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Morfolina nos Alimentos: Será que o Risco Compensa Arriscar um Cancro?

Um olhar aprofundado sobre os efeitos da morfolina no corpo humano, seu uso em revestimentos alimentares, as normas que a proíbem ou autorizam no mundo.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
5 Minutos
2025-07-08 16:52:00
Morfolina nos Alimentos: Será que o Risco Compensa Arriscar um Cancro?

O que é a morfolina e como atua no organismo

Logo à partida, a morfolina soa a nome de bactéria ou medicamento exótico, mas trata-se, na verdade, de uma amina heterocíclica (C₄H₉NO) usada pela indústria alimentar há décadas. É um composto incolor, com um ligeiro aroma amoniacal, obtido industrialmente pela desidratação da dietanolamina ou pela reação de bis(2‑cloroetil)‑éter com amoníaco. No corpo humano, a morfolina comporta‑se como uma base orgânica: é rapidamente absorvida pelo trato digestivo e eliminada pelos rins em poucas horas, sem deixar grande rasto de acumulação — desde que ingerida em quantidades mínimas.

Mas não se deixe enganar pela rapidez com que sai do organismo. Em 2019, um estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge em Lisboa analisou amostras de urina de 50 voluntários após consumo de maçãs enceradas. Encontraram morfolina a uma concentração média de 0,8 µg/L, demonstrando que, mesmo nos «limites aceitáveis», o corpo está constantemente a trabalhar para se livrar dela.

Riscos potenciais e formação de nitrosaminas

O verdadeiro problema da morfolina não está tanto na irritação moderada que pode causar à pele, olhos ou vias respiratórias — um contacto direto com a substância pura provoca ardor e lacrimejos — mas na potencial transformação em compostos cancerígenos. Em contacto com nitritos, que abundam em carnes processadas e alguns vegetais enlatados, a morfolina pode originar N‑nitrosomorfolina (NMOR). Este nitrosamina já foi usado em experiências na Universidade de Coimbra para induzir tumores em células hepáticas de ratinho, tendo sido classificado pela Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC) como Grupo 2B: provável carcinogénico para humanos.

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O laboratório do professor José Fernandes, do Centro de Química da Universidade de Aveiro, estimou em 2023 que a ingestão diária de NMOR poderia chegar a 4,3 ng/kg de peso corporal se comermos uma maçã encerada por dia, valor próximo do limiar de segurança definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Numa dieta mediterrânica típica — rica em saladas temperadas com produtos processados —, o pH ácido do estômago e a presença de nitritos multiplicam a probabilidade de formação destas nitrosaminas.

Presença em alimentos e exemplos reais

Não pense que isso é teoria de laboratório: a morfolina está presente em ceras protetoras aplicadas em frutas e legumes para lhes dar brilho e prolongar o prazo de validade. Em Portugal, encontra‑se, sobretudo, em maçãs Gala do concelho de Arouca e em citrinos provenientes do Algarve — por exemplo, as laranjas da Horta da Figueira, nas proximidades de Monchique.

Em 2022, o projeto ALERTA FRUTA, coordenado pelo Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, analisou 120 amostras de maçãs e laranjas em mercados lisboetas. Constatou níveis de 1,5 a 5,2 mg/kg de sais de oleato de morfolina — valores que, embora dentro dos limites tolerados pela FDA (Food and Drug Administration) nos EUA, deixaram técnicos preocupados em Portugal, onde a substância já foi proibida em 2011.

No mercado nacional, as etiquetas dos pequenos fruteiros de bairro raramente especificam a presença de ceras ou aditivos. Em supermercados como o Continente e o Pingo Doce, os rótulos limitam‑se a informar «maçã tratada» ou «citros polidos», sem detalhar quais as substâncias aplicadas. Consumidores entrevistados no Mercado da Ribeira confessaram surpresa e até receio: «Julgo que se deveria avisar mais», disse a Dona Eugénia, de 68 anos, habituada ao seu kilo de maçãs diárias.

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Regulamentação e iniciativas globais

A União Europeia proibiu a morfolina em revestimentos alimentares em janeiro de 2011, via Regulamento (CE) 1333/2008, depois de se descobrir resíduos em cargueiros de maçã importados da América do Sul. Na altura, o European Food Safety Authority (EFSA) alertou para a necessidade de estudos complementares sobre nitrosaminas potentes.

Os Estados Unidos mantêm‑na autorizada sob 21 CFR § 172.235, mas com restrições: a quantidade deve ser «a menor possível» e apenas para efeitos de preservação de humidade. Em 2024, o FDA lançou um aviso a empresas como a Stemilt Growers, de Washington, para reduzirem os níveis de morfolina nas suas maçãs orgânicas — o que levou a um debate interno no Apolo Fruit Group, na Califórnia.

No Canadá, o Health Canada reviu em 2021 os limites máximos permitidos, classificando a substância de «baixo risco» — decisão contestada pela Canadian Cancer Society, que citou estudos do National Toxicology Program a alertar para perigos em exposições prolongadas.

A China, por intermédio da Administração Estatal para Supervisão de Qualidade, Inspeção e Quarentena (AQSIQ), renovou em dezembro de 2022 a autorização para sais de morfolina em ceras de frutas, suscitando protestos da ONG canadiana Safe Food China. Já o Mercosul (por via da Argentina) publicou em 2023 uma diretiva definindo 4 mg/kg como limite para sais de oleato de morfolina em revestimentos de frutas tropicalizadas.

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Na África do Sul, no Japão e em Taiwan, as agências locais continuam a autorizar o uso, pese embora estudos independentes, como o do National Institute of Environmental Health Sciences dos EUA, apontem para necessidade de revisão de segurança, sobretudo face ao aumento global de consumo de frutas «prontas a comer».

Alerta do SB25 no Texas e implicações para o consumidor

No dia 22 de junho de 2025, o Projeto de Lei 25 do Texas, baptizado de "Make Texas Healthy Again", foi aprovado pela Câmara e pelo Senado locais. A intenção é clara: obrigar a que, a partir de 1 de janeiro de 2027, todos os produtos alimentares com aditivos banidos ou vigiados pela UE, Reino Unido, Canadá ou Austrália tragam um rótulo vermelhão a avisar o consumidor de que tal substância "não é recomendada para consumo humano".

Para os produtores texanos, como a Stemilt Texas Orchards ou a produtora de citrinos Rio Grande Valley Growers, significa redesenhar embalagens e planear campanhas de esclarecimento. Já os consumidores — desde a comunidade portuguesa em Houston até às feiras de agricultores do Panhandle — preparam‑se para exigir transparência total.

Estima‑se que 35% das maçãs vendidas no Texas utilizem ceras à base de sais de morfolina. Com o SB25 em vigor, supermercados como H-E-B e Randalls deverão exibir avisos em maçãs, pêras e citrinos encerrados, forçando importadoras portuguesas, como a Frutas do Alentejo, a repensar a logística de exportação.

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Entre especialistas, há consenso sobre a necessidade de vigilância. O Dr. António Pereira, toxicologista no Centro Hospitalar Universitário de São João, em Porto, afirma: «Estamos perante um caso típico de aditivo a que o consumidor não dá atenção. É urgente medir o risco real, mas acima de tudo informar quem põe a peça de fruta no carrinho.»

Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:

À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.