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Práticas que dão futuro: a agricultura regenerativa muda a cara do campo português

De Trás-os-Montes ao Alentejo, agricultores portugueses adotam técnicas regenerativas para restaurar solos, aumentar a biodiversidade e enfrentar as alterações climáticas.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
6 Minutos
2025-05-05 15:09:00
Práticas que dão futuro: a agricultura regenerativa muda a cara do campo português

A agricultura portuguesa atravessa uma fase de transição significativa, ainda que silenciosa, marcada por uma reconfiguração progressiva das suas práticas tradicionais em resposta aos desafios ambientais e climáticos contemporâneos. Em diversas regiões do território nacional, estão a ser integradas abordagens regenerativas que visam, simultaneamente, otimizar a produtividade agrícola e restaurar ecossistemas em desequilíbrio, aumentando a resiliência dos sistemas produtivos face às alterações climáticas. Esta tendência reflete uma consciência crítica crescente sobre a necessidade de reavaliar os modelos de produção agroalimentar em função da sustentabilidade ecológica e da equidade socioeconómica.

Alentejo

No Alentejo, a Herdade do Freixo do Meio, situada em Montemor-o-Novo, apresenta-se como um caso paradigmático da transição agroecológica em curso. Sob a orientação de Alfredo Cunhal Sendim, este espaço rural tem vindo a implementar sistemas agroflorestais diversificados, inspirados nos princípios da permacultura, que integram culturas anuais, espécies arbóreas autóctones e pecuária em regime extensivo. Estes sistemas têm demonstrado benefícios tangíveis em termos de incremento da biodiversidade funcional, melhoria da estrutura do solo e aumento da capacidade de retenção hídrica — aspetos particularmente relevantes num contexto marcado por eventos climáticos extremos e escassez hídrica recorrente. A herdade funciona ainda como centro de formação e experimentação agroecológica, recebendo investigadores, estudantes e visitantes interessados em práticas de regeneração agrícola.

Trás-os-Montes

Na região de Trás-os-Montes, em Vila Real, destaca-se o trabalho desenvolvido pelo Regia Douro Park, em articulação com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), no domínio da viticultura regenerativa. Esta colaboração visa testar e validar estratégias agrícolas sustentáveis adaptadas ao contexto vitivinícola do Douro, nomeadamente através da aplicação de coberturas vegetais, rotações culturais e gestão integrada do solo. Dados fornecidos por equipas de investigação da UTAD revelam que estas práticas permitiram melhorar a fertilidade dos solos em cerca de 30% e reduzir em 40% a utilização de pesticidas, mantendo a qualidade enológica das uvas produzidas. Casos concretos, como o da quinta de João Nicolau de Almeida, em Foz Côa, ilustram o potencial destas intervenções para regenerar áreas afetadas por erosão e empobrecimento edáfico.

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Algarve

No Algarve, o projeto "Biggest Mini Forest", coordenado pela associação ambientalista Vita Nativa, propõe uma abordagem inovadora à regeneração ecológica urbana, através da criação de microflorestas comestíveis segundo o método de Akira Miyawaki. Estas intervenções, implementadas em municípios como Loulé e Faro, visam promover a biodiversidade, sequestrar carbono, regenerar solos urbanos compactados e oferecer recursos alimentares acessíveis à população. Desde 2022, mais de quatro mil voluntários participaram na plantação destas microflorestas, que têm demonstrado um crescimento até quatro vezes superior ao verificado em métodos convencionais. A integração destas iniciativas nos planos municipais de ação climática reforça a sua relevância estratégica enquanto resposta sistémica às alterações ambientais.

Do ponto de vista empresarial, verifica-se uma crescente adesão às práticas regenerativas por parte de empresas agroalimentares de grande escala. A Nestlé Portugal, por exemplo, tem desenvolvido projetos-piloto em zonas do Ribatejo e da região Oeste, colaborando com agricultores locais na implementação de modelos de cultivo que preservam a saúde do solo e contribuem para a redução da pegada de carbono. Em 2023, a empresa investiu dois milhões de euros nestas iniciativas. Por sua vez, a Sumol+Compal está a testar soluções agroflorestais nos seus pomares tropicais em Torres Vedras, com o objetivo de articular produtividade, resiliência e sustentabilidade. A academia acompanha esta transformação: a Universidade do Porto lançou um curso de pós-graduação em Agricultura Sustentável e Regenerativa, com apoio da Faculdade de Ciências, da Agrobio, da Quercus e da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR).

Ao nível das políticas públicas, Portugal tem procurado alinhar-se com as metas traçadas pelo Pacto Ecológico Europeu e pela Estratégia do Prado ao Prato. Os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estão a ser mobilizados para financiar projetos de regeneração do solo e reconversão de práticas agrícolas. Segundo o Ministério da Agricultura e da Alimentação, já foram aprovados mais de 70 projetos com foco explícito na regeneração de solos agrícolas, abrangendo uma área superior a 12 mil hectares. O programa ECOMOS, operacionalizado em regiões como o Baixo Alentejo e a Beira Interior, representa uma aposta na integração agroflorestal, promovendo paisagens multifuncionais que conciliam produção, conservação e valor económico.

Considerando que mais de metade do território nacional é ocupado por usos agrícolas e florestais, a disseminação da agricultura regenerativa constitui não apenas uma oportunidade, mas uma responsabilidade coletiva. Embora ainda não dominante, esta abordagem evidencia a viabilidade de modelos produtivos que respeitam os processos naturais, regeneram os recursos ecológicos e promovem equidade social. O envolvimento de múltiplos atores — agricultores, cientistas, decisores políticos, autarquias, associações e cidadãos — será determinante para que Portugal se afirme, nos próximos anos, como um laboratório europeu de inovação agroecológica.

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Ao encarar a terra como um sistema vivo e interdependente, a agricultura regenerativa convida-nos a repensar a relação entre produção e natureza. Este caminho, sustentado pelo conhecimento técnico-científico e pelo compromisso ético com a sustentabilidade, poderá garantir a continuidade da nossa soberania alimentar e ecológica por muitas gerações vindouras.