Ameaça crescente obriga a uma mudança urgente nas políticas de prevenção e na consciência coletiva
Aumentam as nuvens de preocupação sobre o território nacional: um recente estudo do Conselho Consultivo Científico das Academias Europeias (EASAC) aponta para a possibilidade de os incêndios florestais na União Europeia duplicarem até ao final deste século. Portugal está no epicentro desta projeção alarmante.
Segundo o relatório, que reúne contributos de cientistas de várias academias nacionais, entre elas a Academia das Ciências de Lisboa, a intensificação das alterações climáticas, os verões mais longos e secos, a desertificação crescente em regiões como o Alentejo e o interior Centro, e a pressão urbanística sobre zonas rúrais são factores que vão, em conjunto, alimentando o perigo.
Dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) revelam que só em 2022 arderam mais de 120 mil hectares de floresta, o que posiciona Portugal no topo dos países europeus com maior área ardida por milhão de habitantes. As regiões mais afetadas incluem a Serra da Estrela, Viseu, Leiria e algumas zonas do Algarve, onde os habitantes vivem com a ansiedade constante de um verão que, a cada ano, parece mais inclemente.
Entre 2015 e 2018, o impacto do fumo dos incêndios causou entre 31 e 189 mortes prematuras em Portugal, de acordo com estimativas baseadas em dados da Agência Europeia do Ambiente. Além do impacto físico, a componente psicológica tem vindo a assumir um peso relevante. Estudos realizados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge indicam um aumento considerável de casos de stress pós-traumático em comunidades atingidas por incêndios como os de Pedrógão Grande (2017), que vitimaram 66 pessoas e deixaram marcas profundas na memória coletiva.
A resposta política a esta realidade tem sido tímida, apesar dos sinais de urgência. O Programa Nacional de Ação do Plano de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR) prevê investimentos na ordem dos 500 milhões de euros até 2030, mas a sua implementação tem enfrentado atrasos, falta de meios humanos especializados e pouca articulação entre as autarquias, o Estado central e os agentes locais. Em declarações à Renascença, José Miguel Medeiros, antigo Secretário de Estado da Administração Interna, sublinhou que “continuamos a investir muito no combate e pouco na prevenção”.
É nesse ponto que o EASAC lança o apelo mais contundente: urge mudar de paradigma. Em vez de continuar a apostar sobretudo na supressão, deve-se adoptar estratégias de adaptação e mitigação, com ênfase na gestão da vegetação, na revitalização dos territórios do interior e na educação ambiental.
Projectos como o "Rebanhos Contra o Fogo", em Mértola, que recorre ao pastoreio para reduzir o combustível vegetal, ou a reabilitação das linhas de água no Vale do Zêzere, mostram que há soluções concretas e eficazes. Mas falta escala e continuidade.
Não são apenas as matas que ardem. Queimam-se também os equilíbrios sociais, económicos e culturais das populações atingidas. O turismo sofre, a agricultura definha, a biodiversidade desaparece. E, com cada ênclave de floresta perdida, desaparece também um pedaço da identidade do país.
A responsabilidade é coletiva. Dos decisores políticos à população, dos meios de comunicação às escolas, das autarquias às associações ambientalistas. Porque, como lembra o comandante Paulo Santos, da Proteção Civil de Viseu, “o fogo de hoje é muitas vezes a floresta ao abandono de ontem”.