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Portugal Fora do GPS: As Terras Que o Google Ainda Não Consegue Encontrar

Existem localidades reais em Portugal que continuam invisíveis nos mapas digitais. A exclusão tecnológica está a afectar o turismo, os serviços e a identidade de pequenas comunidades.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
8 Minutos
2025-05-24 19:59:00
Portugal Fora do GPS: As Terras Que o Google Ainda Não Consegue Encontrar

Em pleno século XXI, quando parece que tudo está ao alcance de um clique, há ainda recantos de Portugal que permanecem invisíveis aos olhos da tecnologia. Não estamos a falar de mitos ou lendas, mas de localidades reais, habitadas, com história e identidade própria, que simplesmente não aparecem nos mapas digitais mais usados do mundo, nomeadamente o Google Maps.

São aldeias, lugares e povoamentos inteiros que, apesar de constarem nos registos oficiais da Direção-Geral do Território (DGT), não têm presença online. E o problema não é apenas simbólico. A invisibilidade digital está a trazer conseqüências reais: complica o acesso a serviços de emergência, trava o turismo rural, invisibiliza pequenos negócios e, em última instância, fragiliza a própria identidade territorial.

Aldeias reais que continuam "fora do mundo"

Quem chega à localidade de Espinhosela, em Bragança, repara logo na paisagem bucólica, nas casas em pedra e no chafariz antigo junto à capela. Mas tente lá colocar no GPS. O resultado? Ou não aparece, ou surge a quilómetros do local real. É o que acontece também em Montes Velhos (Almodôvar), Martim Branco (Castelo Branco), Ribeira do Côvo (Vinhais) ou Soajo (Arcos de Valdevez), onde as indicações só chegam através da memória colectiva e do boca-a-boca.

Joana Pereira, residente em Vimieiro (Arraiolos), explica-nos com um sorriso resignado: "O carteiro novo vem com o GPS e perde-se sempre. Nós já temos o hábito de ir ter com ele à estrada principal para lhe entregar a rota correcta."

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Um problema que trava vidas e economias locais

A ausência destas localidades nos mapas digitais representa mais do que um desconforto logístico. Segundo dados recolhidos pelo Observatório das Comunidades Rurais, estima-se que cerca de 8% das freguesias em território nacional possuem zonas parcialmente ou totalmente ausentes do Google Maps. Isto afecta directamente mais de 350 mil pessoas, na sua maioria idosos ou famílias que optaram por regressar ao campo.

Sofia Andrade, proprietária da casa de turismo rural "Monte da Sofia", em Montes Velhos, perdeu três reservas no último verão. "Os clientes diziam que o lugar não existia. Achavam que era golpe. Tive de gravar um vídeo a mostrar a estrada e enviar pelo WhatsApp para provar que o local é real."

O impacto estende-se também aos serviços essenciais. Os Bombeiros Voluntários de Monchique relatam várias situações de atraso em ocorrências por falta de coordenadas. "Houve um caso de AVC em plena Serra de Monchique em que demorámos mais 11 minutos a chegar porque a morada estava fora do mapa. Numa emergência, 11 minutos são uma eternidade", afirma Miguel Rosado, comandante.

A quem cabe a responsabilidade de mapear Portugal?

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A Google Portugal, contactada pelo Deep Report News, limitou-se a indicar que os utilizadores podem sugerir edições manuais no Google Maps, mas reconheceu que "nem todas são aprovadas em tempo útil". Já o Instituto Geográfico Português e a Direcção-Geral do Território garantem que fornecem os dados oficiais, mas que a integração com plataformas privadas depende destas.

Ricardo Matos, investigador em SIG na Universidade de Aveiro, aponta a raiz do problema: "Portugal tem mais de 25 mil microtopónimos que nunca foram digitalizados. Muitos foram herdados oralmente e estão em risco de desaparecer para sempre se não forem registados."

O saber local como ferramenta de resistência

A solução pode, em parte, vir das próprias comunidades. Em Meimoa, uma aldeia do concelho de Penamacor, a junta de freguesia criou um site local com QR codes distribuídos pelas entradas das ruas, permitindo aos visitantes aceder a mapas alternativos. Jorge Valente, presidente da junta, afirma: "Estamos a fazer o que o Estado devia ter feito. Se não nos tornamos visíveis por conta própria, acabamos esquecidos."

A Universidade do Minho, em colaboração com a ANAFRE, lançou o projecto piloto "Cartografar a Memória", onde alunos de Geografia ajudam freguesias a digitalizar nomes locais e rotas, com recurso a entrevistas a anciãos e georreferenciação por drone.

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Tecnologia não é sinónimo de inclusão

Num país que se gaba de ser referência em transição digital, a exclusão tecnológica de territórios inteiros é um contrassenso gritante. É urgente que o discurso sobre "smart cities" e "digitalização" seja acompanhado por ações concretas que incluam o Portugal rural. Afinal, a modernidade não se mede apenas pelo 5G ou pelas apps de mobilidade, mas também pela capacidade de garantir que ninguém fica para trás.

Como bem resume o geógrafo António Figueiredo: "Não basta que Portugal esteja no mapa da Europa. É preciso que cada recanto esteja no mapa de Portugal."