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Europa Arde em Calor: É o Continente Mais Afetado Pelo Aquecimento Global

Ondas de calor na Península Ibérica, França, Itália e Grécia recordam 2024 como ano mais quente da Europa — especialistas alertam para a urgência de adaptação climática

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
6 Minutos
2025-06-30 16:06:00
Europa Arde em Calor: É o Continente Mais Afetado Pelo Aquecimento Global

No final de junho de 2025, a região do Alentejo registou um episódio de calor extremo com impactos visíveis na agricultura local. Maria João, produtora vitivinícola em Reguengos de Monsaraz, testemunhou perdas severas nas suas vinhas devido a temperaturas que ultrapassaram os 43 °C. Registos oficiais do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) indicaram máximas de 43,1 °C em Évora e 42,7 °C em Beja, valores que configuram um risco acentuado para a saúde pública, segurança alimentar e estabilidade ecológica. Espanha, particularmente as regiões da Andaluzia como Sevilha e Andújar, superou os 46 °C, segundo dados do The Guardian, num fenómeno que não se apresenta como isolado, mas como parte de uma tendência prolongada de intensificação térmica.

Segundo o relatório climático conjunto da Organização Meteorológica Mundial (WMO) e do Copernicus Climate Change Service (C3S), o ano de 2024 registou anomalias térmicas sem precedentes. A média da temperatura no continente europeu situou-se entre 2,85 e 3,01 °C acima dos níveis pré-industriais, excedendo significativamente a média global de +1,5 °C. Este diferencial térmico é mais evidente em zonas como a Península Ibérica, os Balcãs e a Escandinávia, que se tornaram hotspots climáticos. Investigações conduzidas pelas Universidades de Uppsala (Suécia) e de Barcelona têm vindo a documentar alterações estruturais nos ecossistemas dessas regiões, incluindo a migração de espécies e alterações fenológicas em florestas boreais e mediterrânicas.

O fenómeno da "cúpula de calor" — um sistema de bloqueio atmosférico responsável por aprisionar massas de ar quente — teve especial incidência na Europa durante o verão de 2025. Cidades como Roma, Florença e Marselha implementaram medidas de contingência que incluíram o acesso gratuito a infraestruturas aquáticas, alterações no funcionamento das escolas e suspensão de atividades laborais ao ar livre. Dados do Ministério da Saúde de Itália reportam um aumento de 22% nos internamentos por exaustão térmica em Roma e de 18% em Florença, o que sublinha a vulnerabilidade dos centros urbanos a eventos extremos de calor.

Em Portugal, o aumento de 30% nas ocorrências de incêndios florestais em relação a 2024, registado pelo Corpo de Bombeiros Voluntários de Santarém, evidencia a correlação direta entre extremos térmicos e risco de incêndio. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) contabilizou mais de 110 mil hectares ardidos em setembro de 2024, com destaque para os distritos de Vila Real e Castelo Branco. O comandante Manuel Pires, da corporação de Vila Pouca de Aguiar, relatou que a degradação do solo atingiu níveis de desertificação funcional, tornando o terreno improdutivo.

Agricultores da Beira Interior, nomeadamente na aldeia de Monsanto, denunciaram perdas totais em culturas de sequeiro como o trigo e o centeio. A Associação Nacional dos Produtores de Cereais (ANPOC) estimou uma quebra de mais de 40% na produção de 2025. A situação é agravada pela escassez hídrica: dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) indicam que os níveis de armazenamento das albufeiras do Alqueva e do Cabril estão 20% abaixo da média histórica da última década.

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O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, classificou os eventos climáticos recentes como uma materialização do que denomina "inferno climático", instando a comunidade internacional a adotar medidas urgentes de mitigação e adaptação. O apelo foi feito durante a Conferência do Pacto Climático Europeu, em Bruxelas, e recebeu ampla cobertura mediática.

A nível científico, a investigação liderada por Michael E. Mann, da Universidade da Pensilvânia, tem demonstrado que alterações no padrão do jato polar têm intensificado a frequência de bloqueios atmosféricos desde meados do século XX. Estas conclusões, publicadas no Journal of Climate, coincidem com as análises realizadas por Rita Barros, climatologista do Instituto Dom Luiz (Universidade de Lisboa), que defende que as alterações climáticas já não são projeções futuras, mas realidades observáveis e quantificáveis.

As implicações económicas dos fenómenos climáticos extremos são igualmente graves. A Agência Europeia do Ambiente (EEA) estima que os prejuízos acumulados desde 1980 ascendem a 170 mil milhões de euros. Projeções da London School of Hygiene and Tropical Medicine, publicadas na Nature Medicine, preveem até 2,3 milhões de mortes provocadas por calor extremo na Europa até 2100, caso se mantenha o atual ritmo de emissões de gases com efeito de estufa. A Organização Mundial da Saúde reforça estes alertas ao apontar para o aumento de doenças respiratórias e cardiovasculares em populações vulneráveis expostas a ondas de calor sucessivas.

Diversos governos europeus têm vindo a implementar políticas públicas orientadas para a adaptação climática. O Ministério para a Transição Ecológica de França lançou um plano de arborização urbana com vista à mitigação do efeito de ilha de calor, tendo Paris como caso emblemático ao reconverter 170 hectares de espaço urbano impermeável em áreas verdes até 2030. Em Portugal, o "Corredor Verde da Alta de Lisboa" tem sido referenciado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) como um exemplo replicável noutras cidades. Braga e Guimarães, com apoio do programa Horizon 2030 da União Europeia, implementaram zonas de sombra inteligente com sensores térmicos integrados.

A transição energética surge como elemento-chave na resposta europeia. Segundo a Eurostat, 45% da electricidade consumida na Europa em 2024 foi proveniente de fontes renováveis. Portugal destacou-se com 61%, valor significativamente acima da média europeia. Espanha, por sua vez, registou um crescimento de 18% na produção solar, sobretudo na região de Castela-Mancha, impulsionado por incentivos fiscais e projectos colaborativos entre governos regionais e empresas privadas.

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Instituições académicas como o INEGI, no Porto, e o Laboratoire des Sciences du Climat et de l’Environnement (LSCE), em Paris, têm desenvolvido estudos sobre adaptação territorial às novas condições climáticas. Em Aveiro, o CESAM investiga o impacto da elevação da temperatura marinha na distribuição de espécies costeiras, enquanto na Universidade de Umeå, na Suécia, observam-se alterações nos ciclos biológicos de mamíferos boreais.

A actual trajectória do aquecimento global coloca a Europa numa posição de alerta máximo. A evidência científica é clara: o continente aquece a um ritmo duas vezes superior à média global. Este fenómeno traduz-se em impactos concretos — perdas agrícolas, degradação ambiental, pressões sobre os sistemas de saúde e desigualdades socioeconómicas agravadas. O Verão de 2025 poderá marcar o início de uma nova era climatológica na Europa. Perante este cenário, a mobilização de conhecimento técnico-científico e a actuação concertada entre governos, comunidades e empresas torna-se não apenas desejável, mas imperativa.