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A solidão invisível de milhares de portugueses que vivem sem parceira ou filhos após os 40

Está a crescer em Portugal uma geração de homens solteiros com mais de 40 anos que nunca casaram nem tiveram filhos. A sua história permanece esquecida nas estatísticas e ignorada no debate público.

Mariana Duarte Coelho Mariana Duarte Coelho Jornalista de Viagens, Lifestyle, Entretenimento e Esportes | Porttugal
9 Minutos
2025-05-15 14:30:00
A solidão invisível de milhares de portugueses que vivem sem parceira ou filhos após os 40

O Silêncio dos Homens: A geração que vive sem deixar rasto familiar

Num T2 modesto na freguesia de Benfica, em Lisboa, vive José Manuel Duarte, 47 anos, empregado dos CTT, reformado por invalidez. Vive sozinho desde os 25. "Nunca foi por opção. Primeiro era o trabalho, depois as contas, depois a falta de sorte. E agora... olha, agora já não sei se saberia dividir a vida com outra pessoa."

José não é caso único, nem raro. Em Portugal, segurança social e demografia começam a cruzar-se com um novo tipo de invisibilidade: homens solteiros, entre os 40 e os 60 anos, sem filhos, sem rede de apoio, sem quem os ampare no tempo do corpo cansado. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2021, havia mais de 340 mil homens a viver sós no país. Destes, estima-se que perto de 38% nunca tenham tido filhos nem vivido em união de facto ou casamento.

Este fenómeno manifesta-se de forma mais evidente em centros urbanos como Lisboa, Porto e Setúbal, onde a vida é cara e os laços são cada vez mais breves. Mas é no interior — em zonas como Vimioso, no distrito de Bragança, ou Moura, no Baixo Alentejo — que o impacto social se torna mais cru. A desertificação humana é uma ferida aberta, e os homens que ficaram tornaram-se rostos de um tempo que não volta.

Maria Eduarda Lopes, sociodemógrafa na Universidade do Minho, vem a estudar este grupo há mais de uma década. "São homens que foram ficando. A vida, para eles, foi sempre uma sucessão de pequenas adiações: o trabalho primeiro, a casa a seguir, a família... talvez depois. Mas o depois não chegou. E quando se deram conta, estavam sós, sem suporte e fora de qualquer mapa institucional."

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Em bairros populares como o de Campolide, em Lisboa, há pensões com quartos ocupados quase exclusivamente por homens com mais de 50 anos. Muitos deles vivem com reformas mínimas, sobrevivem com ajudas da Santa Casa ou dos Centros de Apoio Social Paroquial. Estão lá, todos os dias, nas filas dos refeitórios, com os mesmos casacos gastos, o mesmo olhar de quem já não espera muito.

A nova solidão portuguesa

António Silva, 55 anos, vive em Mértola. Foi militar da GNR durante 25 anos. Vive com três cães e dois gatos, os seus únicos companheiros. "Nunca tive filhos. A minha mãe faleceu há cinco anos, e o meu irmão emigrou para Badajoz. Fico por cá, com a horta, com a rádio ligada, com os vizinhos que ainda vão resistindo."

Apesar da evolução na educação e no acesso à informação, persiste, em muitos desses homens, uma fragilidade estrutural no campo das relações humanas. São fruto de uma geração onde ser homem era sinónimo de resistência emocional, de não precisar de ninguém, de calar em vez de falar.

Manuel Queirós, psicólogo clínico em Coimbra, vê semanalmente casos desse género. "Tive um paciente que não falava com outra pessoa fora do consultório havia mais de duas semanas. Era gerente de uma loja de ferragens, vivia só, e tudo o que tinha eram silências. A certa altura, ele perguntou: 'Se eu morrer aqui, quem é que vai saber?'"

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Um problema que se tornará estrutural

Para além da questão emocional, há uma urgência estrutural: o Estado terá de lidar com milhares de homens a envelhecer sem suporte familiar. O estudo "Cuidar de Quem Cuida", conduzido pelo CIES-Iscte em 2023, alerta que até 2045 o número de pessoas a envelhecer sem descendência nem redes informais poderá duplicar. E os homens estarão entre os mais vulneráveis.

Ao contrário das mulheres, cuja vida relacional tende a manter-se mais activa (com irmãs, vizinhas, netos), os homens isolam-se. Estudo recente da Direcção-Geral da Saúde revelou que, entre pessoas com mais de 60 anos que vivem sós, os homens têm três vezes mais probabilidade de desenvolver sintomas depressivos.

Nuno Ribeiro, coordenador do projecto "Homem com H", financiado pela Câmara Municipal do Porto e pelo Programa Bairros Saudáveis, defende que se fale disto de frente. "Não é vitimização. É constatação. Se não começarmos já a criar redes de apoio, programas de reabilitação emocional, oficinas de empatia, o problema tornar-se-á um rombo na estrutura da assistência social."

Nas palavras da jornalista Ana Freitas, autora do livro Homens Invisíveis: Uma Solidão Colectiva (Bertrand, 2022): "Estamos a formar uma sociedade onde parte significativa dos homens não ama, não cuida, não se liga. E o resultado disto vai chegar, mais cedo ou mais tarde, aos nossos hospitais, aos nossos lares, às nossas esquinas."

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Enquanto isso, José Manuel Duarte, em Benfica, passa as noites entre livros e silêncios. Não se queixa. "Já me habituei. Mas fazia falta que, pelo menos uma vez, alguém perguntasse como estou."