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Vergonha Nacional: O serviço Universal dos CTT é Falhado e o Correio Não Chega a Milhares de Portugueses nos Recantos do País

Em localidades como Soutelo de Aguiar, no distrito de Bragança, e Covas do Monte, Marco de Canaveses, residentes enfrentam atrasos e ausência total de cartas. O serviço universal dos CTT é falhado e gera isolamento social e económico.

Rui Muniz Ferreira Rui Muniz Ferreira Jornalista de Economia e Educação | Porttugal
6 Minutos
2025-06-12 09:33:00
Vergonha Nacional: O serviço Universal dos CTT é Falhado e o Correio Não Chega a Milhares de Portugueses nos Recantos do País

Quem Vive no Silêncio das Cartas

Em muitas aldeias do interior de Portugal, o som das rodas do carro de correio tornou-se tão raro quanto o canto do melro ao amanhecer. No redor de Soutelo de Aguiar, freguesia com pouco mais de 150 habitantes a 15 km de Mirandela, já lá vão mais de três semanas que a Maria Fernandes, de 68 anos, não vê uma única carta tocar à porta. Ex-professora primária aposentada, residente na Rua da Fonte, Maria aguardava ansiosamente a chegada de duas remessas: o receituário actualizado do Centro de Saúde de Mirandela e as postas de riso escritas pelos netos do Agrupamento de Escolas de Lisboa. “Antigamente, eram cinco carteiros que cá passavam, agora dizem que só um camião atreve-se à estrada que parece tirada dum filme do Berlenga”, lamenta ela, enquanto observa o lago do Azibo cintilar ao longe. Os números confirmam: segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), 62% das aldeias no distrito de Bragança já registaram interrupções no serviço postal pelo menos uma vez nos últimos seis meses.

Mais a sul, na pequena aldeia de Vilar Seco, concelho de Viseu, vive a família Moreira, cuja fatura de energia chegou quatro semanas atrasada. O pai, António Moreira, proprietário de uma herdade de quilómetro quadrado inteiro, viu um aviso de corte de electricidade por falta de pagamento, apesar de ter regularizado a dívida junto dos CTT em Lisboa — o reencaminhamento nunca ocorreu. À mesa do café local “O Araújo”, Catarina Araújo, a proprietária, refere que 80% dos seus clientes reclamam de cartas que não chegam ou chegam avariadas, e que o seu pequeno negócio perde em média 500 euros por mês devido a atrasos nas encomendas de fornecedores.

Quando a ausência de correio se torna urgente

Em Covas do Monte, no concelho de Marco de Canaveses, o ambiente é tão desolador quanto num domingo sem missa. O presidente da Junta, João Ribeiro, descreve filas no átrio do edifício: “Há gente a percorrer 20 km até Vila Boa do Bispo para levantar cartas e encomendas. Não é só um chatear, é o sustento do café, da mercearia e da Serra da Aboboreira. Tudo fica entalado.” De acordo com um estudo da Câmara Municipal, 1.200 residentes desta zona enfrentam pelo menos dois cortes mensais no serviço postal, e 45% reconhecem ter recebido correspondência danificada ou extraviada.

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Na Serra da Estrela, na aldeia remota de Teixeira, a enfermeira Sofia Pinto relata casos em que pacientes diabéticos deixaram de receber insulina enviada pela Farmácia Central do Porto, e tiveram de recorrer a viagens de 50 km até Gouveia para garantir o tratamento. “Conheço um senhor de 82 anos que perdeu meia dúzia de receitas médicas”, conta Sofia, que também coordena o posto de saúde local.

As razões do colapso postal

O Decreto-Lei n.º 115/2009 obriga os CTT — Correios de Portugal E.P.E. a garantir o Serviço Postal Universal, com entrega diária a todo o território. No entanto, dados da ANACOM indicam que, em 2023, apenas 75% das moradas em baixa densidade receberam correspondência diariamente, comparados com 98% em áreas urbanas. Em Linhares da Beira, concelho de Celorico da Beira, registaram-se três falhas de serviço em fevereiro, e em Alpedrinha (Fundão), duas falhas consecutivas em março deixaram 400 habitantes sem postal até à última semana de abril.

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios (STT) aponta para “estradas em mau estado, itinerários redimensionados para poupar combustível e escassez de carteiros” como causas principais. Um relatório interno dos CTT revela que 27% das vias secundárias não suportam veículos pesados, forçando desvios diários de até 30 km. Às dificuldades acresce o fenómeno da desertificação: com a população a cair 1,2% ao ano em várias freguesias do interior, rotas demasiado longas deixam de ser economicamente viáveis.

Miguel Castro, inspetor da ANACOM, alerta para o incumprimento reiterado do prazo máximo de entrega de dois dias úteis previsto na lei. “Estamos a falar de milhares de cidadãos cujos direitos básicos são violados”, sublinha. Para a Associação Portuguesa de Municípios, o problema repercute-se nos serviços administrativos: pedidos de subsídio, notificações fiscais e cartas judiciais chegam fora do prazo, atrasando processos legais e causando prejuízos estimados em 2,3 milhões de euros só no último ano.

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Soluções em marcha e projetos inovadores

Em resposta, os CTT anunciaram acordos com micro-operadores regionais, como a Rota Verde (Vila Real) e a Serra Express (Vila Pouca de Aguiar), que passarão a cobrir o último troço até aldeias isoladas. Isabel Santos, diretora de Operações, afirma que “até ao fim de 2025, mais de 50 agentes locais estarão contratados, reduzindo os prazos de entrega em 30%”.

A Câmara de São Pedro do Sul, apoiada pelo programa Portugal 2020, lançou um projeto-piloto que contratou uma carrinha refrigerada para distribuir medicamentos e correspondência a 900 utentes. Paralelamente, em Proença-a-Velha (Palmela), voluntários da Cruz Vermelha Portuguesa recolhem cartas em Pinhal Novo duas vezes por semana, garantindo que encomendas prioritárias chegam a 350 agregados familiares.

No âmbito académico, o projeto “DronePost” da Universidade do Porto, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), testa drones autónomos na Serra da Estrela. Liderado pela Dra. Ana Marques, o protótipo já cobriu 15 km em missão de teste, entregando até 2 kg de materiais. “Se comprovada a fiabilidade, poderemos reduzir custos logísticos em 40% e abrir novas rotas aéreas para locais intransitáveis”, prevê a investigadora.

Outra iniciativa surge na Universidade de Coimbra, onde o Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT) está a mapear zonas de fraca densidade para optimizar futuras rotas postais. Utilizando SIG e dados demográficos do INE, o projecto estima apontar áreas críticas e propor rotas balanceadas entre custo e cobertura.

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A urgência de agir face ao despovoamento

Os últimos Censos revelam que 180 freguesias, sobretudo nos distritos de Bragança, Guarda e Viseu, perderam mais de 30% da população na última década. Este despovoamento galopante transforma o correio diário num direito constitucional em risco. Sem cartas, sem atenção, sem voz, as comunidades tornam-se invisíveis perante o Estado.

É imperativo reconhecer que o correio não é mero capricho do passado, mas um pilar de coesão social. Através de políticas públicas integradas — incluindo incentivos fiscais a micro-operadores, investimentos em infraestruturas rurais e parcerias tecnológicas com universidades — é possível travar o isolamento. Caso contrário, corremos o risco de perder identidade, memória e futuro, deixando o interior português fora do mapa.