Origens e usos milenares do “alumen” à mesa moderna
Recordo-me de, em criança, ver o minhoto António queixarse das suas aventuras nas tecedeiras de Guimarães: o “alumen” mantinha as cores vivas nos linhores, diziam. Pois esse mesmo composto, KAl(SO₄)₂·12H₂O, que Plínio e Dioscórides já referiam há mais de 2 500 anos, acabou por saltar da indústria têxtil para a cozinha europeia. No século XIX, os padeiros de Londres brigavam com a Polícia do Pão (estabelecida pela Sale of Food and Drugs Act de 1875) para usar o potássio alum no branqueamento de pães, receosos de mudar sabores que os londrinos já conheciam bem. Foi aí que se decretou a proibição no Reino Unido, empurrando o aditivo para outras paragens: França abraçou-o na pastelaria de Toulouse e, mais tarde, a Burguesia portuense começou a apreciar as cerejas cristalizadas com aquele brilho próprio dos doces de forasteiro.
A Revolução Industrial trouxe uma fábrica em Algés que, em 1882, exportava cerejas cristalizadas para a Corte de Viena; em 1905, o Empório Silva & Cunha já rotulava “POTASSIUM ALUM” nos recipientes importados. Hoje, o Regulamento (EC) No 1333/2008 e o 231/2012 mantêm o E522 (alumínio de potássio) autorizado, mas apenas para usos muito restritos: cerejas cocktail, merengues de Oeiras e, vejam lá, claras de ovo líquida vendida nos hipermercados do Algarve.
O retoque químico que chega ao nosso organismo
Cada vez que trazemos ao estômago um pedacinho de bolo de cereja ou um merengue da Confeitaria Nacional, o potássio alum começa a soltar íons Al³⁺. Investigadores do Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (iBET) em Oeiras alertam: embora o consumo médio diário em Portugal seja de apenas 0,05 mg de alumínio por cada quilo de peso, a proximidade ao limite estabelecido pelo JECFA (1 mg/kg/semana) faz-nos franzir o sobrolho quando pensamos em frequentadores assíduos de confeitarias ou em doentes renais crónicos acompanhados pela Unidade de Diálise do Hospital de São João, no Porto. Em 2018, a EFSA apurou que crianças entre 3 e 9 anos podiam atingir até 0,88 mg/kg de peso corporal em picos de consumo, quase a ultrapassar o tolerável – o que fez soar alarmes em escolas de Lisboa, onde programas de lanche saudável já excluíram doces com aditivos de alumínio.
Sabe-se também que o alumínio acumulado no corpo tende a depositar-se nos ossos — estudos da Universidade de Coimbra mostraram redução de densidade mineral óssea em ratinhos expostos cronicamente — e há mesmo rigorosos ensaios clínicos na Universidade do Minho para analisar potencial neurotoxicidade. Foram publicados, em maio de 2024, resultados preliminares a ligar exposição excessiva a alterações de comportamento em modelos animais, o que levanta questões sobre impactos a longo prazo em populações mais vulneráveis.
Onde espreitar o E522 no carrinho de compras
Em qualquer hipermercado do Continente, procure no rótulo:
“E522 — Sulfato de Alumínio e Potássio” nas cerejas cocktail enlatadas Voz do Mar, muito apreciadas nos Açores.
Claras de ovo líquidas Chef’s Select, vendidas nos Continentes de Faro a Viana do Castelo.
Alguns mixes de fermento químico – hoje quase todos trocados por fosfatos, mas ainda há marcas regionais no Minho que resistem ao alumínio.
Nos corredores de pickles importados, as pimentas em conserva da marca alemã Scherning ainda surgem com o aditivo.
E não se fique por aí: as conservas de mexilhão à escabeche, comuns na Marisqueira da Luz, podem ocultar E522 para manter a firmeza do molusco. Ler rótulos virou exercício de cidadania alimentar.
Regulamentação global e o Texas a piscar-nos o olho
Enquanto em Bruxelas o E522 se limita a quatro utilizações, do outro lado do Atlântico a FDA insiste que “GRAS” significa “seguro” – mas com boas práticas de fabrico. Em 2025, o Canadá permitiu-lhe lugar de destaque em relishes e ovas de ouriço; no Japão, o Ministério da Saúde baniu-o de miso e limitou-o a 0,1 g/kg em confeitaria. Já o Food Safety Center de Hong Kong recomenda o E522 sob critérios de Codex Alimentarius.
E eis-nos na atualidade: a 22 de junho de 2025, a legislatura do Texas aprovou a SB25, carinhosamente apelidada “Make Texas Healthy Again”. A partir de 1 de dezembro, todos os produtos com ingredientes banidos na UE, Reino Unido, Canadá ou Austrália, como o nosso amigo “E522”, terão de trazer um rótulo de aviso – medida que obriga gigantes como H-E-B e Whole Foods a repensar fórmulas. Greg Abbott tem agora a última palavra, mas a indústria já estremece.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.