Aldeias Inteligentes
A Revolução Tecnológica que Redefine o Interior de Portugal O interior de Portugal vive atualmente uma transformação significativa impulsionada por iniciativas inovadoras que procuram combater problemas estruturais como a desertificação e o despovoamento. Estes desafios, que afetam de forma acentuada os territórios rurais, estão a ser enfrentados por meio de soluções integradas baseadas na tecnologia, na sustentabilidade e na participação cidadã. Este movimento, enquadrado no conceito de "aldeias inteligentes" (smart villages), está a emergir como uma estratégia de desenvolvimento territorial com impactos concretos ao nível económico, ambiental e social. De acordo com a PORDATA, entre 1991 e 2021, mais de meio milhão de habitantes deixaram o interior, sendo que mais de 60% dos concelhos do interior têm hoje menos de 10.000 residentes permanentes.
Tamera
A comunidade de Tamera, situada na freguesia de Relíquias, concelho de Odemira, tem vindo a consolidar-se como um modelo de sustentabilidade ecológica e social desde a sua fundação em 1995. Com uma área de aproximadamente 150 hectares, Tamera alberga cerca de 160 membros permanentes, número que pode aumentar para 250 durante períodos de formação e eventos, acolhendo visitantes e estudantes de diversas nacionalidades.
Um dos principais contributos de Tamera para a região é a implementação de uma paisagem de retenção de água, desenvolvida em colaboração com o especialista em permacultura Sepp Holzer desde 2007. Esta iniciativa tem demonstrado eficácia na regeneração do solo e na promoção da biodiversidade local, servindo como modelo replicável para outras áreas do Alentejo afetadas pela desertificação.
Além dos benefícios ambientais, Tamera tem promovido o intercâmbio cultural e educativo com a população local. Através de programas de voluntariado, cursos e eventos abertos, a comunidade tem facilitado a partilha de conhecimentos em áreas como agricultura sustentável, energias renováveis e construção ecológica. Este envolvimento tem contribuído para o fortalecimento das relações comunitárias e para o desenvolvimento de competências entre os residentes da região.
Em termos de infraestrutura, Tamera tem investido na construção de edifícios sustentáveis, utilizando materiais locais e técnicas de bioconstrução. Estas práticas não só minimizam o impacto ambiental, como também servem de exemplo para projetos similares na região, incentivando a adoção de métodos de construção mais ecológicos.
A colaboração entre Tamera e as autoridades locais, nomeadamente através do Plano de Intervenção em Espaço Rural (PIER), tem sido fundamental para a integração da comunidade no contexto regional. Este plano visa harmonizar as atividades de Tamera com as diretrizes de ordenamento do território, promovendo um desenvolvimento sustentável e respeitador do meio ambiente. Tamera tem desempenhado um papel significativo na promoção da sustentabilidade e na revitalização do interior de Portugal, servindo como exemplo de como comunidades intencionais podem contribuir positivamente para o desenvolvimento regional.
BuzzStreets
Inovação Digital com ADN Nacional A BuzzStreets, criada por João Fernandes, é uma startup portuguesa especializada em soluções de navegação indoor que utiliza a tecnologia Bluetooth Low Energy (BLE) para orientar pessoas em espaços fechados. Com escritórios em Lisboa e Londres, a empresa tem desenvolvido aplicações que já foram integradas em unidades de saúde como o Hospital de São Francisco Xavier e o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Mais recentemente, a BuzzStreets tem vindo a trabalhar com autarquias do interior para explorar a utilização da sua tecnologia em centros de saúde locais, postos de atendimento público e espaços culturais, facilitando a acessibilidade digital em territórios com populações envelhecidas e de baixa densidade.
Living Lab
Ciência e Inovação ao Serviço do Mundo Rural As universidades portuguesas desempenham um papel central na dinamização das aldeias inteligentes. A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, lidera o projeto "Living Lab UTAD", uma iniciativa que funciona como um campus aberto de experimentação tecnológica em contexto rural. Neste ecossistema, testam-se soluções em agricultura de precisão, mobilidade elétrica, eficiência hídrica e sistemas de energia renovável.
Em 2023, o Living Lab acolheu mais de 30 pilotos em parceria com centros de investigação europeus e startups nacionais, promovendo uma ligação direta entre conhecimento académico e aplicação no terreno. A Universidade de Évora, através do Instituto Mediterrânico para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento (MED), tem desenvolvido ferramentas baseadas em sensores e inteligência artificial para monitorização ambiental e otimização de recursos em explorações agrícolas alentejanas.
No Algarve, o projeto "SmartRural21" está a ser dinamizado pela Universidade do Algarve em colaboração com parceiros europeus. Este projeto envolve 21 aldeias de vários países numa rede transnacional de troca de boas práticas, incluindo Alcoutim, que aposta na digitalização de serviços e na reativação do tecido económico local.
Casos como o de Rio de Onor, em Bragança, ilustram a coexistência entre património imaterial e inovação tecnológica. Com apoio do Instituto Politécnico de Bragança, a aldeia tem vindo a desenvolver iniciativas que passam pela digitalização do acervo cultural, melhoria da eficiência na gestão hídrica e criação de plataformas para atrair visitantes de forma sustentável.
O Futuro do Interior: Entre Desafios e Oportunidades Apesar dos avanços, subsistem constrangimentos estruturais. Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que 85% dos jovens residentes no interior consideram mudar-se para centros urbanos devido à escassez de oportunidades laborais e de formação especializada. A carência de redes de comunicação rápida e de equipamentos coletivos limita o potencial de fixação de população.
No entanto, a emergência de redes colaborativas como a Rede Portuguesa de Aldeias Inovadoras (RPAI), criada em 2022, tem vindo a estimular sinergias entre autarquias, instituições de ensino superior, startups tecnológicas e associações locais. A aposta em programas de capacitação digital, empreendedorismo social e sustentabilidade está a abrir novas perspetivas para a transformação inclusiva do mundo rural.
A revitalização do interior português exige uma abordagem multidisciplinar, com envolvimento das comunidades locais, apoio institucional e uma visão a longo prazo. O equilíbrio entre herança cultural e modernização tecnológica pode constituir a base para um modelo de desenvolvimento territorial justo, resiliente e adaptado às exigências do século XXI.