Descobrir as Pegadas Celtas-Lusitanas pelo País
Cá entre nós, quantos de nós já nos perguntámos quem andou por estas terras antes de setecontinhos e de táxis? Portugal está salpicado de vestígios de um povo orgulhoso e livre, cujas aldeias de pedra, os chamados castros, nos sussurram histórias há mais de dois milénios. São mais de 800 sítios arqueológicos identificados no território nacional, desde o Alto Minho até às encostas da Serra da Estrela, e braços de voluntários, historiadores e autarcas têm vindo a dar-lhes nova vida.
No concelho de Macedo de Cavaleiros, o Castro de São Lourenço ergue-se a cerca de 750 metros de altitude, dominando o vale do Rio Sabor. Foi ali que, em setembro de 2023, a equipa da Dra. Catarina Sousa, do Instituto de Arqueologia da Universidade de Lisboa, desenterrou mais de 120 fragmentos de cerâmica pintada e 38 pontas de flecha em silex, algumas com mais de 2 200 anos. O projeto, cofinanciado em 350 000 euros pelo COMPETE 2020, contou ainda com a colaboração da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) e da Associação para o Desenvolvimento Integrado de Macedo de Cavaleiros (ADIMAC), que organiza, todos os verões, visitas guiadas gratuitas.
Mais a sul, em Penafiel, ergue-se o Castro do Monte Mozinho, palco de aulas a céu aberto. A startup “Raízes Celtas Portugal”, fundada em 2022 pelo historiador Bruno Machado e pela engenheira agrícola Sara Matos, oferece agora 12 000 bilhetes anuais para visitas interativas, onde se reencontram técnicas de construção megalítica e o velho pão de milho de Amarante. Os números não enganam: as visitas triplicaram desde 2021 e representaram um incremento de 27 % no turismo rural naquela região.
Em Zambujal, freguesia de Torres Vedras, a Fundação Arqueológica e o CEAPA (Centro de Estudos de Arqueologia e Património do Vale do Ave) levaram para a praça pública um projeto inovador de “arqueologia comunitária”. Em parceria com o município e com o apoio da Câmara Municipal de Torres Vedras, foram devolvidos ao público 5 500 metros quadrados de muralhas defensivas e silos agrícolas datados do século III a.C. Mais de 2 500 visitantes participaram nas escavações experimentais em 2024, impulsionando um aumento de 18 % nas dormidas naquela terra.
Roteiros e Experiências Autênticas que Tocam o Coração
Se o seu espírito já está a fervilhar de curiosidade, prepare as botas: a empresa Via Celtarum, com sede em Castro Daire, lançou em 2024 pacotes de três dias que combinam estadias em casas de pedra centenárias (o turismo rural “Casas do Castro”) com workshops de forja de machados celtas. É o artesão Luís Fernandes, galardoado pela Associação Portuguesa dos Tecelões Históricos, quem nos ensina a moldar ferro à moda antiga — e, de lambreta, ficamos a conhecer também o arroz do Alto Douro e o azeite verde-limão de Trás-os-Montes.
Em Braga, o guia turístico João Pereira, natural de Barcelos, desenhou o “Trilho das Mil Culturas”: a bordo de uma bicicleta elétrica, percorre-se o centro histórico, com paragem na Capela de São Bento, seguidamente chega-se ao miradouro de Nossa Senhora do Sameiro, e, finalmente, ao Castelo de Penedono, já no distrito de Viseu. Aqui, uma refeição com cozido à portuguesa, caldo verde e castanhas assadas — pratos que remontam ao imaginário dos lusitanos — prepara-nos para o lusco-fusco, quando as estrelas nascem acima das ruínas.
Em Viana do Castelo, todos os meses de julho, o Festival Encontros Celtas transforma o Monte de Santa Luzia num palco de recriações históricas. Este ano, participaram 150 reencenadores vindos de Irlanda, Galiza e do nosso Minho, contando-se 3 000 visitantes nos cinco dias de festa. A Escola de Música Tradicional de Monção trouxe gaitas-de-fole e adufes, enquanto o artesanato local expôs 200 peças de ferro, vidro soprado e cerâmica — tudo marcado a fogo, tal como nos tempos ancestrais. Entre um trago de vinho verde do Minho e uma colherada de mel de rosmaninho da Serra d’Arga, a ligação entre passado e presente revela-se na última nota de gaita.
Entre Ruínas, Rebanhos e Sabores que Reconfortam
O turismo de herança não se fica pelas pedras; celebra também os sabores que modelaram Portugal. Em Seia, a Cooperativa de Apicultores Serra da Estrela abriu em junho uma casa de mel junto ao Abrigo da Reboleira, onde se podem degustar 12 variedades diferentes, desde o mel de urze ao mel de castanheiro. Os números são claros: só em 2024 venderam 25 toneladas, gerando receitas de 180 000 euros e criando emprego para 15 famílias locais.
Em Vila Nova de Tazém, dentro do concelho de Oliveira do Hospital, o Instituto Politécnico de Viana do Castelo organizou provas comentadas de queijo Serra da Estrela no antigo Mosteiro de Lorvão, em colaboração com a Cooperativa de Queijeiros da Serra. Foram servidas mais de 400 degustações, acompanhadas de broa de Avintes e do vinho tinto da Bairrada, numa viagem ao palato que ecoa o modo de vida dos pastores lusitanos.
Já em Coimbra, a Associação de Turismo de Aldeias do Xisto estreou, no início de 2025, um roteiro gastronómico que combina o ensopado de borrego com ervas aromáticas da Lousã (sábio, tomilho e rosmaninho) e pão de centeio com sementes de cominho, numa homenagem aos banquetes de colheita dos castrejos. Mais de 1 200 visitantes experimentaram estes pratos nos meses de abril e maio, refletindo uma subida de 22 % no interesse pelo turismo rural.
Para quem prefere a comodidade dos grandes centros urbanos, o Hotel Solverde Spa & Wellness Center, em Espinho, desenvolveu um “pacote imersão celta”. Por 250 euros por noite, cada hóspede usufrui de tratamentos de lama terapêutica inspirados em receitas medievais do Archivo da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra e de massagens com óleos de salgueiro-reino. Este programa piloto acolheu 600 turistas estrangeiros só no primeiro trimestre de 2025.
Olhar para o Futuro: Porquê Valorizar as Nossas Raízes?
Não se trata apenas de dar show aos turistas: é preciso compreender que reavivar as pegadas dos Celtas-Lusitanos pode ser um trampolim para combater a desertificação do interior. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, mais de 250 freguesias portuguesas perderam 15 % da população entre 2011 e 2021. Ao apostar em turismo cultural — que, em 2024, cresceu 30 % em comparação com o ano anterior, segundo dados do Turismo de Portugal —, as autarquias ganham fôlego para manter escolas, centros de saúde e pequenos negócios.
Em Belmonte, a Câmara Municipal, em conjunto com a Universidade da Beira Interior, transformou cinco casas brasonadas em espaços expositivos e alojamentos locais. Foi aqui que, em março de 2025, se realizou o 1.º Encontro Ibérico de Ética Patrimonial, reunindo 80 investigadores de Espanha e Portugal para debater boas práticas de conservação. Os pastores do Zêzere e os pescadores do Tejo deram oficinas sobre criação de gado ao ar livre e produção artesanal de sal marinho, permitindo aos visitantes aceitar o desafio de serem, eles próprios, guardiões da memória.
É urgente perceber que cada moeda deixada num café típico de Cabeça, cada noite pernoitada em casa de família em Castro Laboreiro, e cada oficina de tecelagem em Melgaço contribuem para um modelo de turismo regenerativo, que não explora, mas antes revive o território. Valorizar o que temos — as pedras, as vozes, os cheiros — é garantir que este património milenar não seja apenas uma lufada de vento, mas um sopro vivo nas veias das nossas aldeias e cidades.