta, criando uma geração nómada, flutuante entre pertença e sobrevivência.

No centro desta crise está uma questão estrutural: o que significa realmente regressar? Trata-se apenas de voltar ao solo onde se nasceu, ou de encontrar um país que também tenha evoluído, preparado para acolher quem regressa com experiências globais e expectativas concretas?

Portugal continua a precisar dos seus emigrantes. São eles que trazem experiência, capital, novas formas de pensar e um profundo amor pelo país. Mas para que fiquem, é preciso mais do que boas-vindas. É preciso estrutura. É preciso dignidade. É preciso um país que saiba recebê-los como merecem.