Alerta Vermelho à Mesa: o Efeito da Eritrosina (Red 3) no Corpo Humano
Quando abrimos um pacote de gomas coloridas numa pastelaria tradicional em Lisboa, dificilmente nos ocorre que aquelas cores vivas podem estar a esconder um ingrediente controverso: a eritrosina, mais conhecida por Red 3. Apesar de a indústria alimentar a usar há quase um século, só agora é que muitos portugueses começam a questionar o que comemos ao fim da tarde, acompanhando um café com leite.
Pela voz de quem passa as manhãs a folhear relatórios do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e os dias a entrevistar especialistas na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, fica claro que o Red 3 não é pinguela para brincadeiras.
História e propósito do corante
Descoberta em 1876 pelo químico francês Louis Édouard Grimaux, a eritrosina chegou às prateleiras em 1906, logo após o Pure Food and Drug Act, nos Estados Unidos, reconhecer o seu potencial para colorir doces, gelatinas e até cerejas glaceadas. A partir de 1923, marcas como a H.J. Heinz começaram a usar Red 3 em gelatinas de morango e cereais de pequeno-almoço, assumindo que as cores garridas seriam um chamariz para as crianças.
Em Portugal, a introdução foi mais tímida: só em 1940 é que empresas do Norte, nomeadamente a Regina, de Chaves, começaram a importar gelatinas americanas já pigmentadas. Foi também nessa altura que a Câmara Municipal do Porto autorizou um fabrico local de doces coloridos, que rapidamente se tornou popular nas festas de S. João.
Mas para que serve mesmo esse corante? O objetivo principal é simples: tornar o alimento mais apelativo. Estudos do IFIC (International Food Information Council) indicam que 70% dos consumidores são atraídos por cores vivas nos produtos, sobretudo crianças, de modo que o Red 3 age como um íman para as vendas.
O que dizem os estudos científicos
Adaptando a conversa com a Dr.ª Margarida Ribeiro, toxicodependente de estudos do INSA, percebe-se que os riscos estão associados à sobrecarga de iodo presente na molécula. Em ratos de laboratório, o consumo crónico de doses elevadas de eritrosina levou à hiperplasia folicular da tiróide — um aumento anormal de células que, em casos extremos, deu origem a adenomas e carcinomas (males que se agravam se houver predisposição genética).
Em 2007, a EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) publicou um parecer em que fixou a Ingestão Diária Admissível (IDA) em 0,1 mg por quilo de peso corporal. Para um adulto de 70 kg, isso equivale a 7 mg de Red 3 por dia. Na prática, uma única porção de cerejas em calda (150 g) pode conter até 30 mg de eritrosina — ultrapassando o limite recomendado em mais de quatro vezes.
Para além da tiróide, há indícios de alterações neurocomportamentais: em 2018, investigadores da Universidade de Coimbra obervaram roedores expostos a baixos níveis de Red 3 durante 60 dias e registaram sinais de ansiedade e alterações da atividade motora. Embora estes estudos não sejam diretamente extrapoláveis ao ser humano, reforçam a necessidade de cautela.
Reações adversas e casos em Portugal
Na União Europeia, onde o Red 3 está restrito a cerejas glaceadas e a gomas importadas, os alertas começaram em 2015, quando o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde) recebeu três queixas de consumidores com urticária e irritação ocular após consumo de gelatinas aromatizadas.
Em 2021, a DECO Proteste testou 25 marcas de gelatinas vendidas em Lisboa e Algarve e encontrou eritrosina em 12 delas, com valores médios de 20 mg/kg. A associação de defesa do consumidor alertou para a falta de informação clara nos rótulos, uma falha que muitas vezes passa ao lado dos consumidores apressados.
Regulamentação pelo mundo
Pondo o olho na tabela do Codex Alimentarius, vemos que a Austrália e a Nova Zelândia permitem até 200 mg/kg de eritrosina em decorações de confeitaria, enquanto o Japão não impõe limite, mas exige lista completa de aditivos no rótulo. No Brasil e restante Mercosul, a Resolução GMC 15/2005 fixa níveis máximos por categoria: 100 mg/kg em confeitaria e até 250 mg/kg em frutas em conserva.
Os Estados Unidos foram dos últimos a mexer: em janeiro de 2025, o FDA anunciou que revogaria a autorização para uso de Red 3 em alimentos ingeríveis até 2027, citando risco de carcinogenicidade observado em ratos. No entanto, permanece permitida em certos medicamentos tópicos, sob limitações.
O que esperar com o "Make Texas Healthy Again"
O Projeto de Lei 25 do Texas, aprovado em 22 de junho de 2025 e prestes a ser assinado pelo governador Greg Abbott, exige rótulos de advertência em produtos com Red 3. A lei arranca em janeiro de 2027 e inclui advertências como “Este produto contém E127, proibido na União Europeia em alimentos ingeríveis”. A campanha de sensibilização da ONG Texas Public Health Coalition prevê distribuir 100 000 folhetos em escolas e supermercados.
Ainda que pareça longe das pastelarias de Sintra ou das mercearias de Évora, o exemplo do Texas traz um recado importante: a distinção entre regulamentação e ação informada.
Porque devemos levantar o braço e olhar de perto
Perante números como 4 vezes a IDA diária em apenas uma chávena de cerejas glaceadas, torna-se imperativo ler rótulos com atenção redobrada. Em Portugal, onde consumimos uma média de 3 kg de gelatinas por habitante anualmente (dados do INSA, 2024), é fundamental que o cidadão esteja munido de informação.
O presidente da Direção-Geral de Saúde, Dr. Francisco George, tem reforçado em conferências que "a prevenção vale mais do que a cura", apelando à rotulagem clara e à pesquisa de alternativas naturais. Bons exemplos não faltam: a empresa portuguesa Frutaê reinventou as suas geleias coloridas usando corantes de beterraba e cenoura, com resultados aprovados pelo Centro de Investigação em Tecnologias Agrárias e Agroalimentares (CITAB) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Enquanto isso, no laboratório da Universidade do Porto, a professora Ana Sofia Fernandes coordena um projeto europeu (Horizon Europe) para avaliar corantes de origem vegetal como substitutos do Red 3. Se os resultados forem promissores, poderemos ver em breve gomas cor-de-rosa feitas com extratos de romã em vez de eritrosina.
O futuro dos nossos doces, gelados e cerejas glaceadas poderá ser colorido sem representar um tiro no escuro para a saúde. Cabe a cada um de nós, à semelhança do que o Texas começa a trilhar, exigir transparência: ler rótulos, questionar fabricantes e apoiar projetos que apostem em alternativas mais seguras.
Porque, no fundo, não há cor mais vibrante do que a da tranquilidade ao saborear um doce sem receios.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.