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Moradores 'Metem' Câmaras Para Defender Aldeias do Fogo, Roubos e Abandono

Em várias localidades portuguesas, habitantes recorrem à videovigilância comunitária para proteger as suas terras e bens, enfrentando desafios legais e sociais.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
5 Minutos
2025-05-12 08:31:00
Moradores 'Metem' Câmaras Para Defender Aldeias do Fogo, Roubos e Abandono

Em muitas aldeias portuguesas, de Trás-os-Montes ao Alentejo profundo, cresce um fenómeno silencioso mas revelador: a instalação de câmaras de videovigilância por iniciativa dos próprios moradores.

A insegurança, aliada ao esvaziamento humano que fustiga o interior há décadas, levou habitantes de localidades como Vale da Senhora da Póvoa, em Vila Velha de Ródão, ou São Martinho das Amoreiras, em Odemira, a avançarem com a colocação de sistemas de vigilância rudimentares — muitas vezes adquiridos por valores a rondar os 200 a 500 euros, pagos do próprio bolso.

Maria da Luz Fernandes, de 68 anos, natural de Alfândega da Fé, conta que após dois arrombamentos em casas vizinhas, decidiu instalar uma câmara no alpendre da sua moradia: "Não é por mal, mas eu durmo melhor sabendo que se alguém se meter por aqui, fica gravado. Não podemos esperar que venham patrulhas todas as noites."

De facto, de acordo com dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023, o número de efetivos da GNR destacados para freguesias com menos de 500 habitantes caiu 12% na última década. Em contrapartida, os registos de furto em residências rurais aumentaram 7,6% no mesmo período, sobretudo em zonas do Centro e Norte do país.

A instalação destas câmaras levanta, no entanto, sérias questões legais e éticas. A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) tem reforçado que qualquer sistema de videovigilância com captação de imagem da via pública carece de autorização do Ministério da Administração Interna e não pode, em circunstância alguma, invadir a privacidade de terceiros.

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Contudo, o descompasso entre a legislação e a realidade vivida no terreno é evidente. Em aldeias como Campelo, nos arredores de Baião, pequenos consórcios de moradores têm recorrido a plataformas como o WhatsApp para organizar rondas e partilhar imagens captadas por câmaras instaladas em casas e armazéns.

José Martins, presidente da Junta de Freguesia de Benfeita, no concelho de Arganil, reconhece que embora "não haja cobertura legal para muita coisa que os moradores fazem, também não há policiamento suficiente para impedir que se sintam vulneráveis."

Para o Observatório de Segurança Rural da Universidade de Coimbra, este é um sintoma de um problema maior: o afastamento dos serviços públicos do interior e a consequente erosão da confiança institucional. Segundo o estudo mais recente do Observatório, 63% dos residentes em zonas rurais sentem que "a sua segurança depende apenas da sua comunidade".

É nesse vazio de resposta que nasce esta "vigilância de proximidade", quase sempre improvisada, quase sempre legalmente cinzenta, mas quase sempre bem-intencionada. Há, inclusive, autarquias como a de Sabugal que estudam protocolos para implementar sistemas partilhados de videovigilância em parceria com os habitantes, tentando contornar os constrangimentos legais através de soluções colaborativas.

Em última análise, a videovigilância comunitária é mais do que uma resposta ao medo — é um reflexo da luta pela permanência. Uma forma de dizer: "aqui ainda há gente".

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Num país onde mais de 60% das aldeias têm menos de 100 habitantes e onde se prevê que mais de 30% destas possam desaparecer até 2040, segundo dados do INE, cada gesto para proteger o que resta é, por si só, um acto de resistência.

Enquanto o Estado debate procedimentos e autorizações, muitos portugueses nas aldeias continuam, em silêncio e com os meios ao seu alcance, a guardar o que é seu — com uma câmara no poste, um grupo de WhatsApp no bolso, e um olhar atento sobre o que resta do seu mundo.