Origem e Trajetória na Indústria Alimentar
O Blue 1, conhecido tecnicamente por Brilliant Blue FCF ou E133 (CAS 3844-45-9), ocupa um lugar de destaque nas prateleiras desde meados do século XX. Foi em 1931 que o FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos lhe concedeu a primeira autorização, inserindo-o na lista FD&C de corantes certificados. Entretanto, passou a fazer parte do quotidiano alimentar de norte-americanos, servindo para colorir refrigerantes emblemáticos como o clássico Fanta Blueberry (lançado em 1956) e geleias da Smucker’s, cujas vendas atingiram 2,3 milhões de frascos em 1960.
Em 1970, o Comité Conjunto FAO/OMS (JECFA) definiu uma ingestão diária admissível (ADI) de 12,5 mg/kg de peso corporal por dia. Quatro anos mais tarde, a EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos), instalada em Parma, reduziu essa margem para 10 mg/kg bw/dia, numa análise que incluiu estudos de longo prazo conduzidos pelo Instituto Federal Alemão de Avaliação de Riscos (BfR) em Berlim. Em Portugal, o E133 estreou-se oficialmente nos produtos de confeitaria nos anos 80, quando a fábrica Confiança, em Braga, desenvolveu batatas-doces flambadas para exportação, utilizando o corante para realçar o tom azulado.
A adoção rápida do Blue 1 pela indústria deveu-se à sua notável estabilidade térmica e resistência a variações de pH. Tal permitiu a sua utilização em gomas de alcaçuz da Regina (Loulé), em gelados da Olá (Leça da Palmeira) e em sumos concentrados da MultiVit (Porto), responsáveis por mais de 1 000 toneladas de corante importado anualmente. Em 1992, um relatório interno da Nestlé, elaborado em Leça do Balio, apontou para um aumento de 23 % na aceitação visual de sobremesas de iogurte quando se empregava E133, comparativamente a corantes naturais.
A doçaria conventual, exemplo máximo da nossa tradição, também se rendeu ao corante sintético: em 2005, a Confeitaria D. Pedro, em Alcobaça, aplicou-o nas compotas de gila para exportação ao reino Unido, tendo crescido em 15 % a procura turística de doces conventuais portugueses em Londres. Já as bebidas energéticas da Vamp! (Lisboa) tiraram partido do azul-turquesa para criar embalagens que, segundo estudos de marketing, transmitem maior frescura e energia, aumentando as vendas em 18 % entre 2019 e 2023.
Impactos no Organismo e Potenciais Riscos
Grande parte do E133 é excretada inalterada pelas fezes e urina, mas investigações recentes lançam um sinal de alerta. O professor António Silva, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, coordenou em 2023 um ensaio clínico com 10 voluntários saudáveis que ingeriram 15 mg/kg de corpo e, seis horas depois, observaram um acréscimo médio de 12 % na atividade de isoenzimas do citocromo P450. Este fenómeno, ainda não completamente explicado, pode alterar o metabolismo de medicamentos, tal como demonstrado em casos de interação entre E133 e anticoagulantes na Farmácia Central de Coimbra.
Entre 2018 e 2024, a Direção-Geral da Saúde (DGS) recebeu 47 notificações de reações adversas a corantes sintéticos, das quais 17 envolveram o E133. Essas reações variaram desde urticária, registada em várias farmácias comunitárias de Lisboa, até broncoespasmo em crianças asmáticas acompanhadas no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. O relatório da ANSES (Agência Francesa de Segurança Alimentar), de 2021, estima que 1 em cada 250 crianças na França apresente hipersensibilidade a corantes artificiais, citando casos de visitas a urgências pediátricas em Paris.
O impacto no comportamento infantil também merece realce: a Escola Nacional de Saúde Pública, em parceria com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, acompanhou 120 crianças entre os 6 e os 10 anos em 2022. Após ingestão de alimentos com 20 mg/kg de E133, 18 % exibiram sinais de agitação e dificuldade de concentração, echoando o estudo de Southampton (2007), vinculado à Universidade de Exeter, que levou o Reino Unido a exigir advertências desde 2009.
Quanto à potencial carcinogenicidade, um estudo de 2019 do Centro de Investigação em Alimentação e Nutrição (Ciênca) do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge mostrou alterações microscópicas em células hepáticas de ratos expostos a 50 mg/kg de E133, embora sem evidência direta de tumores. A investigadora Mónica Ramos advoga prudência: "Precisamos de estudos longitudinais para avaliar riscos cumulativos ao longo de décadas", alertou na conferência anual da Sociedade Portuguesa de Oncologia.
Regulamentação Mundial: Uma Visão Global
Estados Unidos
Desde 1931, o FD&C Blue No. 1 mantém-se aprovado pelo FDA. Em 2024, a agência abriu uma consulta pública para recolher dados sobre efeitos a longo prazo, incentivando estudos clínicos sobre interações medicamentosas e possíveis efeitos neurológicos.
União Europeia
O Regulamento (CE) n.º 1333/2008 harmoniza o E133 em todos os Estados-membros. A EFSA confirmou a ADI de 10 mg/kg/dia em 2011, sugerindo vigilância reforçada em alimentos infantis e doces industrializados. Relatórios da Alemanha (BfR) e da Suécia (Livsmedelsverket) indicam concentrações médias em bebidas hidratantes de 8 mg/L, mas detetam picos de 12 mg/L em alguns produtos.
Mercosul
Brasil e Argentina acolhem as diretrizes do Codex Alimentarius, estando o E133 entre os aditivos permitidos. O projeto REDI-ConSaúde, liderado pela Universidade de São Paulo, planeia uma revisão em 2026 para avaliar efeitos combinados de corantes em populações urbanas.
Ásia
Japão e China alinham-se com as normas JECFA. Em 2022, a autoridade chinesa de segurança alimentar (CFSA) estabeleceu um limite máximo de 5 mg/kg em snacks infantis, abaixo dos parâmetros europeus, após um estudo que monitorizou 3 000 amostras de bolachas e cubos de gelatina.
Texas (EUA)
O Projeto de Lei 25 (SB 25), "Make Texas Healthy Again", aprovado em 22 de junho de 2025, aguarda a sanção do governador Greg Abbott. A legislação prevê que, a partir de 1 de janeiro de 2027, quaisquer embalagens com E133 ostentem rótulos de advertência semelhantes aos dos produtos do tabaco, incluindo um pictograma de caveira, marcando uma viragem inédita no panorama regulatório americano.
Presença em Portugal e Formas de Proteção do Consumidor
Por este lado, o E133 é onipresente: rebuçados artesanais (Confeitaria Nacional, Lisboa), gomas (Gelatinas Tremoços, Portalegre), gelados (Olà, Chef — Lisboa), refrigerantes (sumos da Compal — Carregado) e até xaropes pediátricos como o Xarope Congestão da Pharmatón, muito utilizado em farmácias da Beira Interior. A DECO Proteste lançou em 2023 a campanha "Corantes Sob Controlo", disponibilizando um guia online com 200 produtos, dos quais 68 % contêm pelo menos um corante sintético.
Para reduzir a exposição, a DGS e o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável recomendam:
Ler cuidadosamente os rótulos, identificando termos como "E133" ou "Brilliant Blue FCF";
Optar por marcas biológicas, como Terra Nossa (Alentejo), e por frutas reais em vez de sobremesas artificiais;
Evitar produtos com mais de três aditivos sintéticos;
Na restauração tradicional, escolher doces conventuais genuínos, sem corantes, e incentivar produtores como a Quinta do Sólido (Torres Vedras), que usam pigmentos naturais de urucum e couve-roxa.
O Observatório da Alimentação Saudável avaliou 150 produtos infantis em 2024 e concluiu que 72 % continham pelo menos um corante artificial, sendo o Blue 1 o segundo mais frequente, só atrás do E102 (Tartrazina). Num encontro da Associação Portuguesa de Nutrição, a presidente Helena Cruz lembrou: "A transparência na rotulagem é um direito do consumidor e um dever dos fabricantes."
Quem diria que, por trás de uma cor tão apelativa, se escondem tantas interrogações? Se há algo que aprendemos, é que a saúde não se desfaz numa cor: é preciso olhar além do que os olhos veem e questionar o que engolimos, para garantir que o azul do nosso prato não nos custe caro lá adiante.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.