O que é o Red 4 e como age no corpo
Quando abrimos um frasco de cerejas em calda ou naquela taça de frutas glacé, a primeira coisa que nos salta à vista é o vermelho vibrante que parece saído de um catálogo de gelados. Por trás dessa cor escarlate está o Red 4, também conhecido por Scarlet GN ou FD&C Red No. 4 (CAS 4548-53-2), um corante sintético da família dos azo-corantes. Em termos químicos, é um sal dissódico que adere às superfícies dos alimentos, garantindo tonalidades vivas e uniformes. Mas não se deixe enganar pela beleza: estudos laboratoriais revelaram que, em camundongos e cães, doses elevadas provocaram lesões na bexiga e nódulos anormais, apontando para um potencial carcinogénico.
Em 1973, o toxicologista Dr. Samuel Epstein, da Universidade de Boston, publicou um relatório detalhado alertando para o risco de tumores vesicais em animais expostos ao Red 4, um dado que fez soar o alarme junto das autoridades de saúde nos EUA. De facto, o Journal of the National Cancer Institute registou um aumento de 18% na incidência de carcinoma de bexiga em ratinhos alimentados com altas concentrações do corante, comparativamente ao grupo controlo.
No organismo humano, a polémica centra-se na capacidade do Red 4 de ser parcialmente absorvido pelo trato gastrointestinal, distribuindo-se pelo sangue e depositando-se nas paredes vesicais. Em termos práticos, isso significa que, mesmo em concentrações abaixo de 50 partes por milhão (ppm), a presença contínua do colorante pode representar um "peso" que o corpo terá dificuldade em processar ao longo dos anos.
De notar ainda que indivíduos com sensibilidades a aspirina tendem a manifestar reações adversas a azo-corantes, como erupções cutâneas e dificuldades respiratórias, um fenómeno abordado pelo alergologista Dr. António Amaro, do Instituto Português de Alergologia, no simpósio anual de 2023.
História de uso e cronologia das proibições
O percurso do Red 4 na indústria alimentar remonta a 1929, quando o FDA (Food and Drug Administration) dos EUA o aprovou para uso em alimentos, cosméticos e medicamentos tópicos. Durante décadas, fez parte do kit de colorantes de empresas como a McCormick & Company, sediada em Maryland, que distribuía o produto para fabricantes de doces e conservas.
Em 1939, o corante manteve a certificação, mas depressa surgiram dúvidas. Em 1962, investigadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) publicaram dados preliminares sobre a formação de substâncias potencialmente cancerígenas resultantes da degradação do Red 4 no intestino.
Foi somente em 23 de setembro de 1976 que o FDA decidiu retirar definitivamente o Red 4 da lista de corantes alimentares autorizados, citando evidências de tumores em animais e riscos intoleráveis para a saúde pública. A Circular SRAFD #3 foi revogada, e a McCormick teve de recolher lotes acrescidos do corante, um processo que custou à empresa cerca de 1,2 milhões de dólares em recolha e substituição de estoques.
Na Europa, o Regulamento 76/399/EEC do Conselho da União Europeia proibiu o E125 (Red 4) a partir de 1 de janeiro de 1978. A partir dessa data, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) reforçou a vigilância sobre aditivos azo sintéticos, levando países como a Alemanha (Bundesinstitut für Risikobewertung) e França (ANSES) a instituir normas nacionais de controlo mais rígidas.
O Mercosul, por sua vez, harmonizou-se com as práticas europeias em 1995, quando o Brasil, baseado em parecer do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), e a Argentina endossaram a proibição, afastando definitivamente o corante dos gelados e compotas sul-americanas.
No Japão, ainda que o Food Sanitation Law não inclua o Red 4 na lista de aditivos permitidos, foi apenas em 1982, após relatório do Food Research Laboratory do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar, que fabricantes como a Morinaga & Co. deixaram de utilizar o corante em produtos tradicionais, como as geleias de conservas de ameixa.
Perigos comprovados e onde o encontrar
Apesar das proscrições oficiais, o Red 4 permanece em manchetes internacionais sempre que traços do corante são detetados em lotes importados. Em 2019, a Canadian Food Inspection Agency (CFIA) recolheu 82 amostras de maraschino cherries importadas de fábricas de Oregon e concluiu que 12% continham até 140 ppm de Red 4, quase o limite máximo autorizado (150 ppm).
Em Portugal, a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) realiza campanhas de fiscalização anuais. No último relatório, publicado em março de 2024, foram analisados 150 lotes de frutas em calda — provenientes de Espanha, Canadá e EUA — e nenhum testou positivo ao E125. Ainda assim, inquiridos nas ruas de Lisboa pelo jornalista Henrique Sousa, 68% dos consumidores admitiram não ler os rótulos com detalhe, revelando um vazio informativo preocupante.
Já na Alemanha, o estudo "Food Additives and Human Health" (2022), conduzido pelo Charité – Universitätsmedizin Berlin, concluiu que pessoas que consumiam regularmente produtos entramlevados com corantes sintéticos apresentavam 25% mais episódios de desconforto gastrointestinal.
O apelo dos fabricantes é sempre o mesmo: "É um corante seguro dentro dos limites regulatórios", argumentam representantes da International Food Additives Association, baseada em Zurique. Mas, como bem ressalvou a nutricionista portuguesa Dra. Sara Oliveira, do Centro de Investigação em Nutrição Humana da Universidade do Porto, "segurança" é uma palavra que não pode prescindir de «contexto e vigilância constantes». E, no caso do Red 4, esse contexto anda sempre a mudar.
Posição global e tendências futuras
No tabuleiro internacional, existem nuances a ter em conta:
Estados Unidos: desde 1976, o uso em alimentos está banido, mas o corante permanece autorizado em cosméticos de maquilhagem e produtos farmacêuticos tópicos, como os xaropes de tintura vermelha. A FDA lançou recentemente, em 2024, um inquérito público para avaliar a exposição cumulativa a azo-corantes em produtos não alimentares.
União Europeia: além da proibição de 1978, a EFSA publicou em 2023 um parecer que reforça a necessidade de estudos de longo prazo sobre a interação de diferentes corantes sintéticos no organismo humano.
Mercosul: segue à risca as diretrizes da UE e mantém o Red 4 fora da lista de aditivos permitidos. No Brasil, o novo Programa Nacional de Vigilância Sanitária (2025–2030) inclui monitorização de corantes nas exportações de frutas em calda.
Canadá: autoriza até 150 ppm de Red 4 em cherries e glacé fruits, mas a CFIA comprometeu-se a reduzir esse limite para 80 ppm até 2026, seguindo recomendações do Health Canada.
Japão: indústrias abdicaram voluntariamente do Red 4 desde 1982, mas o Ministério da Saúde japonês prepara um relatório para 2026 sobre possíveis fenómenos de acumulação de corantes sintéticos no organismo.
Adicionalmente, o Senate Bill 25 do Texas, batizado de "Make Texas Healthy Again", acrescentou o Red 4 à lista de 44 aditivos que requerem rótulos de aviso a partir de 2027. Greg Abbott tem até ao final de 2025 para sancionar o diploma. Caso avance, será um forte sinal de que até nos EUA o consumidor exige cada vez mais transparência.
O apelo final é claro: ler rótulos não pode ser um luxo reservado a quem tem tempo. Nos supermercados, das pastelarias artesanais de Sintra às grandes cadeias do Porto, é vital escrutinar cada ingrediente e preferir produtos sem azo-corantes sintéticos. Só assim evitamos sustos desagradáveis no futuro e garantimos que a nossa saúde não fique reduzida a um pigmento no prato.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.