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Refugiados Climáticos em Portugal: Histórias de Quem Foge Sem Sair do País

Secas, incêndios e erosão costeira estão a forçar famílias portuguesas a abandonar as suas terras. Conheça os rostos por trás desta crise invisível que já afeta o território nacional.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
8 Minutos
2025-05-07 09:38:00
Refugiados Climáticos em Portugal: Histórias de Quem Foge Sem Sair do País

Portugal e os Seus Refugiados Climáticos: Uma Realidade que Já Mora Cá ao Lado

As alterações climáticas já não são uma coisa dos outros. Estão entre nós, sentem-se nos campos que secam, nos vales que ardem e nas casas que o mar leva sem pedir licença. Em Portugal, esta nova face da crise ambiental tem nome e rosto: refugiados climáticos. Não cruzaram fronteiras internacionais, mas viram-se obrigados a abandonar as suas terras, empurrados por eventos extremos que não lhes deram alternativa. E o mais grave: vivem, para todos os efeitos, num limbo legal. São deslocados internos que o Estado ainda não reconhece como tal.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que, globalmente, o número de refugiados climáticos possa atingir 200 milhões até 2050. Portugal, embora pequeno em dimensão, não está imune a esta pressão silenciosa. E é nas pequenas localidades, longe do bulício das cidades, que este fenómeno se torna mais evidente.

Mértola, em pleno Baixo Alentejo, é o retrato de um silêncio que se alastra. As terras gretadas e os olivais secos não são resultado de um ano atípico, mas de uma tendência que se tornou padrão. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), entre 2011 e 2021, o concelho perdeu mais de 1.200 habitantes, uma quebra de cerca de 17%. Muitos dos que partiram eram agricultores. Como Manuel Costa, 58 anos, natural da aldeia de Corte Gafo de Cima: "O poço secou em 2019. Nem para dar de beber aos animais. Vendi tudo e fui viver com o meu irmão em Beja. Nunca pensei abandonar a terra onde nasci."

Estudos do Instituto Superior Técnico e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) indicam que o Alentejo poderá perder até 40% da sua capacidade produtiva nas próximas décadas se a tendência de seca persistir. O projeto europeu "LIFE Desert-Adapt", em colaboração com a Universidade de Évora, tem vindo a estudar estratégias de resiliência para territórios semi-áridos e aponta para a necessidade urgente de mudanças nos modelos de uso do solo.

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A Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Serpa (EPDRS) tem tentado travar o êxodo, formando jovens para um modelo de agricultura mais adaptado à realidade climática, mas muitos dos formandos acabam por procurar emprego em Lisboa ou Setúbal.

No litoral norte, a história repete-se com outro elemento: o mar. Em Apúlia, freguesia de Esposende, as dunas têm vindo a desaparecer a olhos vistos. Em apenas duas décadas, o recuo da linha de costa ultrapassou os 50 metros. Várias habitações foram demolidas pela Câmara Municipal, por razões de segurança. Maria Fernandes, de 64 anos, recorda: "A minha casa foi das primeiras a ser evacuada. Hoje só existe nas fotografias. Vivo agora num apartamento em Barcelos, mas sinto-me desenraizada."

Segundo um estudo do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil), cerca de 15% da costa portuguesa está em risco de erosão severa. E a região de Esposende é uma das mais críticas. Em Paramos, Espinho, a situação é igualmente grave: a praia perdeu mais de 30 metros em menos de 10 anos. O projeto "Coastwatch Portugal", da Universidade Nova de Lisboa, alerta que a combinação entre subida do nível do mar e construções em zonas vulneráveis está a acelerar a degradação costeira.

O plano de adaptação climática do Município de Esposende, financiado pelo Fundo Ambiental, prevê o realojamento de 120 famílias até 2030, mas a execução tem sido morosa e marcada por atrasos burocráticos.

O verão de 2017 ficará para sempre marcado na memória coletiva. Pedrógão Grande foi palco de um dos piores incêndios florestais da história recente de Portugal. Morreram 66 pessoas. Mais de 250 ficaram feridas. E centenas de famílias perderam as suas casas. Muitas não voltaram.

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Joaquim Martins, antigo apicultor da zona de Nodeirinho, vive agora em Leiria com a filha: "Nunca mais consegui regressar. Tudo ardeu. O mato, as colmeias, os vizinhos. A terra perdeu o cheiro."

O relatório da Comissão Técnica Independente ao Parlamento identificou falhas graves na prevenção, resposta e comunicação do Estado. Desde então, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) reforçou os meios de combate, mas os especialistas alertam que a gestão florestal continua desordenada.

A Comissão Europeia, num relatório de 2023, identificou Portugal como um dos países europeus mais vulneráveis às alterações climáticas, nomeadamente devido à ocorrência de incêndios extremos.

Apesar dos exemplos concretos e do agravamento da crise climática, Portugal ainda não tem um enquadramento legal que reconheça o estatuto de "refugiado climático". O termo nem sequer aparece na legislação nacional. Organizações como a Amnistia Internacional têm sido vocais na necessidade de uma resposta urgente. Em 2023, o Bloco de Esquerda apresentou a proposta de lei n.º 446/XVI/1.1, que visa criar esse estatuto e garantir proteção a quem foi forçado a deslocar-se devido a eventos ambientais extremos. A proposta continua por discutir no Parlamento.

A associação ambiental ZERO também defende a inclusão da mobilidade climática nos planos de emergência municipais. O Observatório da Imigração propõe um mapeamento nacional dos deslocados ambientais para fundamentar futuras políticas públicas.

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Segundo Inês Subtil, coordenadora de investigação da Amnistia Internacional Portugal, "o país tem de reconhecer que estas pessoas não estão a mudar-se por escolha, mas por sobrevivência."

Ignorar a existência de refugiados climáticos em Portugal é perpetuar a desigualdade. É deixar para trás os que vivem fora do radar urbano, mas são os primeiros a sentir os efeitos das alterações climáticas. Reconhecê-los não se trata apenas de um acto simbólico. Trata-se de abrir caminho a apoios financeiros, reabilitação psicológica, acesso a habitação e requalificação profissional.

Nos Países Baixos, por exemplo, o governo dispõe de um fundo público para relocalização de populações expostas à subida do mar. Em França, já há um protocolo interministerial para gerir deslocações internas por motivos ambientais. Portugal pode e deve inspirar-se nestes exemplos.

Não há tempo para adiar o inevitável. Portugal está já a viver o futuro que antes julgávamos distante. E os rostos desse futuro estão entre nós, calados, muitas vezes esquecidos. É tempo de lhes dar voz e protecção.