Gordura Trans Sintética é m ataque ao coração e artérias que está escondido no prato!
Os ácidos graxos trans sintéticos são, por dentro do nome pomposo, substâncias que se escondem em muitos dos produtos que consumimos no dia-a-dia, desde as margarinas baratas aos salgados congelados. Resultado de um processo de hidrogenação parcial de óleos vegetais, patenteado pelo químico alemão Wilhelm Normann em 1902 e aplicado pela primeira vez na produção de margarina em 1910, estes ácidos tornaram-se populares pela sua capacidade de conferir textura sólida a gorduras que, em estado natural, seriam líquidas à temperatura ambiente. No ano seguinte, 1911, a Procter & Gamble lançou a Crisco, um shortening à base de óleo de algodão hidrogenado, lançando as bases para um tipo de gordura amplamente utilizado até hoje.
A era de ouro das gorduras trans sintéticas floresceu entre as décadas de 1950 e 1970, em pleno boom industrial e na expansão meteórica da indústria alimentar. Empresas como a Unilever e a Nestlé começaram a incorporar PHOs (óleos parcialmente hidrogenados) em margarinas, biscoitos e molhos prontos, seduzidas pela maior estabilidade ao calor, pelo prazo de validade alargado e pela textura suave que agradava ao paladar dos consumidores. Na pastelaria de bairro, a tradição do pastel de nata foi ligeiramente alterada quando algumas padarias, especialmente no Porto e em Lisboa, trocavam manteiga por gorduras mais baratas, sem que muitos clientes percebessem. Em 1980, estimava-se que mais de 40% do consumo mundial de gorduras era composto por esta forma industrial de lipídios.
Do ponto de vista fisiológico, o impacto dos ácidos graxos trans sintéticos no organismo tem revelado-se preocupante ao longo das últimas décadas. O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) publica regularmente relatórios onde se confirma que o consumo diário de apenas 2 gramas de gordura trans já eleva significativamente os níveis de colesterol LDL — o chamado "mau colesterol" — reduzindo simultaneamente o HDL, o "bom colesterol", e aumentando o risco de aterosclerose. Segundo um estudo coordenado pelo cardiologista Prof. João Costa, da Faculdade de Medicina de Lisboa, cada grama adicional de gordura trans na dieta está associada a um aumento de 23% no risco relativo de doença coronária. Para pôr estes números em perspetiva, a Associação Portuguesa de Cardiologia estima cerca de 12.000 óbitos anuais no nosso país ligados a complicações cardiovasculares onde a dieta desempenha um papel crucial.
Ainda nas estas matérias, a relação dos ácidos graxos trans sintéticos com o surgimento da diabetes tipo 2 não é menos alarmante. A Direção-Geral da Saúde (DGS) refere que, entre 2010 e 2020, a prevalência de diabetes na população portuguesa adulta subiu de 9,8% para 12,2%. Uma parte substancial deste aumento deveu-se, de acordo com análises do Observatório Nacional de Saúde, ao padrão alimentar ocidental, rico em ultra-processados e gorduras industriais.
Perante este grau de evidência científica, várias autoridades sanitárias mundiais avançaram para medidas regulatórias ao longo dos últimos 20 anos. Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) anunciou em 2015 a eliminação progressiva dos óleos parcialmente hidrogenados, com prazo final de escoamento até junho de 2018. Já no Canadá, a proibição entrou em vigor a 17 de setembro de 2018, tornando ilegal a adição de PHOs a produtos alimentares vendidos ou importados. Do outro lado do Atlântico, a União Europeia aprovou, em abril de 2021, o Regulamento (UE) 2019/649, que limita a 2 gramas de gordura trans industrial por 100 gramas de gordura total em alimentos destinados ao consumidor final.
A experiência da Dinamarca é muitas vezes citada como o modelo exemplar: em 2003, Copenhaga regulamentou a fração de gordura trans sintética em óleos e gorduras, fixando-a em 2%; os resultados falaram por si — a mortalidade cardiovascular caiu cerca de 50% em apenas duas décadas. No Mercosul, países como Brasil e Argentina exigem rotulagem obrigatória de trans fat desde 2006, mas ainda com limites mais permissivos — 5% em relação ao total de gorduras — à espera de revisões que igualem o padrão europeu.
Na Ásia, Singapura foi rápida a agir: em 2013, introduziu um limite de 2% para ácidos graxos trans em óleos e gorduras, seguindo de uma proibição total das PHOs em alimentos pré-embalados em junho de 2021. A Coreia do Sul e o Japão também impuseram restrições e rotulagem, mas sem alcançar ainda uma proibição completa.
Em Portugal, levantamento recente publicado pela revista "Food Chemistry" no ScienceDirect mostra que mais de 85% dos produtos embalados analisados contêm menos de 0,1 grama de gordura trans por 100 gramas. Contudo, gorduras usadas em pastelaria industrial — como cremes para recheio e glacês fabricados pela Auchan ou pela companhia local Delta Cafés — podem ultrapassar esse valor, permanecendo uma fonte clandestina de trans fat. A nutricionista Paula Soares, do Instituto de Nutrição e Tecnologia Alimentar (INAT), aconselha os consumidores a ler atentamente as embalagens em busca da expressão "óleos parcialmente hidrogenados" e a preferir produtos identificados como "livres de trans fat".
É aqui que entra o Projeto de Lei 25 do Texas, conhecido como "Make Texas Healthy Again", recentemente aprovado pela legislatura e agora a aguardar a assinatura do governador Greg Abbott. A proposta exige a inclusão de rótulos de advertência em 44 aditivos considerados deletérios — entre os quais o ácido graxo trans sintético — seguindo exemplos de rotulagem compulsiva praticados na União Europeia, no Reino Unido, no Canadá e na Austrália. A medida, prevista para entrar em vigor em 2027, obrigará gigantes como a Kellogg’s, a McDonald’s e a Mondelez International a repensarem fórmulas ou a expor claramente a presença destas gorduras nocivas nos produtos vendidos no mercado texano.
Face a este panorama, é fulcral alertar o leitor para as armadilhas da dieta moderna: ao petiscar umas bolachas Maria num café de bairro no Príncipe Real, ao comprar salgados congelados no continente ou ao untar torradas com margarina de marca branca no Pingo Doce, há sempre uma hipótese de estar a ingerir vestígios de gorduras que aumentam o risco de doenças crónicas. Com a entrada em vigor de regulamentos e propostas de lei mais rígidas, espera-se uma reformulação massiva de produtos, mas, até lá, cabe-nos a cada um de nós fazer escolhas mais informadas.
A esta batalha somam-se iniciativas de investigação e projetos como o European Trans-Fat Network, coordenado pela Universidade de Lisboa e pela Universidade de Atenas, que mapeia a exposição da população europeia aos TFA. Em Portugal, o projeto LIFE-TRANS, financiado pela Comissão Europeia, desenvolve tecnologias inovadoras de processamento que reduzem ou eliminam os ácidos graxos trans na produção de margarinas e bolos. Estes esforços científicos e legislativos são essenciais para inverter padrões de consumo prejudiciais e proteger a saúde pública.
Mais do que um tema para especialistas, a presença de ácidos graxos trans sintéticos na alimentação quotidiana é um problema que nos toca a todos, seja em Amadora ou em Tavira, em casa ou no restaurante, num lanche dos miúdos ou na tosta que acompanha o café matinal. A discussão deixou de ser apenas técnica: passou a ser social e política. Conhecer os riscos, ler rótulos e apoiar políticas públicas que protejam a nossa saúde é, hoje, tão necessário quanto respirar. Sem medo de perguntar, sem receio de exigir transparência: só assim conseguimos escrever um capítulo novo na história da nossa saúde coletiva.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.