Lisboa, 6 de maio de 2025 – A notícia caiu que nem uma pedra no charco e, para milhares de pessoas que escolheram Portugal como a sua nova casa, o impacto é de bradar aos céus. O Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, pôs os pontos nos is nos últimos dias, confirmando o que muitos temiam: 4.574 cidadãos estrangeiros, cujos processos de regularização andavam para a frente com base no antigo mecanismo das "manifestações de interesse", receberam uma notificação para abandonar o território nacional voluntariamente em 20 dias.
Este número, que mete impressão, é apenas a primeira fornada. O universo total de pessoas nesta situação, cujos pedidos de regularização pendentes não batem certo com as novas regras de entrada legal em Portugal implementadas com a criação da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo), rola para cerca de 18 mil indivíduos. Uma gente que, de um momento para o outro, se viu com a corda ao pescoço e com o futuro em Portugal suspenso por um fio.
O Nó da Questão: O Fim das "Manifestações de Interesse"
Para entender o sarilho pegado, é preciso recuar um bocadinho. Durante anos, o mecanismo das "manifestações de interesse" permitiu que cidadãos estrangeiros que já estivessem em Portugal (muitas vezes com entrada como turistas) pudessem iniciar um processo de regularização, bastando para isso apresentarem um contrato de trabalho. Era um jeito que muitos encontraram para arranjar a vida legalmente no país, face à dificuldade em obter vistos de residência nos consulados no estrangeiro.
No entanto, o Governo atual decidiu meter um ponto final a este esquema, argumentando a necessidade de controlar os fluxos migratórios e combater o que consideram serem vieses ou aproveitamentos indevidos do sistema. As novas regras são claras e não dão margem para confusões: a regularização só é possível para quem entrou legalmente em Portugal e possui o visto adequado para o efeito.
Isto apanhou na curva quem, confinando na legislação anterior, já cá estava, a trabalhar (por vezes em setores essenciais como a agricultura, restauração ou construção, que precisam de gente), a descontar para a Segurança Social (sim, porque os imigrantes também contribuem para a máquina do Estado) e, nalguns casos, até já com família constituída ou filhos a estudar. E agora, num ápice, veem-se confrontados com a ordem para partir.
20 Dias Para Arrumar a Casa... Ou a Coisa Complica-se a Sério
O prazo de 20 dias para a saída voluntária é curto, muito curto, para quem construiu uma vida, por mais precária que fosse. Significa ter de desmontar a tenda, resolver questões de trabalho, habitação, escola dos filhos, e meter os pés ao caminho para um destino que, para muitos, pode ser o ponto de partida original, mas que já não é a realidade que viviam.
Se a saída voluntária não acontecer dentro deste prazo, a coisa fica preta. O Estado pode avançar para a expulsão coerciva, um processo bem mais duro e com consequências legais que podem impedir futuras entradas no espaço Schengen. É a diferença entre sair pela porta pequena por vontade própria e ser posto na rua pelas autoridades.
Que País Queremos Ser? O Espelho Desta Decisão
Mais do que uma questão de números ou de procedimentos administrativos, esta situação põe no prato uma discussão mais profunda sobre o tipo de país que Portugal quer ser.
Os números da imigração em Portugal têm vindo a crescer de forma significativa nos últimos anos. Dados recentes (embora a 5 de maio de 2025 não tivéssemos ainda os números consolidados mais recentes do que os conhecidos no final de 2024, que já apontavam para um crescimento substancial de residentes estrangeiros, ultrapassando o milhão) mostram que o país ganhou gente vinda de todo o mundo, em particular do Brasil, mas também de países asiáticos e africanos. Este aumento trouxe desafios enormes, especialmente na habitação, que anda pelas ruas da amargura, e no acesso a serviços básicos.
Contudo, estes imigrantes também meteram os ombros e deram um empurrão à economia, preencheram lacunas no mercado de trabalho e contribuíram para a Segurança Social, ajudando a segurar as pontas do sistema.
A decisão de notificar milhares para sair, mesmo aqueles que já cá estavam e a trabalhar, dá que pensar. É uma abordagem que privilegia a legalidade formal da entrada acima da realidade da presença e contribuição no país. Levanta questões sobre a humanidade das políticas, o impacto nas vidas (muitas vezes já frágeis) destas pessoas, e a mensagem que Portugal envia para o exterior.
Será esta a melhor forma de arrumar a casa? Quais as consequências sociais e económicas a médio e longo prazo? Esta guinada na política de imigração, focada na saída coerciva para quem não cumpre as novas formalidades de entrada, apresenta a fatura humana por trás dos números e das leis. O debate está aberto, e a pergunta sobre que país queremos ser ganha um novo e urgente significado com cada uma destas 4.574 notificações. E com as 18 mil que se avizinham.