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Enterramentos Ecológicos em Portugal: A Alternativa Verde de Sepultamentos Sustentáveis Esbarram em Leis e Costumes

Urnas biodegradáveis, cemitérios florestais e rituais sustentáveis começam a ganhar adeptos em Portugal, mas a legislação e o conservadorismo social ainda travam o avanço de soluções fúnerarias ecológicas.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
7 Minutos
2025-05-10 17:56:00
Enterramentos Ecológicos em Portugal: A Alternativa Verde de Sepultamentos Sustentáveis Esbarram em Leis e Costumes

A morte verde que ainda é tabu: quando o último acto de um português quer ser um gesto de vida

Em pleno século XXI, numa altura em que se pondera cada gesto ambiental, muito pouco se reflecte sobre o impacto que deixamos após a última batida do coração. Enterrar um corpo em caixões envernizados, com metais pesados, ou cremar restos humanos em fornos que libertam toneladas de CO2 não parece ser, à primeira vista, um tema de conversa nas mesas de família. Mas devia ser.

Estima-se que, por cada cremação, sejam emitidos até 160 quilos de CO2 para a atmosfera. Multiplique-se esse número pelas cerca de 40 mil cremações anuais realizadas em Portugal, segundo dados da Associação Portuguesa de Empresas Lutuosas (APEL), e o resultado não é leve: mais de 6.400 toneladas de carbono lançadas todos os anos apenas por uma prática fúneraria.

Numa pequena localidade do distrito de Coimbra, Oliveira do Hospital, está a nascer uma ideia com sabor a terra e futuro: um cemitério florestal, criado por um grupo de jovens da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, que junta arquitectos paisagistas e antropólogos. Inspiraram-se em projectos como o FriedWald na Alemanha ou o Bosque del Recuerdo na Catalunha, para proporem algo singular em solo nacional: sepulturas sem lápides, onde cada corpo daria lugar a uma árvore autóctone.

"Olhar a morte como regresso ao ciclo da vida é algo que se perdeu na modernidade. Mas está a regressar com força", diz Mariana Vale, investigadora em património funerário e uma das mentoras do projecto. "Está tudo por fazer em Portugal. Não temos cemitérios verdes regulados, não temos quadros legais que permitam esse tipo de sepultamento."

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Em Palmela, a empresa Verde Eterno está na linha da frente desta transformação. Criada em 2018, lançou no mercado português as primeiras urnas biodegradáveis certificadas, feitas de casca de arroz, papel reciclado, argila e resina vegetal. Cada urna pode incluir sementes de árvores nativas como o carvalho-cerquinho, o medronheiro ou o freixo.

João Lameiras, fundador da marca, recorda com emoção o caso de uma família de Sines que decidiu plantar um carvalho em memória da avó, falecida em 2022. "Tornaram aquele recanto num lugar de paz, onde vão no aniversário dela, regam a árvore, conversam. Criaram um ritual novo, sem lápides, sem flores artificiais, mas cheio de sentido."

Apesar do interesse crescente — a Verde Eterno já vendeu mais de 400 urnas em três anos —, os obstáculos legais continuam a ser o grande entrave. O Decreto-Lei n.º 411/98, que regula o regime jurídico dos cemitérios, não contempla ainda este tipo de solução. Segundo o jurista ambiental António Cunha, do Observatório de Direito do Ambiente da Universidade Nova de Lisboa, "urge rever esta legislação para permitir liberdade de escolha fúneraria, desde que em conformidade com princípios de saúde pública e ambientais".

O conservadorismo continua a pesar. A maioria das juntas de freguesia que gerem os cemitérios não está sensibilizada para este tipo de prática. Algumas, como é o caso de Loures, não excluem a possibilidade, mas admitem que não receberam, até hoje, qualquer pedido formal.

Em Arcos de Valdevez, a Junta de Freguesia de Soajo está a estudar, em colaboração com a associação Raízes do Futuro, um bosque memorial. A proposta, que será apresentada em Assembleia Municipal ainda este ano, visa criar um espaço de memória vívida, sem estruturas fúnerarias visíveis, onde cada árvore é um tributo.

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A Igreja Católica, por seu lado, tem mantido uma posição de prudência. Numa nota da Conferência Episcopal Portuguesa de 2021, refere-se que "não se opõe a inovações que respeitem a dignidade do corpo e o sentido espiritual da morte". É um sinal de abertura.

Se os números ainda são modestos, o potencial é imenso. Num país que regista cerca de 112 mil óbitos anuais, segundo o INE, estima-se que menos de 0,5% sigam um ritual ecológico ou alternativo. Ainda assim, o que ontem era impensável, hoje começa a ser debatido em conferências, gabinetes autárquicos e, sobretudo, nos corações das famílias.

E talvez seja precisamente isso que nos falta: reaprender a morrer como parte da vida. Porque, no fundo, deixar uma árvore como epitáfio pode dizer mais sobre nós do que uma lousa de granito.