Independência Jornalística: Publique Aqui.
Bitcoin: Loading...
Ethereum: Loading...
Ripple: Loading...
Cardano: Loading...
Solana: Loading...
SPY: Loading...
IVV: Loading...
VOO: Loading...
QQQ: Loading...
VTI: Loading...

Sections

Countries

LinkedIn Telegram E-mail

O SNS não me atende: doentes ficam presos em listas de espera intermináveis pelo país

Com 266 mil pessoas em lista de espera cirúrgica e quase um milhão à espera de consulta, o desespero dos doentes expõe falhas no SNS. Governo promete reduzir prioridades e recorrer aos privados.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
8 Minutos
2025-08-02 13:21:00
O SNS não me atende: doentes ficam presos em listas de espera intermináveis pelo país

Viver com o cronómetro da espera

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das maiores conquistas do Portugal democrático, mas para muitos utentes a promessa de acesso universal contrasta com a realidade de listas de espera que se arrastam durante meses. Segundo um estudo do Instituto +Liberdade, em dezembro de 2024 a lista de inscritos para cirurgia contava 266 mil utentes, valor praticamente idêntico ao de janeiro de 2024 e 8 % superior ao registado em janeiro de 2020. O mesmo relatório lembra que esse número é 62 % maior do que em junho de 2013, mostrando que o problema não é novo. Apesar de uma ligeira estabilização no último ano, o patamar continua alarmante.

As listas de espera são monitorizadas através dos tempos máximos de resposta garantida (TMRG) definidos por lei. Hoje existem quatro níveis de prioridade para as cirurgias programadas: urgência (72 horas), muito prioritária (15 dias), prioritária (60 dias) e normal (180 dias). No entanto, estes limites são frequentemente ultrapassados. Os doentes com prioridade normal podem esperar seis meses ou mais por uma operação, com consequências sérias para a sua saúde física e mental.

Montanha de doentes em lista e a vida em suspenso

A pressão sobre o SNS não se resume às cirurgias. No final de 2024, 902 814 utentes aguardavam uma primeira consulta, sendo que 55,3 % já tinham ultrapassado os prazos legais. Nas especialidades hospitalares (excluindo oncologia e cardiologia) realizaram‑se 653 053 primeiras consultas no segundo semestre de 2024; contudo 53,1 % dessas consultas excederam os TMRG. Na área da oncologia, a situação é ainda mais dramática: 8 616 utentes estavam em lista de espera para a primeira consulta de cancro e 78,6 % aguardavam há mais tempo do que o permitido (sete dias para casos muito prioritários, 15 dias para prioritários e 30 dias para os restantes). Apesar de uma redução de quase 20 % face ao ano anterior, a maioria dos doentes continua a ser vista fora dos prazos fixados.

Seu código Adsense aqui

No campo cirúrgico, os números mostram o impacto na vida dos doentes. Em março de 2025, o relatório do plano Oncostop dava conta de 8 868 doentes oncológicos inscritos para cirurgia, dos quais 1 488 já tinham ultrapassado o TMRG e 180 nem sequer tinham uma cirurgia agendada. O mesmo documento destaca que, desde o início do programa, em junho de 2024, o número de doentes fora do tempo máximo de resposta baixou de 2 645 para zero no final de agosto. Apesar da melhoria, em março ainda havia 258 526 doentes em lista de espera para cirurgia não oncológica. Os resultados mostram que os programas de recuperação cirúrgica conseguem eliminar o atraso num sector, mas o universo total de doentes à espera continua gigantesco.

Prioridades redefinidas e a entrada do setor privado

Perante estes números, o Governo anunciou em junho de 2025 uma revisão profunda do sistema de gestão de listas de espera. O novo modelo reduzirá as quatro categorias de prioridade a apenas duas – urgente e normal, com tempos máximos ainda por definir. O objetivo, segundo Joana Mourão, médica anestesista e responsável pelo sistema atual, é garantir que quem é realmente prioritário tem resposta rápida e que os doentes com prioridade normal passam para uma lista “pool” ordenada por data, área geográfica e prioridade clínica. Estes utentes terão a possibilidade de fazer a cirurgia em hospitais privados ou do setor social caso o SNS não consiga responder atempadamente. O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, alerta para o risco de os privados escolherem apenas os doentes que lhes interessam, mas a responsável pelo sistema garante que a lista ordenada será partilhada com todos e que não será possível “saltar” utentes.

As novas regras integram‑se no Sistema Nacional de Acesso a Consultas e Cirurgias (SINACC), a lançar em setembro de 2025, que promete transparência e igualdade no acesso. Para alguns especialistas, a mudança é indispensável. “Com quatro prioridades diferentes, acabamos por perder foco e perder doentes”, diz Joana Mourão. Para as associações de doentes, a transparência e a comunicação são fundamentais: muitos utentes não sabem em que posição estão na lista e não têm informações claras sobre os seus direitos.

Quando a espera adoece

Seu código Adsense aqui

Por trás das estatísticas há rostos e histórias. Em hospitais como o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (Santa Maria) ou oCentro Hospitalar de São João no Porto, relatos de doentes que esperam por uma cirurgia ortopédica durante mais de um ano são frequentes. A espera prolongada agrava doenças, provoca incapacidade para o trabalho e gera ansiedade. Na oncologia, cada semana conta: atrasos no acesso à primeira consulta ou à cirurgia podem reduzir as hipóteses de cura. “As pessoas sentem‑se abandonadas. É uma sensação de impotência quando vemos os meses a passar e a dor a aumentar”, conta Maria Fernandes, utente de Viana do Castelo, que aguarda uma cirurgia à vesícula há cinco meses. No interior do país, onde a densidade de médicos especialistas é mais baixa, a situação é ainda mais crítica. Hospitais como o de Bragança ou o de Castelo Branco reportam dificuldades em recrutar cirurgiões e anestesistas, o que obriga doentes a deslocarem‑se centenas de quilómetros para serem operados.

Também as listas de espera para consultas têm impacto social. Sem consulta hospitalar, os utentes continuam dependentes de um médico de família que muitas vezes não existe: cerca de 1,6 milhões de portugueses estavam sem médico de família em meados de 2025. A falta de seguimento atempado impede diagnósticos precoces, sobretudo nas doenças oncológicas e cardíacas. A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) verificou que 61,8 % das primeiras consultas de oncologia realizadas no segundo semestre de 2024 ultrapassaram o tempo máximo de resposta e que 53,1 % das consultas de outras especialidades também o fizeram. Estes números mostram que o problema atravessa todo o sistema.

Conclusão: a hora de recuperar a confiança

O drama das listas de espera no SNS traduz‑se em vidas em suspenso e perda de confiança no serviço público. Apesar de programas como o Oncostop terem demonstrado que é possível reduzir rapidamente as esperas em áreas críticas, os dados mostram um volume global de doentes que só diminuirá com uma reforma estrutural. A redução das categorias de prioridade e a criação do SINACC são passos na direção certa, mas exigem financiamento, planeamento e transparência para não se tornarem mera mudança administrativa. Mais do que mobilizar os privados para operar doentes fora de tempo, é urgente reforçar o SNS com profissionais, gestão flexível e mecanismos de prestação de contas. Caso contrário, continuará a ouvir‑se, de Norte a Sul, um lamento que se tornou refrão: “o SNS não me atende”.