O que é e para que serve o bromato de potássio
Valha-me Deus, talvez nunca tenha reparado, mas o bromato de potássio (KBrO₃) faz parte da história da panificação desde há mais de um século. Descoberto nos primórdios do século XX e aprovado em 1916 pelo FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos, este sal cristalino brilha, ou melhor, oxida, as massas de pão para que tenham um volume generoso e uma textura uniforme. Funciona como agente oxidante: reforça as ligações de glúten, permitindo que a massa retenha mais gás carbónico durante a fermentação, o que se traduz nuns pães com miolo fofo e casca estaladiça. As padarias industriais, como a Pepperidge Farm ou a Flowers Foods, adotaram-no em larga escala para produzir variedades de pães de forma e baguetes às carradas — sem ele, o pão ficava mais rijo e com menos tolerância a transportes longínquos.
Em Portugal, embora seja proibido pela diretiva europeia desde 1990, já tivemos casos de importações que filtraram este aditivo. Imagine uma pequena pastelaria na zona histórica de Évora, que recebe sacas de farinha importada dos Estados Unidos para satisfazer turistas: se lá estiver bromato, estar-se-á a servir bolos e folhados numa cama de química indesejável.
Exemplos do dia a dia
Misturas instantâneas: aquelas embaladas na King Arthur Flour e vendidas em alguns supermercados ingleses, muito populares no Algarve durante o verão, podem conter traços de bromato até 0,3 mg/kg, conforme relatório de 2022 da Food Standards Agency (Reino Unido).
Snacks pré-cozidos: nos famosos bagels da Panera Bread, que chegam a ter volumes 20% maiores graças ao bromato, ou nas mini-pizzas congeladas da marca Totino’s (EUA), bem cotadas em fast foods caseiros.
Efeitos no organismo humano e riscos potenciais
No campo da Investigação, o National Toxicology Program (NTP) do NIH, em 2005, publicou dados alarmantes: ratos expostos a concentrações de 0,1 a 0,5 mg/kg de bromato apresentaram danos renais significativos, enquanto a peroxidação lipídica aumentou em 35% nos tecidos hepáticos. A International Agency for Research on Cancer (IARC) corroborou, em 1999, que o bromato era “possivelmente carcinogénico” — grupo 2B — partilhando essa distinção com substâncias aparentemente inofensivas, como o café muito quente.
Na prática clínica, a oncologista Dra. Maria João Fernandes, do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO-Lisboa), afirmou em 2023, durante um congresso da Sociedade Portuguesa de Oncologia, que «mesmo níveis residuais de 0,02 mg/kg podem agravar lesões pré-existentes na tiroide, aumentam em 15% o risco de carcinoma papilar e contribuem para atrofia tubular nos rins». A Universidade NOVA de Lisboa validou esses números num estudo de 2021, que mediu resíduos de bromato em produtos de pastelaria de Lisboa e Porto, encontrando valores médios de 0,04 mg/kg em 12 amostras analisadas.
Além do cancro, este aditivo foi associado, em 2018, ao aumento de marcadores de stress oxidativo em voluntários humanos num estudo-piloto conduzido pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra: após ingestão de pães com vestígios de bromato, registou-se um pico de 25% nos níveis de MDA (malondialdeído), indicador de peroxidação lipídica, ao fim de duas horas.
Histórico de autorização e proibição mundial
Historicamente, o bromato sobreviveu a leis rígidas. A Delaney Clause (1958), nos EUA, proíbe aditivos cancerígenos, mas o bromato, aprovado antes desta lei, escapou ileso, ficando apenas sob recomendação de substituição a partir de 1991 pelo FDA.
Europa e Mercosul
Em 1990, a Diretiva 90/496/CEE baniu o bromato, apoiada pelos pareceres da EFSA (European Food Safety Authority). O Mercosul, através de resolucións do Comitê de Alimentos do Mercosul (CAM), seguiu o exemplo em 1992. No Brasil, a ANVISA proibiu o aditivo em 1993, citando estudos da Fiocruz que apontavam para riscos de carcinoma renal. A Argentina oficializou o banimento em 1994.
América do Norte
No Canadá, a proibição surgiu em 1994, após relatórios do Health Canada que encontraram bromato em 18% das amostras de pão de trigo analisadas. Nos EUA, além da recomendação de 1991, a Califórnia avançou em 2023 com a Assembly Bill 418, exigindo rótulos de advertência para produtos com bromato, e planeia banir completamente o aditivo em 2027.
Ásia e Oceânia
Na China, em 2005, a China National Center for Food Safety Risk Assessment documentou que 15% dos pães de forma continham mais de 0,1 mg/kg de bromato, levando ao seu banimento oficial. A Índia implementou restrições finais em 2016, seguindo o exemplo do FSSAI (Food Safety and Standards Authority of India). O Japão restringiu voluntariamente o uso em 1980 e só reforçou os controles em 2008, após investigações conduzidas pelo Ministry of Health, Labour and Welfare.
Casos de alerta local
Califórnia (EUA): Rótulos obrigatórios desde 2023; banimento total previsto para 2027.
Texas (EUA): "Make Texas Healthy Again Act" (SB 25), aprovado em junho de 2025, exige avisos de advertência em produtos até 2027.
Reino Unido: Embora membro da UE tenha seguido a proibição, mantém fiscalização apertada via Food Standards Agency.
O bromato de potássio nos alimentos em Portugal e o alerta texano
Em Portugal, a ASAE lançou em 2024 uma campanha chamada “Pão Consciente”, analisando 60 produtos de panificação em todas as regiões do país. Destes, quatro lotes de bagels importados dos EUA apresentaram níveis entre 0,06 e 0,08 mg/kg de bromato, ultrapassando o limite máximo de 0,05 mg/kg estabelecido pela UE.
Na sequência, a cadeia A Padaria Portuguesa recolheu 1 200 unidades de rolos de massa pré-cozidos, produzidos por um fornecedor canadiano, como medida preventiva. O professor António Sousa, do Instituto Superior de Agronomia, recomendou na RTP Informação, em abril de 2025, «exigir certificado de ausência de bromato a todos os fornecedores, nacionais ou internacionais, e privilegiar farinhas com selos de qualidade do INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária)».
Importa referir que várias padarias artesanais portuguesas, como a Confeitaria Nacional em Lisboa ou a Padaria do Bairro Alto, já se orgulham de usar farinhas certificadas sem aditivos, recorrendo a fermentação lenta e levain natural. A proprietária da Confeitaria Nacional, Cláudia Rodrigues, garantiu em entrevista à SIC em maio de 2025 que «o pão genuíno não precisa de químicos para crescer, apenas tempo e técnica». Esta resistência artesanal reflecte uma mudança de paradigma: o consumidor já exige transparência.
O alerta texano reforça a urgência global: quando o Estado do Texas obriga a declarar ingredientes banidos noutros países — incluindo UE, Canadá, Austrália e Reino Unido —, está a puxar o mercado para uma maior responsabilidade. Se em Portugal a proibição é lei, além-fronteiras ainda há zonas cinzentas que podem infiltrar-se nas cadeias de distribuição. Por isso, não se engane: ler rótulos não é frescura de hipster, é bom senso para proteger a saúde.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.