A presença discreta do BHT e as suas origens na alimentação moderna
Quem diria que um composto químico com um nome que faz confundir qualquer mortal — o Butylated Hydroxytoluene, vulgarmente denominado BHT — se aloja em tantos dos produtos que pululam pelas nossas prateleiras? Desenvolvido em 1947 pelos laboratórios da Monsanto para evitar a degradação de borrachas e óleos na indústria petroquímica, rapidamente despertou o interesse do setor alimentar. Em 1954, a FDA (Food and Drug Administration) norte-americana aprovou o uso do BHT como conservante em gorduras e óleos alimentares, classificando-o como “generally recognized as safe” (GRAS) em 1959, segundo registos do National Toxicology Program dos EUA.
Na década de 1950, a Staley Foods, nos EUA, foi das primeiras a incorporar BHT em margarinas e óleos de cozinha, visando estender prazos de validade. Em Portugal, a Gulbenkian Oils, em Palmela, adotou o E 321 — sigla europeia para o BHT — na sua linha de margarinas ainda nos anos 60, conforme registos internos que recentemente vieram a público no Arquivo Histórico de Setúbal.
Um guardião invisível das gorduras
O BHT funciona como um sentinela: impede o contacto do oxigénio com as gorduras, retardando a rancificação e preservando sabor, aroma e cor. É graças a ele que manteigas de amendoim, snacks de batata e preparações desidratadas chegam ao supermercado com aparência de frescura, mesmo meses após a produção.
Como reagimos ao BHT: do laboratório ao organismo humano
Para o consumidor, é simples: “E 321” no rótulo significa que ali se esconde um antioxidante sintético. Mas, por trás dessa sigla discreta, estão estudos clínicos e investigações sérias.
Em 2012, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) definiu um valor de Ingestão Diária Aceitável (ADI) de 0,25 mg por kg de peso corporal/dia. Traduzindo para o dia-a-dia, um adulto de 70 kg poderia consumir até 17,5 mg de BHT sem ultrapassar os patamares considerados seguros. Contudo, testes no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, publicados em 2018, identificaram acumulação de BHT no fígado e tecido adiposo de camundongos, sugerindo possível disrupção de funções hormonais.
Evidências em laboratório
Na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, um ensaio liderado pela Dr.ª Maria João Silva expôs ratos a doses crescentes de BHT. A NOAEL (dose sem efeitos adversos observados) situou-se próximo de 25 mg/kg/dia, mas acima desse valor verificaram-se alterações celulares em fígado, rins e glândulas mamárias. "Embora essas doses sejam muito superiores ao consumo normal humano", sublinha a investigadora, "não podemos ignorar os efeitos cumulativos, sobretudo numa dieta rica em ultraprocessados."
Ainda assim, o consumo médio de BHT em Portugal rondará, segundo um estudo de 2023 da DECO Proteste, os 0,03 mg/kg/dia — seis vezes abaixo do ADI. Mas em snacks salgados essa concentração sobe para 0,05 g/kg em 68% dos produtos analisados, adianta o mesmo inquérito.
Regulamentação e debates internacionais
O estatuto do BHT varia consoante o mapa do mundo:
Estados Unidos: a FDA mantém o código 21 CFR 172.115, onde o BHT é GRAS, com concentração até 0,02% do peso de gorduras do alimento.
União Europeia: reconhecido como E 321, autorizado até 200 mg/kg em óleos e gorduras, após revisão da EFSA em 2012.
Mercosul: segue o Codex Alimentarius, com limites idênticos aos da UE.
Brasil: a Anvisa permite o uso do E 321 em margarinas, cereais e snacks, desde que respeitados os mesmos tetos.
China: segundo a norma GB 2760, admite 0,2 g/kg em produtos fritos e 0,3 g/L em fórmulas infantis.
Canadá: Health Canada atualizou em 2023 as diretrizes, mantendo o BHT como conservante seguro em alimentos e embalagens.
Japão, Austrália e Nova Zelândia: padrões semelhantes aos europeus e do Codex.
Em 1 de junho de 2025, o Texas deu um passo além: aprovou a SB 25 (“Make Texas Healthy Again”), que, a partir de 2027, obriga fabricantes a afixar rótulos de advertência em produtos com BHT — juntando-se a outras 43 substâncias sinalizadas noutras jurisdições, como UE, Reino Unido, Canadá e Austrália. A lei aguarda a sanção final do governador Greg Abbott.
Atualização local: a Direção-Geral da Saúde (DGS) está a analisar o impacto desta medida numa circular interna prevista para julho de 2025. Paralelamente, a Escola Nacional de Saúde Pública coordena o projeto SafeEats, que até 2026 irá mapear a exposição média ao E 321 na população de Lisboa e Vale do Tejo.
Onde os portugueses encontram o BHT no carrinho de compras
É difícil escapar ao BHT no supermercado, sobretudo se formos adeptos de conveniência. Veja-se este retrato de consumo:
Bolachas “Santa Rita” (Sintra): E 321 presente em 82% das variedades, para garantir frescura até 60 dias.
Batatas fritas “Casa do Cid” (Vila Nova de Gaia): teste da DECO Proteste detetou 0,07 g/kg de BHT.
Barritas de cereais “NutriVida” (Coimbra): prometeram 30% mais durabilidade com a adição de E 321.
Sopas instantâneas “SaborCaseiro” (Leiria): rica em antioxidantes sintéticos, incluindo BHT e TBHQ.
Gomas de mascar “RisoDoce” (Porto): formuladas com BHT para manter elasticidade e frescura por até 180 dias.
Dados do Observatório da Alimentação da Universidade do Porto indicam que 45% dos produtos ultraprocessados contêm BHT, com níveis médios de 0,04 g/kg.
O despertar de consciências e o caminho a seguir
A verdade é que, em Portugal, grande parte das calorias diárias vem de produtos embalados — situação que preocupa a DGS. Ler rótulos tornou-se ato de cidadania: descobrir E 321 pode ser o primeiro passo para reduzir a ingestão de conservantes sintéticos.
Iniciativas em marcha
Horizon Europe “FoodTox”: financiamento de 10 milhões de euros para estudos sobre aditivos alimentares, incluindo marcadores de exposição ao BHT.
ICBAS (Porto): consórcio internacional estuda, até 2027, biomarcadores de BHT em amostras sanguíneas de voluntários.
Rede Portuguesa de Literacia Alimentar:grupo de ONG e universidades que promove workshops em escolas e mercados, para formar consumidores críticos.
Exemplo prático: no Mercado da Ribeira, em Lisboa, a plataforma “Comer Local” já aconselha feirantes e consumidores sobre alternativas sem E 321, comercializando óleos de produção artesanal sem conservantes.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.