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Cães de Guarda sem Trabalho: O Futuro dos Fiéis Protetores das Quintas Portuguesas

Com o abandono progressivo das zonas rurais, milhares de cães de guarda em Portugal enfrentam um futuro incerto, entre o esquecimento, a adoção ou a eutanásia. Uma realidade que pede resposta urgente.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
8 Minutos
2025-05-15 11:30:00
Cães de Guarda sem Trabalho: O Futuro dos Fiéis Protetores das Quintas Portuguesas

O abandono rural e o silêncio dos latidos que desaparecem

Na planície vasta do Alentejo, onde o vento corre solto entre as searas douradas de Évora e os olivais centenários de Reguengos de Monsaraz, há um som que se vai perdendo com o tempo. Não é o sino da aldeia nem o estalar da lenha no forno. É o latido. O latido do cão de guarda.

Com o avançar da desertificação rural, que segundo o Instituto Nacional de Estatística afectou mais de 35% das freguesias rurais nos últimos 15 anos, muitas quintas têm vindo a ser abandonadas. E com elas, os seus vigilantes silenciosos: os cães de guarda.

"A situação é profundamente triste. Estamos a falar de animais que não são apenas animais de companhia, são trabalhadores, parte da paisagem rural. Hoje, muitos estão presos em jaulas ou foram deixados à beira da estrada como se fossem lixo", denuncia Helena Fidalgo, veterinária e presidente da Associação Raiz Animal, sediada em Beja.

Casos não faltam. Em Cuba, no Baixo Alentejo, uma herdade desactivada deixou para trás quatro Rafeiros do Alentejo que ali haviam crescido com o gado. Foram salvos por voluntários, mas nem sempre o final é feliz.

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O Rafeiro do Alentejo, o Cão da Serra da Estrela e o Cão de Castro Laboreiro fazem parte da identidade genética e cultural de Portugal. São raças autóctones, adaptadas a climas extremos e com instinto natural de protecção. "Foram criados para guardar rebanhos, proteger os filhos dos pastores, ladrar à aproximação de estranhos. Sem a terra, sem o campo, ficam perdidos, sem função e sem direcção", explica Manuel Ribeiro, treinador canino em Vila Real, que acompanha o fenómeno há mais de uma década.

Cães de guarda: o novo rosto do abandono rural

Os dados mais recentes do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) revelam que entre 2022 e 2024 entraram nos canis municipais portugueses 2.537 cães identificados como raças guardadoras. Cerca de 71% foram recolhidos em território rural.

Joana Esteves, coordenadora da SOS Animal do Alentejo, relata um caso recente: "Recebemos sete cães de uma propriedade em Portel. O dono faleceu e a família não quis saber dos animais. Passaram quase três semanas até que vizinhos alertassem. Os cães estavam visivelmente desnutridos e desorientados."

A realidade é dura: muitos destes cães não são fáceis de adoptar. Não são "fofos" nem sociáveis como os de apartamento. Precisam de espaço, de tempo e de compreensão. É frequente desenvolverem distúrbios comportamentais após o abandono. E quando não há lugar para eles, a solução é, muitas vezes, o abate. Em 2023, mais de 400 cães de raças guardadoras foram eutanasiados em Portugal por não haver capacidade de acolhimento ou adoção.

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"Temos de deixar de tratar estes animais como sobras do mundo rural", defende Inês Cavaco, antropóloga da Universidade de Évora. "Eles contam uma história, representam uma relação entre o humano e o campo que está a desaparecer."

Soluções em marcha: reintegração e comunidades agrícolas solidárias

Há, contudo, projectos em curso que apontam um caminho diferente. O Instituto Politécnico de Bragança, em parceria com o Parque Natural de Montesinho, está a testar um programa de reintegração funcional de cães guardadores para vigilância ambiental. Os animais são treinados para detectar presença humana em zonas protegidas e actuar como dissuasores de caça furtiva.

Por outro lado, algumas câmaras municipais estão a incentivar a criação de "quintas sociais" ou hortas comunitárias que integrem cães de guarda como parte do ecossistema. Em Idanha-a-Nova, o projecto "Guardiões da Terra", lançado em 2022, já integrou 12 cães em contextos agrícolas e educativos.

"Precisamos de políticas agrárias que pensem no todo: terra, pessoas, animais e futuro", afirma Rui Almeida, técnico da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária.

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E se nalguns lugares, como Zebreira ou Campinho, os latidos já são memória distante, noutros, como Montemor-o-Novo ou Vimioso, ainda se ouve ao longe aquele eco antigo que nos diz que a terra é vigiada. Que há vida. Que há esperança.