O Essencial: o que é o Dioctyl Sodium Sulfosuccinate (DSS)?
O DSS, frequentemente designado docusato de sódio na indústria farmacêutica, é um surfactante aniônico de origem sulfosuccínica, conhecido pelo seu número INS 480 no Codex Alimentarius. Enquanto aditivo, assume papéis de emulsificante, umectante e agente de molhamento, propriedades que o tornam tão versátil que se encontra em produtos tão díspares quanto gelatinas instantâneas e revestimentos de embalagens alimentares. Nos Estados Unidos, a FDA inclui-o no inventário “Substances Added to Food” (EAFUS) como Generally Recognized as Safe (GRAS), estabelecendo critérios detalhados em 21 CFR 172.810 para alimentos e em 21 CFR 175.105–175.310 para materiais de contacto alimentar, salvaguardando limites de concentração e condições de uso.
Em Portugal, o consumidor cruzou-se com o DSS sem dar conta: está presente nas gôndolas do Continente e Pingo Doce sob forma de gelatinas Royal da Nestlé, pudins Dr. Oetker, bases de gelados Igloo e Lusogel, bem como num sem-fim de refrescos em pó como os da Yoki e da marca britânica Tang. Na Auchan, chegam a identificar-se molhos cremosos para saladas e queijos processados que listam DSS logo após o sal e os aromas artificiais.
Impactos no organismo: efeitos e riscos ampliados
Uso médico versus exposição alimentar diária
Na farmácia, o docusato de sódio é comercializado sob nomes como Colace®, Surfak® e Donnatil®, indicado para obstipação ocasional. Atua ao reduzir a tensão superficial das fezes, facilitando a entrada de água e amaciando-as, com resultados em 24 a 72 horas. Porém, a revisão Cochrane de 2015 concluiu que, face a laxantes de fibra – psyllium, farelo de trigo – ou mesmo a placebos, o docusato não apresentou eficácia estatisticamente significativa, levantando dúvidas entre gastroenterologistas do Hospital de São João, no Porto, sobre a sua real more-effectiveness como primeira linha de tratamento.
Toxicidade aguda, crónica e estudos de microbiota
Relatórios do Programa Internacional de Segurança Química da OMS apontam DL₅₀ orais em roedores entre 2,64 g/kg e 5,7 g/kg, valores que, traduzidos em gominhas de gelatina, equivaleriam a ingestão de várias centenas de quilos de sobremesa – cenário praticamente impossível. Contudo, investigações recentes do Instituto Gulbenkian de Ciência sugerem que surfactantes podem perturbar a barreira intestinal e modificar a composição da microbiota, favorecendo bactérias pro-inflamatórias como Enterobacteriaceae. Ainda que não haja evidências diretas de risco carcinogénico, os investigadores de Oeiras alertam para a necessidade de novos estudos clínicos antes de descartar efeitos de longo prazo.
Relatos clínicos e casos em Portugal
No Hospital de Santa Maria, em Lisboa, o Núcleo de Farmácia registou em 2024 um aumento de 15% nos internamentos por complicações de laxantes em utentes de lares, incluindo hipocalemia e desidratação grave, especialmente em residências geriátricas de Cascais e Amadora. A Ordem dos Farmacêuticos emitiu comunicado a 12 de março de 2024, recomendando maior fiscalização no aconselhamento da toma de Colace® e Surfak® sem prescrição.
Efeitos adversos: diarreia, cólicas e desequilíbrios
Consumidores relatam cólicas intensas, náuseas persistentes e episódios de diarreia que podem levar a graves desequilíbrios eletrolíticos. A Associação Portuguesa de Nutrição Clínica e Metabolismo (APNCM) recomenda cautela em doentes renais crónicos, cuja filtração de potássio e sódio já se encontra comprometida, podendo a combinação de DSS e restrições dietéticas agravar o risco de hiponatremia.
Giro pelo mundo: regulação e divergências legais
Estados Unidos e a palavra da FDA
Desde 1977, a FDA regula o DSS em categorias que vão de refrigerantes (10 ppm máximos) a queijos processados (0,5 % em peso) e cacau em pó (25 ppm), mantendo o GRAS Notice GRN 000006 de 1998 sem revisões substanciais. Em Washington D.C., reuniões de 2023 da Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives (JECFA) revisitavam aditivos surfactantes, mas deixaram inalterados os níveis do DSS, graças aos pareceres favoráveis da National Toxicology Program.
União Europeia: E 480 em águas calmas
O Regulamento (UE) 1129/2011 consolidou o status do DSS como E 480, sem alterações desde a Diretiva 95/2/CE. Em 2021, a EFSA reafirmou a segurança do aditivo, fixando ADI não especificado, e recomendou vigilância de surfactantes em combinação com outros emulsificantes. Bruxelas mantém, porém, a porta aberta a novas avaliações caso estudos da microbiota demonstrem impactos adversos.
Canadá, Mercosul e além
A Health Canada, em dezembro de 2024, alinhou-se ao Codex GSFA, autorizando até 10 ppm em bebidas com ácido fumárico e até 200 ppm em tripas de enchidos. Argentina e Brasil, via MERCOSUR, harmonizaram normas com o Codex, enquanto no Japão, Coreia do Sul e China – sob tutela de órgãos como FOSHU (Japão) e KFDA (Coreia) – o DSS permanece em listas positivas sem restrições adicionais.
Perspetiva de organizações de saúde
O Center for Science in the Public Interest (CSPI) defende rotulagem mais clara, sobretudo quando surfactantes coexistem com corantes e aromatizantes sintéticos. Por outro lado, a Consumer Brands Association (CBA), representada por John Hewitt, alerta para custos de reformulação e litígios, citando casos na Califórnia onde fabricantes preferiram adaptar rótulos do que alterar fórmulas.
O DSS na prateleira portuguesa: decifre o rótulo
Sobremesas instantâneas: Royal Gelatina Nestlé, Dr. Oetker e marca própria Continente – DSS atua até 15 mg/kg como humectante do ácido fumárico.
Refrescos em pó: Tang, Yoki, Bom Petisco – composto como agente de dispersão do ácido cítrico.
Molhos para salada: Hellmann’s e Pingo Doce – DSS estabiliza emulsões de óleo e água (≤ 0,5 % em peso).
Bases para gelados: Igloo, Lusogel – melhora a incorporação de água, resultando em maior rendimento por saco.
Doces e gomas: Haribo Goldbears, Pastilhas Arlequim – como agente de textura, conferindo maciez prolongada.
De acordo com o Projecto UPPER da Universidade do Porto, 23,8 % da energia dos adultos portugueses provém de ultraprocessados, dos quais 70 % contêm surfactantes, gomas ou corantes, o que coloca o DSS no topo da lista de aditivos a observar.
Olhar para o Texas: SB 25 e a viragem legislativa
No Texas, o Senado Bill 25 — “Make Texas Healthy Again” — foi aprovado a 22 de junho de 2025 e aguarda sanção do governador Abbott, com vigência a partir de 1 de setembro. A norma exige rótulos de aviso para 44 aditivos, entre eles o DSS, tidos como “não recomendados” em países como UE, Reino Unido, Canadá e Austrália. A lei surge na esteira da California Proposition 65 (1986) e do Arkansas Transparency in Labeling Act (2023), inspirando-se em modelos que incentivam reformulações voluntárias.
Reações à lei
Center for Science in the Public Interest: saúda a transparência e prevê diminuição do uso de aditivos controversos.
Consumer Brands Association: John Hewitt alerta para custos elevados de rotulagem e riscos de litígio, citando perdas de 2 % nas margens de lucro de pequenos produtores texanos.
Texas Medical Association: apoia o alerta, sublinhando que 60 % dos texanos consomem diariamente ultraprocessados, segundo estudo de 2024 do Texas A&M Health Science Center.
Apesar das críticas, experiências na Califórnia mostram que, após a exigência de advertências, empresas como PepsiCo e Kraft Heinz reformularam snacks e molhos, reduzindo surfactantes em até 30 %.
O que fazer em Portugal?
Numa era em que a Direção-Geral da Saúde (DGS) e o INFARMED monitorizam continuamente a exposição a aditivos, o consumidor tem papel ativo:
Leia sempre a lista de ingredientes e procure o INS 480;
Prefira produtos frescos e minimamente processados;
Apoie iniciativas de entidades como a DECO Proteste, que divulga relatórios anuais sobre aditivos;
Questione supermercados locais em Braga, Faro e Évora sobre origens e alternativas sem surfactantes.
Só assim se resguarda a saúde de cada família e se pressiona a indústria a caminhar para fórmulas mais limpas, sem sacrificar a segurança alimentar.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.