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Bleached Flour ou Farinha Branqueada: O Lado Oculto dos Nossos Pães e Bolos

Esta investigação revela como agentes químicos usados para branquear a farinha podem afetar a saúde, quando e porquê são adotados pela indústria e qual a posição das principais países das Américas e Europa, incluindo Portugal.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
6 Minutos
2025-07-02 09:02:00
Bleached Flour ou Farinha Branqueada: O Lado Oculto dos Nossos Pães e Bolos

A farinha branqueada anda por aí, disfarçada de amiga fiel nos nossos pães, bolachas e bolos, tal como aquele conhecido que aparenta ser inofensivo mas nos faz sentir o estômago embrulhado passado algum tempo. Em cada canto de Portugal — dos moinhos tradicionais de Barcelos às padarias modernas no Parque das Nações, em Lisboa — o aroma do pão quente seduz-nos, ignorando muitas vezes que essa leveza e brancura perfeitinha podem resultar de químicos que interferem, ainda que de forma subtil, nas nossas defesas naturais.

O percurso da farinha — do globo ao saco no supermercado

Desde a chegada das primeiras máquinas de moagem a vapor no século XIX até aos moinhos de rolos eletrónicos, a indústria alimentar quis ganhar controlo absoluto sobre cor, textura e prazo de validade. Foi nos anos 1920, nos Estados Unidos, que a Pillsbury começou a usar peróxido de benzoíla em larga escala para branquear a farinha — um precursor do cortejo químico que mais tarde a General Mills e a Cargill adotariam. O processo não só elimina pigmentos naturais do trigo, reduzindo o tempo de envelhecimento de até 10 dias para poucas horas, como também melhora o desenvolvimento do glúten, indispensável na confeitaria industrial para garantir bolos e bolachas uniformes.

Em Portugal, o setor agroalimentar costuma importar farinhas import-franceiras já pré-tratadas, sobretudo de França, Alemanha e Brasil, onde as regulações sobre branqueadores diferem ligeiramente das normas da União Europeia. Segundo um relatório de 2024 da Ordem dos Engenheiros Agrónomos, cerca de 42% da farinha branca vendida em hipermercados portugueses é de origem extracomunitária, tornando difícil aos consumidores evitar, sem um exame aturado dos rótulos, aditivos como dióxido de cloro e cloro gasoso.

Dentro do nosso corpo: uma batalha silenciosa

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Podem argumentar que a farinha branqueada e a não branqueada têm valores nutricionais semelhantes, mas a verdade é que o processo químico deixa marcas: o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, concluiu em 2022 que a vitamina E, crucial para neutralizar radicais livres e manter a pele, o sistema nervoso e a visão saudáveis, pode reduzir-se até 15% em farinhas branqueadas em comparação com as farinhas envelhecidas naturalmente. Paralelamente, investigadores da NOVA Medical School identificaram, num estudo publicado em Food Chemistry, uma queda de 10% nos níveis de glutationa (GSH) em células epiteliais intestinais expostas a farinhas branqueadas, traduzindo-se num aumento de 8% no stress oxidativo e na potencial inflamação crónica.

O panorama torna-se ainda mais preocupante quando olhamos para o bromato de potássio, autorizado nos EUA como auxiliar de melhoramento até 0,5 g/kg mas classificado pela IARC como possivelmente cancerígeno (Grupo 2B). A Universidade de Harvard investigou durante uma década efeitos de consumo crónico de pão à base de farinha branqueada com bromato, concluindo que há uma elevação de até 6% no risco de linfoma não-Hodgkin em populações que ingerem quantidades regulares de produtos industrializados.

O lado económico: produção e lucro em jogo

Para as grandes empresas — General Mills, Cargill, Pillsbury, entre outras — o branqueamento representa um ganho de eficiência colossal: redução de stocks parados, uniformidade de cor para campanhas de marketing e prolongamento do prazo de validade em 20%. No entanto, no setor artesanal, com mais de 3.000 padarias registadas em Portugal, segundo dados da Associação Portuguesa de Panificação e Confeitaria (APPC), muitos mestres padeiros mantêm-se fiéis às farinhas não branqueadas, valorizando métodos de fermentação lenta e moagem tradicional, ainda que enfrentem custos de produção até 30% superiores.

Em 2023, a APPC colaborou com a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária para lançar o programa "Pão com Identidade", orientado para 240 padarias de todo o país. O objetivo? Incentivar a utilização de farinhas sem branqueadores químicos, substituindo-as por ácido ascórbico e enzimas naturais — uma transição que já beneficiou mais de 70 mil consumidores, de Matosinhos a Faro, e aumentou a procura de farinhas integrais em 25%.

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Regulamentações em contraste: quem diz sim e quem diz não

União Europeia e Reino Unido — baniram peróxido de benzoíla e cloro gasoso em 1997 (Regulamento CE n.º 93/94). Desde então, autorizam apenas melhoradores não branqueadores, como o ácido ascórbico, monitorizados pelo EFSA. A legislação obriga a especificar na embalagem se a farinha passou por processos de maturação enzimática, mas muitos consumidores desconhecem esse pormenor.

Estados Unidos — a FDA, sob o Código Federal de Regulamentação (§137.105), permite benzoyl peroxide, cloro e dióxido de cloro, mas obriga a rótulos claros com a designação "Bleached Flour" e limites máximos. O Projeto de Lei 25 do Texas, “Make Texas Healthy Again”, aprovado a 22 de junho de 2025 e aguardando sanção do governador Greg Abbott, exige advertências em 44 ingredientes, incluindo farinha branqueada, a partir de 2027 — um marco que pode inspirar outros estados americanos.

Mercosul (Brasil, Argentina) — o Brasil, pela ANVISA, permite peróxido de benzoíla até 0,4 g/kg segundo diretrizes do Codex Alimentarius; a Argentina segue normas semelhantes, mas exige testes semestrais de resíduos químicos. Em 2022, o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), em Campinas, avaliou 180 amostras de farinha e encontrou branqueadores em 58% dos lotes, impulsionando debates sobre revisão de limites.

Ásia (Japão, China) — o Japão tolera apenas dióxido de cloro, nunca bromatos, e obriga relatórios anuais ao Health Science Council. A China, alinhada à UE, proibiu doadores de cloro em 2015, mas continua a largar dióxido de cloro em farinhas de segurança alimentar prioritária.

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Portugal no carrinho de compras: armadilhas e escolhas conscientes

Em 2024, a Deco Proteste analisou 150 produtos de confeitaria portugueses: descobriu que 65% continham farinha branqueada mencionada na lista de ingredientes, especialmente bolachas recheadas, bolos instantâneos e massas folhadas prontas a esticar. Uma marca popular de bolachas, salgadinhos de polvilho e alguns pães de forma revelaram concentrações de branqueadores na ordem de 0,2 a 0,4 g/kg.

Nas mercearias biológicas e lojas de produtos naturais, farinhas integrais e de centeio orgânico crescem em popularidade: as vendas subiram 30% em 2023, conforme dados da Associação Portuguesa de Agricultura Biológica (Agrobio). Produtores como a Moinhos do Mondego, em Penacova, e a Casa Raiz, em Vila Verde, apostam em rotulagens transparentes — "farinha de trigo não branqueada" e "moagem lenta" — conquistando clientes fiéis de Coimbra a Portimão.

Olhar crítico: por que importa saber?

A questão não é demonizar o pão branco ou a pastelaria que entranhou a nossa cultura, mas compreender o impacto a longo prazo na saúde pública. O Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, lançou em 2021 o programa "Pão Nosso de Cada Dia – Sabor e Saúde", envolvendo 150 padarias locais e reduzindo em 40% a utilização de aditivos químicos, privilegiando fermentação natural. O projeto notou melhorias do bem-estar digestivo em 68% dos voluntários, segundo questionários aplicados durante seis meses.

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A experiência da Suíça, que em 2018 proibiu totalmente branqueadores químicos em todas as farinhas, mostra que é possível manter qualidade e tradição: o país produziu 200 mil toneladas de pão artesanal em 2023, sem registos de quebra de mercado. Se Portugal adoptasse normas semelhantes, estimativas da associação Eurostat sugerem que a indústria artesanal poderia crescer até 15% em valor, criando 500 novos postos de trabalho.

Portugal tem, portanto, uma oportunidade: educar consumidores, apoiar pequenos moinhos e desenvolver regulações mais rigorosas, garantindo que a escolha do próximo pão esteja baseada na transparência. Afinal, percecionar o que vai ao prato é um direito e um dever, sobretudo quando a saúde está em jogo.

Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:

À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.

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