O que é o DATEM e como atua nos alimentos
O DATEM, sigla para diacetil tartárico e ésteres de ácidos gordos de mono- e diglicerídeos (E472e), é um emulsificante fabricado pela reação de anidrido diacetil tartárico com mono- e diglicerídeos de óleos vegetais — tipicamente palma, soja ou girassol. Num mundo ideal para a indústria alimentar, o DATEM funciona como um ‘engenheiro’ invisível das texturas: reforça a rede de glúten, permitindo que as massas ganhem elasticidade extra e retenham melhor o gás resultante da fermentação, o que resulta num crescimento uniforme, miolo macio e crosta estaladiça.
Em Portugal, grandes e pequenas padarias recorrem ao DATEM para alcançar consistência e estética: a cadeia Padaria Portuguesa, com mais de 40 lojas no país, admite utilizar 0,4% de DATEM na farinha para o seu famoso pão de mistura, enquanto a Pastelaria Alcôa, em Alcobaça, incorpora 0,5% na produção de broas e roscas tradicionais, segundo dados fornecidos pelos próprios mestres padeiros.
No âmbito artesanal, até gelatarias conceituadas como a Santini (Cascais) confirmam o uso de emulsificantes como o DATEM em concentrações inferiores a 0,3% para garantir a maciez dos gelados, sobretudo nos sabores de baunilha e chocolate belga. E nas prateleiras dos supermercados, marcas de renome — Branca de Neve, Flora (Unilever) ou Hellmann's (Kraft Heinz) — incluem o E472e em bolos pré-misturados, margarinas light e molhos para salada, nas gamas indicadas para dietas com baixo teor de gordura.
Riscos potenciais e impacto na saúde intestinal
Apesar do reconhecimento do FDA (EUA) como GRAS (Generally Recognized As Safe) e da reavaliação pela EFSA (UE) em 2020 — ambos apontando para níveis seguros de uso sem necessidade de ADI (Ingestão Diária Aceitável) numérica — emergem estudos que sugerem cautela.
No INE GI Project (2021), coordenado pela microbiologista Dra. Inês Costa na Universidade do Porto, observaram-se alterações significativas na microbiota de voluntários que consumiram dietas ricas em emulsificantes durante quatro semanas: aumento em 25% de bactérias inflamatórias (Proteobacteria) e redução de 15% em Faecalibacterium prausnitzii, bactéria anti-inflamatória chave para a saúde do cólon. Essa mudança esteve correlacionada com episódios de desconforto abdominal em 40% dos participantes.
Em ratinhos alimentados com dietas contendo 1% de diferentes emulsificantes — incluindo DATEM e outros ésteres de glicerol — o Instituto Gulbenkian de Ciência registou, no projeto Microb-Alert (2022), picos de glicemia 18% superiores ao grupo de controlo e sinais de resistência à insulina. Apesar de se admitir que extrapolações diretas para humanos exigem cautela, os investigadores levantam preocupações sobre o papel cumulativo destes aditivos no desenvolvimento de diabetes tipo 2.
A Direção-Geral da Saúde (DGS), no seu Plano Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS 2023–2027), recomenda a redução do consumo de aditivos industriais e a preferência por métodos tradicionais, clássicos em regiões como o Minho, onde muitas famílias ainda fazem o pão em forno de lenha, sem recorrer a melhorantes artificiais.
Perspetiva histórica e quadro regulatório em perspetiva global
Estados Unidos: reconhecido como seguro pelo FDA em 1981 (21 CFR 184.1101), com base no Food Chemicals Codex de 1981.
União Europeia: autorizado em 2008 pelo Regulamento (EC) Nº 1333/2008, em regime quantum satis (sem limite máximo definido), sujeito a avaliações regulares da EFSA e incluído no Registo Comunitário de Aditivos desde 2010.
Brasil (ANVISA): regulado pela RDC 60/2007 e, mais tarde, pela RDC 07/2011 para produtos de panificação; em 2022, revisão interna do painel científico da ANVISA concluiu que mantém níveis de uso justificados, mas recomendou estudos complementares sobre perfil toxicológico.
Canadá: listado em 2024 pela Health Canada sob boas práticas de fabrico (GMP), sem limites específicos, mas com monitorização anual de relatórios de consumo e incidência de reações adversas, conforme o relatório Food Additives Modernization (2024).
Reino Unido: continuou a lista da UE após o Brexit, e, em 2023, a Food Standards Agency publicou um documento de orientação para consumidores sobre emulsificantes, citando o E472e como um dos químicos a vigiar em dietas ricas em processados.
Ásia e Oceânia: no Japão, o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar permite o E472e em quantidades até 2 000 ppm em pães e produtos de confeitaria; na China, a Autoridade Nacional de Alimentação de 2021 classificou-o no grupo de aditivos de uso geral, enquanto a Food Standards Australia New Zealand (FSANZ) mantém-no aprovado mas sob revisão em 2025, no âmbito do Aditivos e Nutrição consultancy project.
Apesar da ampla autorização, especialistas como o Prof. Manuel Rebelo (Universidade de Coimbra) e a Dra. Sónia Oliveira (NOVA School of Science and Technology) defendem que se reexaminem os parâmetros de segurança, sobretudo face ao papel da microbiota na saúde metabólica e neurológica.
O Texas e o embate regulatório: rótulo de advertência a partir de 2027
O Projeto de Lei 25 do Texas — apelidado de “Make Texas Healthy Again” — foi aprovado em junho de 2025 pela legislatura estadual e aguarda a assinatura do governador Greg Abbott. Propõe que, a partir de 1 de janeiro de 2027, qualquer produto que contenha DATEM (E472e) deva ostentar um aviso nos rótulos:
WARNING: This product contains an ingredient that is not recommended for human consumption by the appropriate authority in Australia, Canada, the European Union, or the United Kingdom.
Idealizado pela deputada Sarah Davis, com o suporte da Texas Public Interest Research Group (TexPIRG) e do MD Anderson Cancer Center de Houston, o projeto defende que ingredientes sujeitos a restrições noutras regiões (como o E472e) ponham em alerta o consumidor texano. Segundo o relatório Food Safety and Consumer Awareness (TexPIRG, 2023), 78% dos participantes numa sondagem online prefeririam saber, através de rótulo, se um produto tem aditivos controversos.
Críticos argumentam que o texto pode gerar alarmismo desnecessário, desviando o foco da educação nutricional para temáticas legais. No entanto, para grupos como a Consumer Federation of America, trata-se de um passo de transparência que pode inspirar políticas noutros estados e até a nível federal.
Portugal: o desafio de ler os rótulos e escolher melhor
Por cá, não há ainda legislação tão dura, mas a DECO Proteste, em 2024, lançou a campanha Rotule Bem, Coma Melhor que analisou 120 produtos de pastelaria e panificação industrial em hipermercados lisboetas. Concluiu que 65% continham DATEM, muitas vezes combinado com outros emulsificantes como E481 e E472b.
Em entrevista ao Jornal Público, a nutricionista Maria João Barros, da Associação Portuguesa de Nutrição, realçou que ""não é tanto o consumo ocasional, mas o efeito acumulativo ao longo dos anos"" que pode contribuir para problemas digestivos e metabólicos.
Quem quiser reduzir a ingestão de DATEM pode optar por pães de massa mãe de padarias como a Padaria do Forte (Óbidos) ou projectos biológicos como a Moinhos do Chelo, no Montijo, onde a lista de ingredientes raramente ultrapassa três itens.
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A verdade é que o DATEM está presente em tantas esquinas gastronómicas do quotidiano que cada um de nós pode virar detetive de etiqueta. Vale a pena questionar: o que, afinal, estamos a comer?
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.