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Hidróxido de Sódio e Potássio: A 'Soda Cáustica' Escondida Como 'Regulador' em Sua Refeição Processada

Do pretzel alemão às azeitonas portuguesas, descubra por que este “lye” está em tudo — e por que o Texas quer pôr-lhe um aviso obrigatório.

Sofia Ribeiro Almeida Sofia Ribeiro Almeida Jornalista de Tecnologia, Ciência, Saúde, Meio Ambiente e Clima | Porttugal
5 Minutos
2025-07-08 12:10:00
Hidróxido de Sódio e Potássio: A 'Soda Cáustica' Escondida Como 'Regulador' em Sua Refeição Processada

Panorama histórico e regulatório
Desde o século XIX que o hidróxido de sódio (NaOH) e o hidróxido de potássio (KOH) – carinhosamente apelidados de “lye” ou “lejía” – acompanham os mais diversos processos alimentares. Em 1958, o FDA (Food and Drug Administration) dos EUA incluiu o NaOH no Título 21 do Code of Federal Regulations (Part 172.140), admitindo-o como aditivo para limpeza de lúpulo em extracções de cerveja; em 1971, oficializou-o como GRAS (“Generally Recognized As Safe”) numa nota interna assinada pelo então comissário Alexander M. Schmidt. Em paralelo, nos anos 90, a Comissão Europeia aprovou o E524 (NaOH) e o E525 (KOH) pela Directiva 95/2/CE, depois integrados no Regulamento (UE) n.º 1333/2008 e detalhados no Regulamento (UE) n.º 231/2012, impondo pureza mínima de 98 % e limites rígidos a metais pesados (arsénio ≤ 1 mg/kg; chumbo ≤ 2 mg/kg) para garantir inocuidade.

Em Portugal, o Infarmed validou estas normas em 2009, seguindo à risca as orientações da EFSA e do Codex Alimentarius (47.ª sessão, 2024) que mantém o “lye” como regulador de acidez sem limite máximo fixo mas sob boas práticas de fabrico (GMP). A Direção-Geral da Saúde e a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária coordenam os laboratórios acreditados do Instituto Ricardo Jorge e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa para validar, anualmente, amostras de aditivos importados ou produzidos internamente pela Brenntag Portugal ou pela AkzoNobel Chemicals.

Já no Mercosul, Brasil e Argentina seguiram o Codex mas sem centralizar a legislação: o MAPA (Brasil) adoptou o NaOH como insumo em conservas de legumes em 2012, enquanto o SENASA (Argentina) actualizou a portaria em 2018. Na Austrália e Nova Zelândia, o Food Standards Code de 2015 inclui ambos sem proibições, mas exige controles de pureza pela FSANZ (Food Standards Australia New Zealand). A Coreia do Sul e o Japão mantêm o NaOH sob o código JECFA 96, revisado em 2023, mas só o autorizaram em fabricantes registados junto ao Ministério da Saúde local, como a Ajinomoto e a Taikoo Sugar.

Objetivo e aplicações na indústria alimentar
“Mas, ó amigo, por que raio metem um produto corrosivo na nossa comida?” – perguntamo-nos legítima e sardonicamente. A resposta está no pH e na textura. No norte da Alemanha, a Ditsch GmbH (responsável por 60 % dos pretzels vendidos no Oktoberfest de Munique) mergulha a massa num banho de NaOH a 1,8 % durante 30 segundos, conferindo-lhe aquela crosta dourada, brilhante e ligeiramente amarga que nos faz salivar só de ver. O recurso data do início do século XX, mas só em 1936 o processo ficou padronizado pela Deutsche Lebensmittelbuch, o “livro sagrado” dos nossos vizinhos germânicos.

Em Portugal, a Sovena Portugal, líder em conservas de azeitona no distrito do Porto, aplica banhos alcalinos para dessulfurizar azeitonas galegas e alcaparras da Beira-Baixa, reduzindo o amargor em 40 % e acelerando o escurecimento natural em 24 horas, face aos 5 dias de cura tradicional. Já a indústria chocolatière, com destaque para a Barry Callebaut em Basileia, utiliza o NaOH – processo conhecido como “Dutching” desde 1828 – para alcalinizar o cacau, aumentando a solubilidade dos sólidos em até 30 % e intensificando a cor para tons castanhos-escuros, numa prática adotada pela Nestlé e Ferrero em 1931.

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O “lye” encontra ainda lugar em frutas cristalizadas (como a laranja de Tavira, Algarve) para amaciar a casca antes da secagem, e em frutos secos para pelar amêndoas biológicas da Herdade do Esporão sem recorrer a métodos mecânicos agressivos. Estes usos, porém, envolvem sempre etapas de enxaguamento e fervura em água potável (certificada pela EPAL em Lisboa ou pela Águas de Gaia no Porto) para eliminar vestígios, segundo as normas do Regulamento (UE) 1333/2008.

Efeitos no organismo humano e riscos potenciais
É natural ficarmos apreensivos: o “lye” puro é capaz de causar queimaduras de segundo grau em contacto com a pele e lesões graves no sistema digestivo. Em 2019, no Hospital de São João, no Porto, entraram três vítimas de ingestão acidental de NaOH industrial, com perfurações esofágicas e necessidade de cirurgia de urgência – recorda o dr. António Marques, cirurgião no Serviço de Cirurgia Torácica. A ingestão de 1 g de NaOH puro pode elevar o pH gástrico a valores acima de 12, causando necrose tecidular e risco de choque químico.

Contudo, nos alimentos, as concentrações finais rondam apenas 0,01 % a 0,05 %, e o contacto é breve. Estudos da Universidade de Évora (2022) indicaram que, após as etapas de lavagem, as amostras de azeitonas tratados com NaOH apresentavam traços inferiores a 0,5 mg/kg – nível considerado inerte para o organismo, segundo o relatório do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Ainda assim, pessoas com gastrite crónica ou doença de refluxo gastroesofágico (DRGE) podem sentir ligeiros desconfortos: o pH baixo do estômago pode sofrer flutuações transitórias, agravando sintomas em cerca de 5 % dos casos, segundo dados da Direção-Geral da Saúde (2023).

A longo prazo, não há evidências de toxicidade acumulativa, mas a American Chemical Society (ACS) alerta para a necessidade de controlo de impurezas metálicas: arsenito e cianeto, se presentes acima de 0,1 ppm, podem ter riscos neurotóxicos. Por isso, a Farmacopeia Europeia e a Food Chemicals Codex (FCC) impõem testes semestrais em lotes, e a SGS Portugal audita duas vezes por ano as fábricas portuguesas de aditivos, como a Brenntag Solvay, para verificar conformidade.

Legislação internacional e controvérsias
Em fevereiro de 2025, o Projeto de Lei 25 do Texas – SB 25, conhecido como “Make Texas Healthy Again” – passou no Senado estadual por 28 votos a favor e 3 contra, com o patrocínio do senador Bryan Hughes. Subscrevem a proposta organizações como a Texas Public Health Coalition e a Texas Dietetic Association, que defendem avisos em “rótulos de perigo” para aditivos banidos ou rotulados em outras jurisdições (UE, Reino Unido, Canadá, Austrália, Japão). O hidróxido de sódio/potássio figura na lista, o que pode levar gigantes como a H-E-B e a Whole Foods Market a reformular pretzels ou conservas destinadas ao mercado texano.

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Por contraste, em Portugal e na UE não há movimentos relevantes a pedir proibição, mas sim maior transparência. Em abril de 2025, o grupo de consumidores DECO protestou junto da Comissão Europeia para que os rótulos indiquem “regulador de acidez: hidróxido de sódio” em vez de “aditivo E524”. O Parlamento Europeu mantém-se cauteloso, entendendo que rotular aditivos que não aparecem no produto final em concentrações ativas pode induzir alarmismo. Carlos Zorrinho, eurodeputado português, defende em Bruxelas “informação honesta, mas sem criar pânico desnecessário”.

No final das contas, o debate gira à volta do direito à informação versus o risco de alarmismos. Em Portugal, a Autoridade da Concorrência prepara uma consulta pública para avaliar se a rotulagem deve discriminar aditivos inertes ou apenas os ingredientes que aportam propriedades ao consumidor. Até lá, cabe-nos a cada um ler os rótulos com atenção e perceber que, quando vir “E524” ou “E525”, não está a comer lixívia pura, mas sim um instrumento milenar da indústria para nos entregar produtos com o aspeto, sabor e textura a que já nos habituámos.

Nesta série "Perigo Invisível no Prato", vamos informá-lo sobre os riscos que corre ao consumir alimentos com estas substâncias. Segue abaixo uma lista com os 40 ingredientes alimentares que estão na mira do Projeto de Lei 25 (SB 25) do Texas:

À medida que desvendamos o complexo mundo dos aditivos alimentares, ingrediente a ingrediente, a teia da indústria alimentar começa a revelar os seus segredos. Cada substância analisada não é apenas um nome num rótulo, mas sim um capítulo na história da nossa alimentação, com um propósito específico, um percurso regulatório e, mais importante, potenciais implicações para a nossa saúde.

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