"Tenho medo que não haja planeta quando for adulta"
Em Vila Nova de Gaia, Maria, uma menina de 10 anos, recusa-se a jogar plástico no lixo comum e chora sempre que ouve notícias sobre incêndios ou derretimento de calotas polares. "Tenho medo que não haja planeta quando eu for adulta", diz, com os olhos humedecidos e voz entrecortada.
Maria não está sozinha. Em várias escolas básicas de Braga, Faro, Coimbra e Évora, psicólogos escolares relatam o crescimento de um tipo particular de ansiedade infantil ligada às alterações climáticas. O termo técnico é eco-ansiedade — uma preocupação crónica e, muitas vezes, debilitante, com relação ao futuro ambiental do planeta.
A psicóloga Ana Filipa Mendes, que trabalha com crianças entre os 8 e 14 anos em Leiria, afirma: "Nos últimos três anos, tenho visto um aumento claro de casos em que os miúdos relatam medo do futuro, crise climática e a ideia de que não vão viver tanto como os pais". Para ela, o aumento de acesso a conteúdos ambientais nas redes sociais, mesmo por crianças pequenas, está a ter um impacto emocional profundo.
Um fenômeno silencioso e pouco estudado em Portugal
Em Portugal, ainda são raros os estudos formais sobre eco-ansiedade em populações jovens. Contudo, um inquérito informal conduzido pela Universidade do Minho em 2023 junto de 400 alunos do 2.º e 3.º ciclos revelou que 61% dos entrevistados já se sentiram "tristes ou com medo" ao ver notícias sobre o clima. Entre os mais velhos, dos 15 aos 18 anos, o número sobe para 74%.
A professora Helena Barros, coordenadora do inquérito, salienta que muitos dos estudantes relatam sonhos angustiantes com inundações, fogo e desertos. "Há uma geração que não vê o futuro com os olhos que nós víamos há 30 anos. A esperança está a ser substituída pelo receio existencial."
Em Lisboa, o Centro de Psicologia do Desenvolvimento Integrado (CPDI) começou a incluir o tema ambiental nas suas avaliações clínicas de adolescentes. "Vemos sintomas como insónia, pensamentos obsessivos sobre catástrofes e um sentimento de impotência face à crise climática", explica Joana Costa, psicoterapeuta infantil.
Mas a eco-ansiedade não é apenas um sintoma negativo. Vários especialistas consideram que, quando bem orientada, esta angústia pode gerar consciência, responsabilidade e acção. "Transformar medo em acção é a chave", defende Miguel Ferreira, fundador do projecto ambiental Plantar o Amanhã, que actua em escolas de Aveiro e Viseu.
"Não queremos miúdos traumatizados com o futuro, mas também não queremos uma infância alienada do que se passa no planeta", afirma. "O que falta é educação emocional ligada ao ambiente."
A direcção-geral da Educação afirma estar a preparar novas orientações para integrar temas de sustentabilidade emocional nas aulas de cidadania, em colaboração com instituições como a Universidade de Lisboa e a Associação Portuguesa de Psicologia Ambiental.
Enquanto isso, em aldeias como Vilar de Besteiros (Tondela) ou Pias (Serpa), onde as escolas ainda têm hortas pedagógicas, professores relatam menor incidência de eco-ansiedade. "Eles aprendem que podem fazer algo. Vêm nascer uma flor, colher um tomate, cuidar de uma galinha. Isso dá sentido e tranquiliza", diz a professora Rosa Pinto.
Mas para muitas crianças urbanas, o futuro continua enevoado.