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Férias? Só No Sonho: Milhares de Portugueses Não Vão a Lado Nenhum, Excluídos do Turismo

Conheça as histórias de quem nunca viajou fora da sua cidade — de Alfândega da Fé a Matosinhos — e perceba como a falta de acesso ao turismo reflete desigualdades sociais em Portugal.

Mariana Duarte Coelho Mariana Duarte Coelho Jornalista de Viagens, Lifestyle, Entretenimento e Esportes | Porttugal
6 Minutos
2025-06-13 12:18:00
Férias? Só No Sonho: Milhares de Portugueses Não Vão a Lado Nenhum, Excluídos do Turismo

O Fenómeno Invisível

Em pleno ano de 2025, enquanto Agências de Viagens como a Abreu e operadores turísticos regionais celebram o regresso dos visitantes a destinos emblemáticos, subsiste um grupo silencioso de portugueses que nunca pôs os pés fora da sua terra natal. Segundo dados do Inquérito ao Turismo Interno do Instituto Nacional de Estatística (INE), cerca de 7% da população adulta, somando mais de 400 000 pessoas, não realizou qualquer deslocação turística nos últimos dez anos. Esta “geração sem mola” — expressão cunhada nas mesas das pastelarias de Santa Comba Dão — vive em cidades e aldeias desde Mirandela, no distrito de Bragança, até Gondomar, no Grande Porto, sem nunca ter carimbado um passaporte ou trocado o conforto do café da esquina pela recepção de um hotel.

Os motivos são variados: austeridade económica, falta de informação, encargos familiares ou simples rendimentos abaixo do limiar que permitam poupanças para uns dias fora. Em Vale de Cambra, a professora reformada Isabel Ferreira confessa não ter “nem uma fotografia fora do distrito de Aveiro”: “Mesmo quando a neta me pedia para irmos ‘lá fora’, acabava por dizer que não tinha dinheiro para a gasolina.” Já em Alfândega da Fé, no interior transmontano, o operário metalúrgico Luís Carvalho descreve o sonho de uma única escapadela ao Douro Vinhateiro, mas admite que as contas de electricidade de casa e a renda do arrendamento em Lisboa nunca o deixaram poupar “nem para um café em Pinhão”.

Vozes sem Mala e sem Carimbo

Numa tarde soalheira na marquise da Universidade do Porto, a socióloga Marta Sousa apresenta o resultado de um estudo pioneiro sobre exclusão turística: “Não estamos apenas a falar de lazer negado, mas de um indicador de desigualdade estrutural. As deslocações turísticas estão associadas a redes de contacto, mobilidade social e literacia cultural.” Para ilustrar, Marta refere três perfis típicos: o jovem desempregado em bairro-dormitório de Queluz, a família humilde de três gerações em Felgueiras onde o pai abdica de férias para sustentar os filhos, e o idoso de 82 anos em Castro Daire que nunca viu o mar.

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Em articulação com o Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra, o inquérito salienta que, em muitas freguesias do interior — como as de Moncorvo e Mogadouro — o transporte público é tão escasso que sequer permitem uma viagem de autocarro até à capital de distrito. O resultado prático é que dezenas de habitantes de aldeias como Passos Soares ou Ermelo, no distrito de Viseu, nunca atravessaram as fronteiras municipais.

As testemunhas ajudam a dar rosto a estes números frios: na Rotunda dos Combatentes, em Matosinhos, o auxiliar de limpeza Pedro Santos, de 47 anos, confessa ter o sonho de ir até à Nazaré para ver as ondas gigantes, mas sente-se “prisioneiro do salário mínimo” do restaurante onde trabalha desde 1998. Já em Lagos, no Algarve, a cuidadora Laura Pinto diz que “nunca precisou de ir de férias”, mas reconhece que “não se sente parte desse mercado turístico que ajuda a manter a economia local”.

Impacto Social e Perspetivas para o Futuro

A falta de férias e de mobilidade turística não é apenas um problema individual: afeta a coesão social e a economia local. Segundo a Associação Portuguesa de Agências de Viagens (APAVT), o turismo interno representa já 35% do total de dormidas em alojamento local, mas exclui estratos vulneráveis da população. Para a economista Sofia Costa, da Universidade de Lisboa, “crescerá se implementarmos programas de turismo acessível, com descontos sociais e acordos entre câmaras municipais e empresas de transporte, tal como se faz em Espanha com o bono turístico em Andaluzia”.

Na prática, já surgem iniciativas pontuais em concelhos como Montemor-o-Novo, onde o município lançou passes de autocarro a 10 € anuais para residentes +65, e em Vila Real, que em parceria com o Turismo do Porto e Norte oferece experiências de enoturismo a custos simbólicos para famílias numerosas. Ainda assim, faltam políticas nacionais articuladas, como propostas no último Orçamento de Estado, que aguardam aprovação na Assembleia da República.

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Para além da vertente económica, a exclusão turística propicia impactos na saúde mental e na literacia cultural. A psicóloga clínica Helena Gonçalves, de Coimbra, alerta para o risco de isolamento e diminuição da autoestima associada a nunca “sair da mesma rotina”. Já o historiador António Marques, da Universidade do Minho, defende que “a mobilidade geográfica amplia horizontes culturais e fortalece o sentido de pertença a um país diverso”.

Enquanto isso, histórias como as de Isabel, Luís e Pedro permanecem semi-ocultas nas suas comunidades. Fica, porém, o desafio ao poder político, às empresas e às próprias famílias: como tornar as férias um direito efetivo e não um privilégio de poucos? Até lá, Portugal continuará a ter uma parcela significativa de cidadãos com férias nunca tidas.