O que é o óxido de propileno e por que está nos nossos alimentos?
O óxido de propileno, também conhecido como 1,2-epoxypropano, é um composto volátil, incolor e altamente inflamável que, à primeira vista, parece pertencer apenas às instalações industriais onde se fabricam poliuretanos ou propilenoglicol. No entanto, desde meados do século XX, o seu uso estendeu-se ao setor alimentar como fumigante e esterilizante de frutos secos, especiarias e cereais. A sua aplicação surge, sobretudo, como alternativa a processos térmicos ou por vapor que podem alterar as propriedades sensoriais dos produtos.
A FDA dos Estados Unidos aprovou a substância em 1958, em resposta à necessidade de controlar surtos de Salmonella em granjas californianas e canadianas. Nessa altura, amêndoas cruas sofreram uma série de contaminações que culminaram em dezenas de casos de intoxicação alimentar em 2005. A opção pelo óxido de propileno permitiu reduzir a carga bacteriana em até 5 logs – o equivalente a eliminar 99,999% das bactérias – sem afetar o sabor, a textura ou o aroma, segundo relatórios do National Center for Food Safety and Technology.
A indústria avalia que cada ano cerca de 60 mil toneladas de frutos secos importados para a Europa podem passar por fumigação, das quais 45% são tratados com métodos químicos. Em Portugal, empresas como a Suldouro e a Frutorra utilizam processos homologados para exportação, mas ainda não especificaram se recorrem ou não ao óxido de propileno, o que alimenta dúvidas no consumidor.
Efeitos no organismo humano: riscos à saúde
Os efeitos imediatos do óxido de propileno sobre o organismo humano manifestam-se principalmente pelas vias respiratórias e digestivas. Inalações de concentrações acima de 100 ppm podem causar irritação no nariz, tosse e desconforto ocular, enquanto a ingestão de quantidades mais elevadas origina náuseas e vómitos. Em 2018, um caso documentado no Hospital São João, no Porto, envolveu um operador de fábrica exposto a fugas do produto, tendo recebido tratamento com broncodilatadores e permanecendo em observação durante 48 horas.
Estudos conduzidos pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra demonstraram que exposições agudas de 500 ppm em ratas grávidas provocam malformações cardíacas e redução de peso na prole. Aliás, um grupo de trabalho do Instituto de Investigação Científica Tropical alerta para a capacidade do óxido de propileno de cruzar a barreira placentária e depositar-se em tecidos fetais, embora ainda não haja dados conclusivos em humanos.
No longo prazo, a classificação do IARC como Grupo 2B (“possivelmente cancerígeno”) baseia-se em evidências de tumores no epitélio nasal de roedores e em relatos epidemiológicos junto de trabalhadores de fábricas químicas na Bélgica e no Japão, onde se observou um aumento de 15% nos casos de linfoma não-Hodgkin entre 1990 e 2005. Em declarações à agência Lusa, a oncologista Dra. Teresa Vasconcelos, do Instituto Português de Oncologia do Porto, afirma que “a extrapolação destes dados para populações gerais exige cautela, mas não invalida o reforço de medidas de precaução na cadeia alimentar”.
Do campo ao prato: usos alimentares e regulamentação global
Objetivo tecnológico e histórico de adoção
Nos EUA, o uso do óxido de propileno ganhou força em 2007, quando o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) contabilizou mais de 50 surtos de Salmonella ligados a frutos secos. A regulamentação da FDA passou a incluir, não só amêndoas, mas também pistácios e pimentas secas. O tratamento químico, segundo a autoridade sanitária, não afeta compostos antioxidantes nem vitaminas, o que explica a preferência por este método em detrimento de pasteurizações térmicas.
Em Portugal, o Infarmed e a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) acompanham o processo de autorização de aditivos importados. Apesar de não haver uma norma explícita para o óxido de propileno, as importações provenientes de fora da UE devem cumprir os requisitos do Regulamento (UE) n.º 2019/1381, que reforça a transparência e a avaliação de risco pré-comercialização.
Posição nos principais blocos regionais
União Europeia: O Regulamento (CE) n.º 1333/2008 não inclui o óxido de propileno na lista de aditivos autorizados, o que, na prática, impede o seu uso como fumigante alimentar. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) finalizou, em 2021, um parecer sobre riscos potenciais, recomendando estudos adicionais antes de rever a proibição.
Estados Unidos: A FDA mantém limites de resíduos entre 3 ppm (figos secos) e 300 ppm (especiarias), sendo necessário um período de ventilação de pelo menos 72 horas pós-tratamento, conforme orientação da American Spice Trade Association.
Canadá: O Health Canada permite exclusivamente o uso de metiloxirano (sinónimo de óxido de propileno) para a modificação de amidos, excluindo-o de fumigações diretas de alimentos. Consumidores preocupados podem consultar a base de dados de alimentos importados mantida pelo Canadian Food Inspection Agency.
Mercosul e Ásia: A maioria dos países segue o Codex Alimentarius, que não prevê o uso do composto como fumigante, mas admite a sua presença em produtos processados desde que abaixo de 10 ppm.
Em Portugal, é comum encontrar no Continente, no Pingo Doce e na cadeia local Apolónia especiarias com rótulos indicando “tratado contra Salmonella sem recurso a calor”. As entidades de consumo, como a DECO, recomendam preferir produtos com certificação biológica ou com métodos mecânicos de desinfeção.
Alerta no Texas: Projeto de Lei SB 25 e imagens de advertência
Em 22 de junho de 2025, o Texas tornou-se o primeiro estado norte-americano a exigir rótulos de advertência para 44 substâncias consideradas de risco, entre as quais o óxido de propileno. A SB 25, conhecida como “Make Texas Healthy Again”, foi aprovada com o apoio de 72 deputados e 17 senadores, incluindo o republicano José Menéndez (Senado do Texas), que defendeu a medida como “um passo em direção à transparência que falta na legislação federal”.
A partir de 1 de janeiro de 2027, todos os produtos contendo resíduos acima de 1 ppm deverão ostentar a seguinte frase visível:
“Aviso: Este produto contém um ingrediente não recomendado para consumo humano pelas autoridades da Austrália, Canadá, União Europeia ou Reino Unido.”
Em Austin, a Kroger e a HEB já começaram a planear a reformulação de especiarias e cereais importados, enquanto pequenos retalhistas independentes ponderam enfrentar encargos adicionais de etiquetagem. O Texas Department of State Health Services divulgou, em abril de 2025, um relatório preliminar apontando que 12% dos frutos secos no mercado local continham resíduos de óxido de propileno acima de 5 ppm.
Projetos de investigação e vigilância em curso
Em Coimbra, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) realizou um estudo em 2023 sobre 180 amostras de especiarias e detectou que 22% continham traços de fumigantes químicos, embora apenas 5% ultrapassassem 3 ppm. O coordenador do estudo, Dr. Luís Pires, sublinha que “estes valores estão abaixo dos limites internacionais, mas merecem acompanhamento constante para evitar acumulações perigosas em populações vulneráveis”.
O consórcio europeu SafeSpice, que junta a Universidade Técnica de Munique, a Universidade de Lisboa e o Instituto de Biotecnologia Agrícola de Córdoba, investiga alternativas como o uso de vapores de óleos essenciais de eucalipto e limão. Testes iniciais indicam redução de até 99% na carga microbiana em pimentas moídas sem deixar resíduos tóxicos.
Em paralelo, o programa Horizon Europe FoodSafe2025 financiou uma linha de investigação liderada pelo Instituto de Ciências Agrárias de Portugal, testando radiações UV-C e micro-ondas para esterilizar frutos secos. Resultados preliminares mostram diminuição de patógenos em 4 logs, mas com custos 30% superiores aos métodos tradicionais. Ainda assim, estes projetos sugerem caminhos promissores para reduzir o recurso a químicos.
Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:
À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.