No recanto mais profundo do Portugal rural, onde as estradas asfaltadas dão lugar a veredas de terra batida e o tempo se arrasta ao ritmo das estações, persistem aldeias que desafiam o esquecimento. Não são apenas lugares abandonados; são testemunhos vivos de um país que foi sendo deixado para trás, um Portugal que sobrevive na memória dos poucos que ainda lá vivem ou se recusam a cortar os laços com a terra que os viu nascer.
Na freguesia de Erválhos, concelho de Valpaços, distrito de Vila Real, jaz Adagoi, uma aldeia envolta num silêncio que fala mais alto do que mil palavras. Há 40 anos, Francisco Sampaio, agricultor e pastor, era o último a manter acesa a luz da resistência. Viveu sozinho durante quase duas décadas, após a partida dos vizinhos para as vilas maiores, como Chaves ou Mirandela. Hoje, não sobra vivalma em Adagoi. As casas de xisto estão a ceder, o mato engole os caminhos, e o único som que se ouve é o dos ventos da serra. Segundos dados do INE, o concelho de Valpaços perdeu cerca de 23% da sua população entre 1991 e 2021, um reflexo direto da migração para centros urbanos e do envelhecimento acentuado.
Em Figueira de Castelo Rodrigo, distrito da Guarda, a aldeia do Colmeal carrega uma história conturbada. Em 1957, por decisão judicial relacionada com questões fundiárias, os seus moradores foram obrigados a abandonar as suas casas. Durante mais de meio século, o Colmeal ficou entregue à ruína. Mas a paisagem idílica e o património arquitetónico não foram esquecidos. Em 2015, o projeto Colmeal Countryside Hotel, com apoio do Turismo de Portugal e financiamentos europeus, trouxe nova vida à região. O hotel emprega atualmente cerca de 15 pessoas e recebe visitantes de todo o país e do estrangeiro, demonstrando que o património pode ser uma fonte de renovação económica e cultural.
No coração da Serra da Freita, entre Arouca e S. Pedro do Sul, situa-se Drave, uma aldeia desabitada desde a década de 70. Conhecida como a "Aldeia Mágica", Drave tornou-se um símbolo do movimento escutista em Portugal. Desde 2000, a Fraternidade Nuno Alvares e o Corpo Nacional de Escutas têm promovido a reabilitação dos edifícios e organizado acampamentos regulares, envolvendo milhares de jovens em atividades de conservação ambiental e património. Segundo o Geoparque de Arouca, cerca de 12 mil pessoas visitam Drave anualmente, o que contribui para a sensibilização ecológica e para o turismo sustentável da região.
Nos confins de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, Alares guarda no seu silêncio os ecos de um conflito antigo. As disputas territoriais com populações vizinhas, na primeira metade do século XX, culminaram na dispersão da comunidade. Muitos dos habitantes fundaram as atuais localidades de Zebreira e Rosmaninhal. Hoje, Alares serve como objeto de estudo por parte do Centro de Estudos de História Local da Universidade da Beira Interior, que tem vindo a recolher testemunhos de antigos habitantes e a mapear ruínas, num projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Mais do que ruínas ou curiosidades turísticas, estas aldeias encerram uma parte vital da memória coletiva portuguesa. Representam o fim de um modo de vida que, apesar de austero, estava profundamente enraizado na relação com a terra, com a vizinhança e com o tempo. São locais onde os saberes populares, a arquitectura vernacular e as tradições seculares ainda persistem, mesmo que só nas palavras de quem por lá passou.
Com cerca de 60% dos concelhos portugueses a registarem perdas populacionais desde os anos 80, segundo o PORDATA, a questão do despovoamento do interior tornou-se um dos maiores desafios do Portugal contemporâneo. A preservação da memória destas aldeias não é apenas uma responsabilidade histórica, é um imperativo civilizacional. O que somos, enquanto povo, está intimamente ligado ao que decidimos recordar, preservar e passar às futuras gerações.
Por isso, quando o próximo trilho o levar a uma dessas aldeias esquecidas, pare, ouça o silêncio, e lembre-se: até o vento ali tem histórias para contar.