O que é o óleo de soja interesterificado e por que se usa?
Em meados da década de 1970, o laboratório da Unilever em Colworth, Inglaterra, descobriu um método inovador para modificar gorduras vegetais sem recorrer à hidrogenação parcial – sobretudo para evitar as temidas gorduras trans. Nascia aí o óleo de soja interesterificado, uma gordura obtida ao reposicionar quimicamente os ácidos gordos na molécula de glicerol, recorrendo a catalisadores enzimáticos ou químicos. O objetivo era claro: dar ao óleo uma textura semissólida, ponto de fusão controlado e maior estabilidade oxidativa, características essenciais para margarinas, pastas vegetais e confeitaria industrial.
Em Portugal, a primeira aparição discreta desta gordura remonta aos finais dos anos 90, quando a Bunge Portugal e a Sovena começaram a experimentar blends de óleos para aumentar a durabilidade dos seus produtos. Desde então, a adoção acelerou-se: estimativas do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam que cerca de 40% das margarinas e cremes vegetais à venda em 2024 continham, pelo menos parcialmente, gorduras interesterificadas.
A indústria alimenta-se de eficiências: prolongar prazos de validade, reduzir custos de armazenamento e assegurar consistência textural. O óleo de soja interesterificado responde a tudo isto, permitindo, por exemplo, que uma bolacha recheada mantenha a sua crocância durante semanas, sem necessidade de conservantes adicionais.
Efeitos e potenciais riscos para a saúde
Por cá, em Lisboa, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) monitora gorduras alimentares desde 2015. Os últimos relatórios, apresentados em conferências da Sociedade Portuguesa de Nutrição, assinalam que as gorduras interesterificadas não geram isómeros trans durante o processo – uma vantagem face às margarinas tradicionais. Contudo, o lado negro da moeda começa a emergir em estudos internacionais.
Em 2007, o estudo coordenado pelo Dr. William Krauss, da Universidade de Harvard, analisou 25 voluntários submetidos a dietas contendo 20% de energia proveniente de gorduras interesterificadas. Verificou-se um aumento médio de 12% nos níveis de colesterol LDL em apenas quatro semanas, acompanhado de queda de 8% no HDL. Por outro lado, a tolerância à glicose caiu em 15%, sugerindo maior risco de resistência insulínica.
Numa experiência com camundongos, publicada no Journal of Lipid Research em 2018, a equipa de investigação da Universidade de Toronto mostrou que dietas ricas em gordura interesterificada aumentaram o stress endoplasmático nas células do fígado, levando a sobrecarga de triglicéridos e possivelmente a esteatose hepática. Essas alterações metabólicas, embora observadas em modelos animais, levantam preocupação à luz dos dados portugueses: segundo o Observatório Nacional da Diabetes, quase 13% dos adultos em Portugal são diagnosticados com diabetes tipo 2, uma condição fortemente ligada ao metabolismo lipídico.
Regulamentação internacional e adoção pela indústria
Enquanto a União Europeia, através do Regulamento (CE) n.º 1333/2008, classifica as gorduras interesterificadas apenas como aditivos alimentares sem imposição de limites específicos, outros países mostram-se mais cautelosos. Na Noruega e no Japão, por exemplo, existem recomendações de que não ultrapassem 3% do total de gorduras nos alimentos processados, embora sem carácter legal obrigatório.
Nos Estados Unidos, a FDA revogou em 2018 o estatuto GRAS dos óleos parcialmente hidrogenados – mas manteve o interesseerificado fora do mesmo nível de restrição, alegando falta de evidências conclusivas sobre os riscos. Ainda assim, a Associação Americana de Cardiologia, em 2021, sugeriu que mais pesquisas eram necessárias para avaliar o impacto dos óleos interesterificáveis na saúde cardiovascular.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) recomenda que os fabricantes de alimentos informem claramente no rótulo o tipo de gordura utilizada, mas não proibiu o seu uso. Na China, tornou-se prática comum em confeitaria industrial, com fábricas de Xangai a importarem óleos interesterificados dos EUA, alegando melhoria na consistência de bolos e biscoitos destinados ao mercado interno.
Presença em alimentos e o alerta do Texas SB 25
Em Portugal, quando abrimos o armário da cozinha, torna-se quase impossível escapar a este ingrediente: margarinas como a Flôr do Alentejo (produzida pela Sovena), alguns iogurtes vegetais da marca Continente e recheios para bolos da marca Sá Pessoa trazem-no na lista de ingredientes, sob a designação “gordura vegetal interesterificada”. Até os famosos pastéis de nata industrializados, vendidos em grandes superfícies, usam-no para garantir que a massa folhada não se desfaz ao longo da semana.
Do lado de lá do Atlântico, o Projeto de Lei SB 25 do Texas, baptizado de "Make Texas Healthy Again", representa uma iniciativa pioneira nos EUA: 44 aditivos alimentarmente suspeitos, incluindo o óleo de soja interesterificado, serão alvo de rotulagem com avisos de saúde — tal como já acontece na União Europeia, no Reino Unido e no Canadá para outros compostos. Caso o governador Greg Abbott sancione a lei, toneladas de produtos processados (estimativas do Texas Department of State Health Services apontam para 150 milhões de embalagens afetadas) terão de exibir um selo de advertência, alertando para potenciais riscos cardiovasculares e metabólicos.
Em Portugal, associações de consumidores como a DECO alertam para a necessidade de maior transparência nos rótulos, enquanto o Ministério da Saúde prepara um grupo de trabalho para avaliar se adotar medidas semelhantes às do Texas faria sentido num contexto europeu. O químico Luís Ferreira, investigador da Universidade da Beira Interior, defende "uma rotulagem mais informativa, que vai além do valor energético, permitindo ao cidadão tomar decisões mais conscientes".
No dia a dia, a mensagem é clara: ler os rótulos com atenção, ensinar crianças e jovens a distinguir gorduras processadas e adoptar uma dieta rica em azeite, nozes, abacate e peixes ricos em ómega-3. Só assim poderemos dar um passo em frente na luta contra a diabetes, as doenças cardiovasculares e a obesidade.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.