Olestra: o “gorduroso zero” que enganou o consumidor
Quando o Olestra recebeu sinal verde da FDA dos Estados Unidos, há quase três décadas, poucos em Lisboa ou no Porto imaginavam que aquele “gorduroso zero” se tornaria tema de conversa em cafés e praças. Desenvolvido pela Procter & Gamble em parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o Olestra prometia revolucionar as batatas fritas e snacks salgados, mantendo a textura sedosa da gordura, mas sem aportar uma caloria única ao organismo. Em Julho de 1996, a crónica de Mark Bittman no jornal The New York Times saudava-o como «a salvação dietética de finais de século», enquanto na revista Time se lia que seria o ingrediente que “transformaria o fast-food em aliado da dieta”. Mas depressa se percebeu que nem tudo era assim tão belo.
Em Portugal, o anúncio do Olestra passou despercebido junto do grande público, mas era notícia regular em publicações da recém-criada Ordem dos Nutricionistas e em encontros do Colégio de Nutrição da Associação Portuguesa de Dietistas. Luís Pereira, nutricionista do Hospital de Santa Maria, alertava já em 1998 para a necessidade de “mantermo um pé na prudência”, sublinhando que a excelência dos laboratórios nem sempre reflete a realidade biológica.
A ciência por detrás do Olestra e os seus efeitos no organismo: há sempre uma contrapartida
Tecnicamente, o Olestra é um poliéster de sacarose com cadeias de ácidos gordos que o tornam indigerível pelas enzimas pancreáticas. Isto significa que percorre o tubo digestivo praticamente intacto, sem ser absorvido, resultando numa redução de até 100% das calorias da gordura — segundo o estudo pioneiro de 1997 conduzido pelo Dr. Peter Heckman, da Universidade da Califórnia em Davis.
Em 2001, investigadores do Centro de Investigação em Nutrição e Alimentos da Universidade de São Paulo (CINAL-USP) encontraram que, face a batatas fritas tradicionais, as versões com Olestra apresentavam diminuição calórica na ordem dos 60% (INEP-USP, 2001). Contudo, nem tudo são boas notícias: desde o início dos anos 2000 que relatos de diarreia, cólicas e incontinência fecal começaram a aflorar, especialmente em indivíduos com síndrome do intestino irritável. No Food and Nutrition Research Journal (2004), um ensaio clínico envolvendo 200 voluntários mostrou que 15% dos participantes sofreram efeitos adversos após consumirem 50 gramas de Olestra — sintomas que variaram de incómodos leves a episódios de urgência fecal.
Citada no relatório de 2010 da EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos), a bioquímica Maria Frade, da Universidade de Coimbra, destacou que o Olestra pode ligar-se a vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e a carotenoides como o betacaroteno, diminuindo a sua absorção em até 30% após duas semanas de consumo regular.
Cronologia de promessas, avisos e recuos:
1996: FDA aprova o Olestra para snacks salgados e batatas fritas “levíssima”.
2000: A ANVISA brasileira autoriza o uso em batatas desidratadas, mas obriga rótulos que alertem para possíveis efeitos gastrointestinais.
2002: EFSA e Food Standards Agency do Reino Unido recusam autorização, citando insuficiência de dados a longo prazo.
2003: FDA impõe aviso nos rótulos nos EUA sobre diarreia e desconforto abdominal; aparece a célebre etiqueta laranja que muitos consumidores torciam o nariz.
2006–2010: Redes como McDonald’s e Frito-Lay anunciam a retirada gradual de produtos com Olestra, após registos internos apontarem para queda de vendas de 40% (relatório Frito-Lay, 2008).
2012: Austrália promove proibição total do Olestra, referenciada na decisão do Food Standards Australia New Zealand.
2015: Japão confirma restrições contínuas, seguindo recomendações do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar.
Apesar de a legislação europeia nunca ter aprovado o Olestra, em revistas académicas médicas, como a European Journal of Clinical Nutrition, surgiram debates até 2018 sobre potenciais aplicações no controlo de peso em populações com obesidade epidémica.
Onde o Olestra se esconde em Portugal: de norte a sul, atenção aos rótulos
Quem passeia nos corredores do Continente, do Pingo Doce ou do Mercadona de Algarve talvez tropece em embalagens que prometem “gordura zero” — mas nem sempre explicam que o truque por detrás do claim é o Olestra. Um exemplo flagrante ocorreu em finais de 2022, quando a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) realizou inspeções em 50 tipos de batatas fritas e snacks “light” e detetou Olestra em três produtos da marca Lay’s Light (importados da Espanha) e em um snack proteico da Quaker, sem referência clara nos ingredientes (relatório ASAE, 2023).
Entretanto, em Janeiro de 2024, a cadeia de ginásios Holmes Place lançou os seus “snacks saudáveis” com rótulo “Baixas Calorias” — mas foi obrigada a retirar dois SKU depois de análises do Laboratório Nacional de Investigação Agrária (INIAV) confirmarem presença de poliésteres de sacarose acima do limite estabelecido na legislação brasileira.
O alerta do Texas: SB 25 e a ficha de advertência que pode inspirar o mundo
No outro lado do Atlântico, o Projeto de Lei 25 do Texas — batizado de “Make Texas Healthy Again” — é mais do que um mero documento legislativo: é um sinal de alerta global. A proposta visa impor rótulos de advertência para ingredientes que outros países baniram ou rotularam como perigosos, e o Olestra está na lista. Se o governador Greg Abbott rubricar o SB 25, que aguarda assinatura desde Abril de 2025, embalagens nos pontos de venda texanos terão de ostentar um selo vermelho com a legenda “Ingrediente Sob Alerta: Consulte Regulamentação Internacional” para produtos contendo Olestra. O Texas Department of State Health Services estima que esta medida possa reduzir o consumo de snacks ultraprocessados em 25% até 2030, poupando cerca de 1,5 bilião de dólares em custos de saúde pública.
A importância de abrir os olhos: um apelo à literacia nutricional
Não se trata apenas de sabermos se um pacote é “light” ou “zero gordura”. Segundo a Direção-Geral da Saúde, os portugueses consomem em média 56 gramas de gorduras saturadas por dia, ultrapassando o limite recomendado pela OMS (≤50 gramas). Quando se substituem gorduras tradicionais por poliésteres de sacarose, o risco de défice de vitaminas lipossolúveis A, D, E e K dispara — e uma carência de vitamina A, por exemplo, pode causar cegueira noturna, segundo estudos do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP).
Para reverter este quadro, projetos como o “Nutrir Bem” — apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Direção-Geral da Educação — têm levado sessões de leitura de rótulos a escolas do Porto e de Viana do Castelo, formando mais de 5 000 alunos desde 2022. Paralelamente, a APPDA (Associação Portuguesa de Deficientes) articula com nutricionistas ações de formação para pessoas com necessidades especiais, realçando a importância de monitorizar a ingestão de aditivos.
Numa era em que a indústria alimenta-se de marketing, é preciso que cada um de nós se arme de curiosidade e desconfiança saudável. Afinal, mais do que calorias contadas, interessa a qualidade do que chega ao nosso prato — e perceber que, por vezes, o barato sai caro.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.