Introdução e Função da Canthaxantina nos Alimentos
A canthaxantina, mais conhecida pelo código E 161g, integra a vasta família dos carotenoides sintéticos, conferindo aos alimentos tonalidades que variam do laranja quente ao avermelhado suave. Comercializada desde a década de 1960, esta molécula encontrou na indústria alimentícia português o seu palco de maior visibilidade a partir dos viveiros de aquacultura do rio Douro: a Salmonport, em Vila Nova de Gaia, e a Fish4Ever, em Viana do Castelo, são dois exemplos nítidos de empresas que apostaram no pigmento para intensificar a cor do salmão e da truta. À primeira vista, pode parecer um truque meramente estético; porém, a canthaxantina cumpre também papel de antioxidante lipossolúvel, protegendo células animais do stress oxidativo e potenciando, em teoria, a frescura do produto final.
História e Adoção na Indústria Alimentar
A primeira autorização do E 161g nos alimentos remonta a 1969, com a FDA nos Estados Unidos a classificá-la como “exempt color additive”. Na Europa, só em 1994, pela Diretiva 94/36/CE, é que se formalizou o uso em derivados carneos processados, com limites de até 15 mg/kg, como acontece nas tradicionais alheiras de Mirandela e nas salsichas de Boeuf. Em Portugal, dados da ASAE de 2023 apontam que 12% das amostras de enchidos analisadas continham, além de corantes naturais, vestígios de canthaxantina.
Efeitos no Organismo e Riscos Potenciais
Quando consumida em quantidades moderadas através do peixe de viveiro, estima-se que a ingestão seja inferior a 0,02 mg/kg/dia, valor ligeiramente abaixo da Ingestão Diária Aceitável (ADI) de 0,03 mg/kg fixada pelo JECFA em 1987 e reafirmada pela EFSA em 2010. No entanto, em doses muito superiores — como nos populares “tanning pills” vendidos pela SunGlow entre 1987 e 1992 —, a canthaxantina revelou os seus predadores silenciosos: depósitos cristalinos na retina que geram retinopatia. Foi o oftalmologista Dr. António Girão, do Hospital de São João, que, em 1988, documentou cinco casos em Portugal de jovens com visão turva e cegueira noturna temporária após uso regular desses suplementos.
Para além dos impactos visuais, estudos da Universidade de Coimbra (2022) registaram episódios de diarreia e náuseas em voluntários que ingeriram doses de 5 mg/kg/dia durante um mês, e o ICBAS do Porto assinalou dois casos de dermatite de contacto em trabalhadores de centros de embalagem de ovos, como a Bravi, sediada em Aveiro. Mesmo que raros, foram sinalizados casos de anemia aplástica em França e Bélgica em 1990, associados a consumo prolongado de cápsulas — um alerta para a importância de monitorizar suplementos pigmentares.
Regulamentação em Portugal e Europa
Em Portugal, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) fiscaliza o cumprimento da diretiva europeia, impondo multas que podem chegar a 50 000 euros a quem não respeite os 15 mg/kg. O arco regulatório europeu exige apenas que os fabricantes indiquem “corantes artificiais” no rótulo, sem detalhar o E 161g, o que reduz a transparência para o consumidor. A Comissão Europeia, ciente das controvérsias, abriu em 2021 uma consulta pública para avaliar a necessidade de reforçar a rotulagem, especialmente depois de relatórios do European Food Information Council (EUFIC) terem vinculado pigmentos sintéticos a alterações de comportamento em crianças, embora sem comprovação direta para a canthaxantina.
Panorama Internacional e o Projeto SB 25 do Texas
Nos Estados Unidos, a FDA mantém o E 161g autorizado em rações de salmão (até 80 mg/kg) e em rações de aves (4 g/tonelada). Já no Mercosul, a Resolução GMC n.º 10/2006 foi incorporada pela RDC 725/2022 no Brasil, mas ainda carece de regulamentações setoriais detalhadas para carnes e ovos. O Canadá, através do Health Canada, atualizou em dezembro de 2024 a lista de corantes alimentares permitidos, mantendo o E 161g sob restrições estritas.
Em contrapartida, Austrália e Nova Zelândia decidiram banir a canthaxantina, argumentando que estudos locais, como o do CSIRO (2020), identificaram riscos potenciais ao feto em ratos gestantes. No Japão, a Food Safety Commission exige estudos adicionais antes de autorizar qualquer novo uso.
Desde 22 de junho de 2025, o Texas aprovou o SB 25, designado “Make Texas Healthy Again”, que obriga a rotular aditivos banidos ou rotulados noutros países, incluindo a canthaxantina. Caso o governador Greg Abbott sancione o texto, a lei entra em vigor a 1 de setembro, impondo que produtos como salmão defumado e snacks de peixe levem avisos sobre possíveis riscos, à semelhança do que já sucede com o tabaco.
Em Que Produtos Falar De Olho Aberto em Portugal
Salmão e Truta de Viveiro: nas marcas Mowi, Scottish Sea Farms e Norlax, disponíveis no Pingo Doce e Continente, procure selos de produção sustentável.
Ovos Enriquecidos: Bravi e Avine Portugal garantem gema mais alaranjada, mas verifique se usam pigmentação sintética ou natural (paprika, cúrcuma).
Enchidos Processados: chouriço fatiado, salpicão e paio de búfala – marcas regionais como Charcutaria Silva (Minho) seguem normas mais rígidas, mas os produtos genéricos usam “corantes artificiais”.
Snacks de Peixe: bolachas de bacalhau e tartelettes de camarão, cada vez mais populares em festas, podem conter E 161g para intensificar a cor.
Quem passe pelo Mercado do Bolhão, no Porto, ou pelo Mercado Municipal de Faro, deve ler sempre a letra miúda da embalagem e questionar o talho ou banca local sobre a alimentação dos animais. Ao preferir produtos biológicos ou certificados pelo EU Organic, minimiza a exposição a aditivos sintéticos.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.