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Aldeias sem Fronteiras: Onde Portugal e Espanha se Fundem na Raia Ibérica

Rio de Onor, Marco e Constantim: Três aldeias raianas onde a linha de fronteira é apenas um detalhe geográfico e a identidade é partilhada entre dois países.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
7 Minutos
2025-05-07 10:12:00
Aldeias sem Fronteiras: Onde Portugal e Espanha se Fundem na Raia Ibérica

No coração da Península Ibérica, bem longe da azáfama das grandes cidades e das fronteiras burocráticas, existem territórios onde Portugal e Espanha se confundem numa só alma. Chama-se Raia a essa faixa de terra partilhada, quase esquecida, onde a linha que divide os dois países parece mais rabiscada a lápis do que gravada a cinzel. Aqui, o tempo corre devagar e a pertença é múltipla: é portuguesa, é espanhola, é raiana — como quem pertence mais à terra do que ao Estado.

É o caso de Rio de Onor, aldeia singular encravada no concelho de Bragança, dentro do Parque Natural de Montesinho, e que parece ter nascido de um romance entre dois países. De um lado, é Portugal. Do outro, Espanha, onde lhe chamam Rihonor de Castilla. Mas a verdade é que, para os seus pouco mais de 40 habitantes permanentes, a nacionalidade é assunto de papel — porque a vida é vivida em conjunto. Os residentes atravessam a rua principal como quem muda de divisão na própria casa: vão ao forno comunitário partilhar o pão, trocam ovelhas como favores antigos, e conversam num dialecto próprio, o "rihonorês", que mistura castelhano com mirandês, adornado com expressões únicas.

É um exemplo vivo de como a divisão administrativa pouco interfere quando a cultura e a tradição são partilhadas. Em 2017, Rio de Onor foi justamente distinguida como uma das 7 Maravilhas de Portugal, na categoria de "aldeia em área protegida". Um reconhecimento merecido para uma comunidade onde ainda há assembleias populares à antiga, e onde a palavra vale mais que a assinatura. Segundo dados da Câmara Municipal de Bragança, a aldeia tem vindo a atrair curiosos e investigadores — nomeadamente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro — que procuram compreender como esta micro-sociedade resiste ao tempo.

Mais a sul, no Alentejo, encontramos o Marco de Arronches. Esta aldeia, separada da sua gémea espanhola — El Marco — apenas por uma linha de terra batida, guarda as memórias da migração alentejana para terras vizinhas no século XIX. Muitos camponeses portugueses, empurrados pela fome e pela falta de oportunidades, cruzaram a fronteira e assentaram-se em La Codosera, província de Badajoz. Curiosamente, as casas brancas e baixas do lado espanhol mantêm ainda hoje a estética alentejana, com os tradicionais beirais em azul cobalto e as portas em madeira tosca. Em festas populares, ouve-se tanto fado como sevillanas, e o português mistura-se com o espanhol em conversas de taberna.

D. Anabela Carapinha, de 83 anos, residente em Marco, diz que nunca viu a fronteira como barreira. "A minha tia casou com um espanhol de lá, e ainda hoje vamos a baptizados e casamentos uns dos outros. Somos do mesmo sangue, ora essa!", conta, com um sorriso de quem não reconhece muros onde há pontes.

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Subindo novamente ao norte, junto ao Douro Internacional, encontramos Constantim. A aldeia está repartida por um ribeiro, o afluente do rio Fresno, que não impede, mas antes convida à união. A capela da aldeia portuguesa e a ermida do lado espanhol celebram festas conjuntas, sobretudo durante o verão, quando se realiza a romaria de Nossa Senhora da Luz. Nesse dia, caminham-se mais de 10 km em procissão transfronteiriça, numa demonstração de fé que atravessa não só campos, mas também fronteiras.

A investigadora Ana Raquel Santos, do Instituto Politécnico de Bragança, tem-se debruçado sobre o fenómeno raiano e defende que "estas comunidades são verdadeiros laboratórios sociais do que poderia ser uma Europa sem fronteiras". De facto, de acordo com o INE (Instituto Nacional de Estatística), mais de 9% das freguesias do interior Norte têm contacto directo com o território espanhol — mas apenas 2% beneficiam de estruturas formais de cooperação.

É aqui que entra o POCTEP — Programa de Cooperação Transfronteiriça Espanha-Portugal — que, com fundos europeus, procura dinamizar projectos conjuntos em áreas como turismo sustentável, preservação da biodiversidade e desenvolvimento económico local. Um exemplo recente é o projecto "Raia Termal", que envolve os municípios de Chaves, Verín, Vidago e Monterrei, com vista à promoção de rotas de bem-estar e termalismo no Alto Tâmega e Galiza.

No entanto, muito há ainda por fazer. A desertificação humana avança e a falta de serviços básicos empurra os jovens para os grandes centros urbanos. Se não forem pensadas medidas sérias e integradas, corremos o risco de perder não apenas populações, mas identidades únicas que levaram séculos a formar-se.

Na Raia, o futuro joga-se entre a memória e a sobrevivência. E talvez a maior lição destas aldeias seja essa: que quando os laços humanos são fortes, nenhuma fronteira consegue dividir o que nasceu para estar junto.

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