Um movimento que brota bem para lá dos grandes centros urbanos
É curioso reparar como, nos últimos cinco anos, o skate deixou de ser apenas apanágio dos grandes centros e ganhou vida própria no interior de Portugal. Em locais como Fafe, Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, cada canto de rua, cada corrimão de jardim e cada parede abananeada de edifícios em fim de vida se transformam em palco para miúdos e graúdos trilharem manobras radicais. Aqui, o desporto de prancha não é só lazer: é um catalisador de mudança social.
A Federação de Patinagem de Portugal (FPP) não tem ficado de braços cruzados. Desde 2020, já apoiou mais de 120 registos de clubes no interior, oferecendo formação gratuita a cerca de 450 jovens praticantes e assegurando uma cobertura de seguro desportivo até 10 000 € para doença, acidente ou mesmo repatriamento, caso haja necessidade — um alívio para pais e encarregados de educação que, muitas vezes, veem nesta modalidade uma alternativa à ociosidade.
Das praças reinventadas aos parques modulares
Em Fafe, distrito de Braga, a Câmara Municipal investiu 150 mil euros na requalificação do Parque da Cidade em 2023, instalando cinco rampas, um funbox e um quarter pipe. Antes, aquele espaço era apenas uma zona verde pouco frequentada; hoje, atrai cerca de 300 praticantes por mês, de acordo com a associação local “Skate Fafe”.
Mais a Norte, em Arcos de Valdevez, a empresa Skatebuild Lda. ergueu um skate park metálico financiado pelo programa LEADER+ da União Europeia: funbox, spine e mini-ramp que receberam, no primeiro semestre de 2024, mais de 1 200 visitas de skaters amadores e profissionais — alguns vindos de Espanha voando pela autoestrada A3, ao fim de semana.
Ponte da Barca prepara-se para juntar ao cartaz mais uma atração: a inauguração da nova pista, no próximo dia 15 de Dezembro, com 80 mil euros de orçamento, que promete acolher competições regionais de street style e bowl. A Câmara local, em parceria com o IPDJ e o Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca, lançou um programa municipal de treino gratuito que já inscreveu 60 adolescentes.
A alma comunitária por trás das manobras
Quem visita o skate park de Cabeceiras de Basto, no distrito de Braga, encontra muito mais do que betão moldado. Ali nasceu, em 2022, o “Basto Skate Crew”, um grupo informal de 25 elementos com idades dos 12 aos 35 anos. São eles que, semanalmente, limpam e pintam as rampas, organizam workshops de construção de obstáculos em madeira e até promovem sessões de primeiros socorros em parceria com a Cruz Vermelha local.
“É impressionante ver miúdos de 10 anos a aprender gravity flip com skaters de 30 anos, com um espírito de camaradagem que não se vê noutras modalidades”, conta ao DeepReportNews o Tiago Pereira, fundador do Crew e estudante de Gestão Desportiva no Instituto Politécnico de Bragança. Para muitos, este convívio tem sido o antídoto ao isolamento que se sente nas aldeias, sobretudo em tempos de pandemia.
Impacto económico e cultural
Para além da vertente social, o boom do skate tem trazido benefícios económicos surpreendentes. Em Quinchães, concelho de Guimarães, abriu em 2024 a loja local “Board & Roll”, especializada em equipamento e peças de skate, empregando três jovens da terra. O café “Drop In”, mesmo em frente ao skate park, estima um aumento de 25% no movimento aos fins de semana desde que começou a patrocinar torneios amadores.
Desafios que persistem e perspetivas animadoras
Nem tudo é rampa abaixo. A manutenção dos equipamentos esbarra muitas vezes em orçamentos camarários reduzidos: algumas câmaras dispõem de apenas 5 mil euros anuais para reparações. A falta de instrutores certificados no interior profundo obriga clubes como o de Vila Real a deslocar treinadores vindos do Porto ou Lisboa, o que aumenta os custos. E o IPDJ, embora apoie iniciativas pontuais, ainda não tem um programa estruturado de skate no desporto escolar.
Ainda assim, há sinais prometedores. Em 2025, o Agrupamento de Escolas de Vila Real vai lançar uma disciplina extracurricular de skate, com o apoio do Município e do Instituto Politécnico de Bragança, onde já existem dois projetos de investigação sobre biomecânica das manobras. A Federação de Patinagem de Portugal anunciou, em maio, um plano para promover campeonatos distritais anuais em cada distrito do Norte e Centro, com prémios que podem ir até 5 000 € em material desportivo.
A perspetiva de quem vive este movimento
Para a Maria do Carmo, de 68 anos, que vive em Mondim de Basto, o ruído dos skates à porta era inicialmente motivo de queixa. Porém, hoje já não concebe a vila sem o borburinho de manobras e aplausos. “Antes, só se ouvia o silêncio das casas vazias. Agora, sinto a vida a pulsar outra vez.”
Já o José Freitas, 17 anos, natural de Arcos de Valdevez, sonha com uma bolsa de estudo desportivo: “Se tivesse uma pista decente em Lisboa concorria a provas nacionais, mas aqui cresci a fazer ollie em rampas de madeira. Este ano vou tentar o Campeonato Nacional de Street.”
Continuar a investir em infraestruturas, formar técnicos locais e integrar o skate no desporto escolar são passos fundamentais para que, em breve, estes parques não sejam apenas excepções, mas o standard do desporto urbano em todo o território nacional.